Acórdão nº 201/09.6TBVRM-A.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução08 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 201/09.6TBVRM-A.G1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I ─ AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB e marido CC, DD e marido EE, FF, e HERANÇA JACENTE, aberta por óbito de GG, pedindo que, sendo a acção julgada provada e procedente, sejam os RR. condenados a reconhecerem a existência de um crédito de € 64.538,35 da A. sobre a herança e que seja esse crédito satisfeito pelos bens da própria herança, acrescidos dos respectivos juros, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou a Autora, para tanto e em síntese, que: Durante mais de 20 anos, cuidou e tratou de HH, a quem prestou os cuidados necessários de saúde, nomeadamente dando-lhe a medicação, arrumando-lhe a casa, lavando-lhe e passando a sua roupa e fazendo as compras necessárias para o seu sustento, bem como para a sua saúde (medicação), o que fez sem receber qualquer compensação; É que, afirmava então o HH que, ainda que não dispusesse de meios para pagar à autora os referidos cuidados, após a sua morte, os seus bens seriam para a autora; Sucede que, vindo o HH a falecer, e sem que a sua vontade tivesse ficado escrita, os RR. recusam-se agora a cumprir a vontade do HH, não estando dispostos a suportar o pagamento de tudo aquilo que despendeu ao cuidar do falecido HH; Pretende assim a Autora que os RR. sejam condenados a pagar-lhe o valor dos serviços prestados ao HH, o qual por referência ao salário mínimo nacional desde 1986, computa em € 64.538,35.

Citados, contestaram os RR, por excepção [Invocando alguns deles a respectiva ilegitimidade, e outros a prescrição] e impugnação, pugnando pela improcedência, in totum, da acção.

Os RR. deduziram, ainda, pedido reconvencional, pedindo a condenação da autora a restituir aos herdeiros do falecido HH o dinheiro da conta bancária titulada pelo HH e pela autora mas que era pertença exclusiva daquele, no valor de € 8.230,17.

Após a réplica, foi designado dia para uma audiência preliminar e foi proferido o despacho saneador [julgando-se o tribunal competente, as partes legitimas, e improcedente a excepção peremptória da prescrição invocada], tendo sido ainda fixada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória da causa.

Finalmente, iniciada a audiência final a 7/2/2014, e realizada a mesma com observância do formalismo legal, foram os autos conclusos para a elaboração da competente Sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor: “V – DECISÃO Por tudo o exposto, decide-se: – Julgar a acção improcedente e, em consequência, absolver os réus do pedido; – Julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a autora a restituir aos herdeiros do falecido HH a quantia de € 4.115,085 (quatro mil cento e quinze euros e oitenta e cinco cêntimos), correspondente a metade do valor que se encontrava depositado na conta bancária titulada por si e por HH e a cujo levantamento integral procedeu.

Custas da acção pela autora e da reconvenção pela autora e réus em partes iguais.

Registe e notifique.

“ Inconformada com tal decisão, dela recorreu a A, sem sucesso, já que a Relação não concedeu provimento ao respectivo recurso e, embora tendo alterado a matéria de facto, manteve e confirmou a sentença apelada.

Deste acórdão veio a A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.

A A. apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: I. O Acórdão da Relação de Guimarães ao alterar, como alterou, julgando parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto na Apelação, teria que, necessária e obrigatoriamente, fazer a subsunção ao Direito daquela nova factualidade por si adicionada à matéria de facto.

  1. E que não o fazendo, como não fez o Tribunal da Relação, determina desde logo a nulidade do acórdão, nos termos do disposto no artigo 615º, número 1, alínea d) aplicável ex vi pelo artigo 666º, ambos do Código de Processo Civil.

  2. Uma vez que o Tribunal de Primeira Instância fundamentou a sentença, com caracter determinante e essencial na falta daquela prova, pelo que apenas lateralmente se pronunciou sobre as hipotéticas questões de direito que se colocariam, caso tal matéria aí tivesse sido dado como provada.

  3. No caso vertente temos que, não havendo perfeita pronúncia das questões em apreciação por parte do Tribunal da Relação, a fundamentação de uma e outra instância é substancialmente diversa, em razão, sobretudo, da alteração e aditamento da matéria de facto dada como provada.

  4. Sendo certo que a factualidade aditada pela Relação impunha, como se pretende com a Revista, uma apreciação e enquadramento jurídico dessa mesma factualidade, algo que de forma alguma foi realizado no Acórdão.

  5. Sendo certo ainda que, não estão os tribunais vinculados à apreciação ou alegação de Direito promovida pelos sujeitos processuais; então, ocorrendo alteração da decisão quanto à matéria de facto dada como provada, não existindo qualquer alteração da causa de pedir, pode e deve o Tribunal aplicar aqueles factos ao Direito, ou seja, aos institutos jurídicos tipificados na lei, em cumprimento do artigo 5º do Código de Processo Civil.

  6. Não o fazendo incorre em omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, numero 1, alínea d) do Código de Processo Civil e viola o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

  7. E consequentemente, uma vez que a recusa em apreciar o enriquecimento sem causa é fundamento essencial do Acórdão da Relação mas já não da sentença de Primeira Instância, resulta que a fundamentação de uma e outra instância é essencialmente diferente, não se aplicando, como se referiu primeiramente, a regra do artigo 671º numero 3 do Código de Processo Civil.

  8. Foi pelo Tribunal da Relação alterada e aditada a decisão concernente à matéria de facto, tendo, a final, resultado provados os seguintes factos: 2.13 – A autora auxiliava o HH a tomar a medicação.

    2.14 – A autora auxiliava o HH em compras e na aquisição dos medicamentos.

    2.15 – O falecido HH dizia à autora, a vizinhos e familiares que, um dia, após a sua morte, os seus bens seriam para a autora.

  9. É entendimento da recorrente que a alteração da matéria de facto levada a cabo pela Relação obrigaria a um enquadramento jurídico e de Direito diverso do que foi realizado em qualquer uma das decisões judiciais até ao momento tomadas.

  10. E consequentemente o ponto "no ponto 2.15 – O falecido HH dizia à autora, a vizinhos e familiares que, um dia, após a sua morte, os seus bens seriam para a autora" ser subsumido e apreciado de acordo com o regime disposto no artigo 459º do Código Civil.

  11. Concluindo-se que através da conjugação do texto da lei, com o facto dado como provado apenas na Relação "O falecido HH dizia à autora, a vizinhos e familiares que, um dia, após a sua morte, os seus bens seriam para a autora", não se poderá deixar de verificar que os elementos daquele instituto jurídico se encontram, todos eles, presentes naquele ponto da matéria de facto dada como provada.

  12. No entendimento do Professor Antunes Varela “O traço essencial da promessa ao público, como declaração unilateral, está menos na sua irrevogabilidade do que no facto de a constituição da obrigação prescindir da aceitação do credor – nascendo directamente da declaração do promitente e não do facto ou situação a que a prestação prometida se refere. (...).

  13. Terminando categoricamente: "E no caso da promessa pública é líquido, em face dos elementos facultados pela lei, que a obrigação nasce no momento do anúncio...

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