Acórdão nº 318/11.7GFVFX.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução23 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça _ No processo comum nº 318/11.7GFVFX da Comarca de Lisboa Norte - Loures - Inst. Central - Secção Criminal- J2, foi submetida a julgamento em Tribunal Colectivo a arguida: AA,---, ---, nascida em ---, filha de --- e de ---, natural da freguesia e concelho de ---, actualmente residente na Rua ---; na sequência de acusação deduzida pelo Ministério Público que lhe imputava a prática, em autoria material, em concurso efectivo, e na forma consumada, dos seguintes crimes: a) - um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. a), c) e j), ambos do Código Penal b) - um crime de profanação de cadáver, previsto e punido pelo artº 254º, nº 1, al. a) do Código Penal, Realizada a audiência de discussão e julgamento onde por despacho exarado em acta, procedeu-se à comunicação da alteração não substancial dos factos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 358°, n.º 1 do C.P.P., veio a ser proferido acórdão em 4 de Fevereiro de 2015, que decidiu: “1 - Absolver a arguida AA das qualificativas do homicídio previstas no art. 132°, nºs. 1 e 2, als. a), c) e j), ambos do Código Penal.

2 - Condenar a arguida AA, em autoria material, e em concurso efectivo: a) - pela prática de um crime de homicídio, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 131 ° do Código Penal, na pena de 14 ( catorze) anos de prisão.

  1. - pela prática de um crime de profanação de cadáver, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 254°, n.º 1, aI. a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.

    3 - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida, condenar a arguida AA, na pena única de 14 (catorze) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

    4 - Condenar a arguida em 4 U cs de taxa de justiça, e nas custas, sendo os honorários à Ilustre Defensora nomeada em conformidade com a Tabela em vigor.

    5 - Após trânsito em julgado da presente decisão determinar o cumprimento do disposto no art. 8°, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12-02.

    * Boletim à DSIC.

    Notifique.

    Deposite. “ _ Inconformada com a pena aplicada, recorreu a arguida para o Supremo Tribunal, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso: 1 - A arguida foi condenada em cúmulo Jurídico na pena de catorze anos e quatro meses de prisão no âmbito dos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo.

    2 - A ora arguida, inconformada com a pena que lhe foi concretamente aplicada, uma vez que nunca viu a sua vida em risco de ter de cumprir pena de prisão.

    3 - Do seu Registo criminal pode aferir-se que apenas constam os crimes objecto do presente processo, nunca antes tinha tido qualquer contacto com a Justiça.

    4 - A prática de todos os comportamentos desajustados da arguida foram o reflexo de um período conturbado da sua vida, vítima de violência doméstica e com dificuldade de gerir a sua dependência emocional e económica do marido.

    5 - A arguida tem vindo a tentar ultrapassar essa fase da sua vida, mantendo actualmente uma relação matrimonial estável, com a colaboração do seu marido, o qual conseguiu controlar a ingestão de bebidas alcoólicas.

    6 - A prática dos factos pela arguida coincidem com um período da sua vida bastante conturbado, vivenciado por violência doméstica, por adultério por parte do seu marido e consequentemente a sua contaminação com HIV.

    7 - A arguida tem actualmente apoio da mãe e avó as quais a têm apoiado e ajudado a reorganizar a sua vida.

    8 - Está a tirar um curso profissional de molde a conseguir emprego e estabilizar economicamente a sua família.

    9 - Aliás, a simples ameaça de ter de cumprir pena de prisão pelo período de 14 (catorze) anos e 4 (quatro) meses, já por si fez com que a arguida repensasse a sua vida e a orientasse no bom sentido.

    10 - Dando assim, grande valor ao tempo que passa com a sua filha Laura de 11 anos, dando-lhe todo o apoio de que necessita no seu bem estar e desenvolvimento.

    11 - Segundo o disposto no Art° 40° do Código Penal "a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens Jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" 12 - Ora, o que a lei pretende é que o agente volte à sociedade reintegrando-se e afastando-se da sua conduta criminosa.

    13 - Tal objectivo, não será decerto conseguido com o cumprimento da pena de prisão pelo período tão longo de 14 anos e 4 meses de prisão.

    14 - A arguida é uma jovem adulta de 35 anos de idade, que necessita de apoio psicológico e orientação para ultrapassar a sua vivência de violência doméstica.

    15 - A arguida carece que a Justiça lhe dê uma oportunidade de provar que se arrependeu dos factos praticados em momento conturbado da sua vida e a ajude a orientar-se.

    16 - O cumprimento da pena de prisão por um período de tempo tão longo (14 anos e 4 meses de prisão) em nada irá abonar a favor da sua personalidade, apenas irá denegrir a sua imagem perante a sua família e em especial em relação à sua filha de 11 anos de idade.

    17 - Ora, face ao exposto, far-se-á Justiça não condenando a arguida a uma pena de prisão efectiva tão pesada e duradoira, reduzindo-lhe a mesma de forma a possibilitar-lhe a reabilitação face à sociedade e à sua família.

    Pelo exposto e pelo muito que V. Exas doutamente suprirão deve ser dado provimento e alterado o Douto Acórdão recorrido de molde a contemplar as Conclusões anteriores (Art° 40º C. Penal) alterada a medida da pena concretamente aplicada à arguida, ou seja, reduzindo a pena efectiva de prisão.

    Decidindo deste modo, V. Exas farão aquilo que é a razão de ser dos Tribunais JUSTiÇA.

    _ Respondeu a Exma Procuradora da República à motivação do recurso, concluindo: 1ª - Mostra-se adequada à conduta da arguida, a pena de 14 anos e 4 meses de prisão em que a mesma foi condenada, ponderando os factores de determinação da escolha e medida concreta da pena, plasmados nos arts. 40°, 70°, 71 ° e 78° do CP; 2a - Não foi violado qualquer preceito legal.

    Assim, negando provimento ao recurso e mantendo o douto acórdão recorrido, farão V. Exas. a habitual JUSTIÇA _ - Neste Supremo, o Dig.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer onde refere: “ 2 - Do mérito do recurso: 2.1 – Emitindo parecer, como nos cumpre, cabe dizer o seguinte: 2.1.1 – Questão prévia: âmbito do recurso: Antes de mais, e liminarmente, convirá evidenciar que, pese embora de uma forma que se nos afigura de todo inepta, não poderá deixar de concluir-se, apesar de tudo, que a pretensão da recorrente se não confina apenas à medida concreta da pena única fixada[1], visando antes o reexame, pelo menos, da pena parcelar pelo homicídio e, por via deste, então sim, também da pena única do concurso. As considerações levadas por exemplo às conclusões 9.ª e 13.ª só permitem, cremos, esta interpretação.

    Dito isto, e neste pressuposto, 2.1.2 – Da pena parcelar pelo crime de “profanação de cadáver” : Nada se nos oferece acrescentar aos fundamentos nesta parte aduzidos no aresto recorrido, que inteiramente secundamos, e isto tanto no que diz respeito à escolha da pena pelo sobredito crime – [prisão em detrimento da multa] –, quanto à determinação da sua medida concreta [1 ano de prisão].

    De resto, não vemos sequer que seja possível retirar da motivação da recorrente que, neste segmento, ela tenha visado, explícita ou implicitamente, o reexame desta pena.

    2.1.3 – Da pena parcelar pelo crime de “homicídio” e da pena única do concurso: No exercício de fundamentação da medida das penas parcelares anotou designadamente o aresto recorrido que, citamos, «[…]Quanto à determinação da medida concreta da pena, de acordo com o disposto no n.° 1 do 71° do Código Penal, far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, quer geral positiva ou de reintegração […].

    Com relevância quer para a culpa quer para a prevenção, surgem as circunstâncias enunciadas no n.° 2 do art. 71° do Código Penal que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo; as condições pessoais do agente e a sua situação económica e, a conduta anterior ao facto e a posterior a este.

    Aplicando as considerações anteriormente formuladas ao caso em apreço, considerando nomeadamente: - as elevadas necessidades de prevenção geral, sendo os crimes praticados pela arguida geradores de grande insegurança e alarme social e objecto de elevada reprovação social.

    - o grau de ilicitude dos factos praticados pela arguida que se considera muito elevado quanto ao crime de homicídio, dado o facto de o mesmo ter sido praticado na pessoa da sua filha recém-nascida, ser humano totalmente indefeso e totalmente de pendente da arguida para a proteger, tendo em conta o facto do parto ter ocorrido em casa, apenas com a arguida presente, revelando o modo de execução do crime uma energia criminosa intensa, não tendo em nenhum momento o instinto maternal prevalecido, sobrepondo-se a vontade de matar, a qual não sofreu qualquer abrandamento, não tendo a arguida em momento algum, não obstante os meios ao dispor providenciado por auxilio à sua filha, denotando desprezo pelo valor da vida humana e indiferença pelo sofrimento da vitima no período que antecedeu a morte.

    - o grau de ilicitude dos factos que se considera elevado no que respeita ao crime de profanação de cadáver, tendo em conta o modo de execução do crime, o período de tempo em que o cadáver da sua filha recém-nascida esteve escondido na arca congeladora, sendo a arguida indiferente ao facto de o mesmo poder ser descoberto por outro elemento do agregado familiar, nomeadamente pela sua filha de onze anos de idade, e ao choque que tal situação motivaria, tal como ocorreu no dia 05-09-2011, não existindo justificação para a motivação subjectiva subjacente a actuação da arguida, ao não pretender que lhe retirassem a filha, reveladora de uma personalidade onde o interesse...

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