Acórdão nº 2695/06.2TBVLG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Setembro de 2015
Magistrado Responsável | LOPES DO REGO |
Data da Resolução | 10 de Setembro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e mulher, BB, intentaram acção de petição de herança, na forma ordinária, contra CC e marido, DD, alegando, em resumo, que: - em 27.10.2005 faleceu EE, no estado de solteira, maior e sem ascendentes sobrevivos e descendentes; instituiu seu herdeiro testamentário quem há mais de um ano, em relação à data da sua morte, estivesse a cuidar dela, regular e reiteradamente; e não havendo ninguém nessas condições então a deixa testamentária ficaria cometida à Obra do Padre Américo, a qual já repudiou a herança, pelo que não se verificando a primeira condição, porquanto a falecida nunca esteve ao cuidado reiterado dos RR e tendo aquela instituição renunciado à herança, então é seu herdeiro legítimo o A e demais herdeiros legais.
Concluem pedindo:
-
Seja o autor reconhecido como herdeiro legítimo da falecida EE, melhor identificada na p.i.
-
A declaração da falecida ter adquirido há mais de 20 anos o direito de propriedade sobre o imóvel melhor identificado na p.i, sendo tal bem pertença da herança, até por usucapião; c) E os RR declarados terceiros em relação à herança em apreço devendo, em consequência ser condenados a restituir à massa hereditária tal bem imóvel, bem como todo o seu recheio e demais bens móveis pertença da herança de que hajam tomado posse indevidamente.
Os RR. contestaram, excepcionando a ilegitimidade do autor e impugnando a matéria alegada, deduzindo ainda pedido reconvencional do seguinte teor: a) que a R mulher seja reconhecida e declarada como única e universal herdeira da falecida EE, por ter sido ela quem, conforme disposição testamentária, cuidou da falecida durante mais de um ano contado anteriormente à sua morte; b) E os AA condenados a isso ver declarado e reconhecido.
Para o efeito, alegaram que a R mulher, durante mais de 10 anos e até à morte, foi quem cuidou da sua falecida tia e a levou aos médicos e hospitais e quem lhe comprava os medicamentos e velava pela sua administração, pagando-lhe as despesas da água, luz, contribuição autárquica, mandando fazer limpeza à casa da de cujus; administrava o dinheiro da reforma desta e era com a mesma titular de uma conta bancária, dando ordem para que a R pudesse movimentar tais contas do banco FF. A de cujus frequentava a casa da R e fazia aí as refeições sempre que fosse necessário e passou alguns Natais e Ano Novo com a R e família. Desde Julho de 2004, a saúde da de cujus veio a piorar devido a diabetes e problemas oftalmológicos (cataratas) - e desde essa data que a R cuidava com mais afinco e regularidade da de cujus, acompanhando-a nas duas operações a que foi sujeita a falecida; desde Agosto de 2004 a falecida entregou à R mulher a chave da sua casa para que pudesse entrar sempre que necessário, pelo que passava duas vezes ao dia pela casa de sua tia ou pedia a amigos que o fizessem. Perante o agravamento do estado de saúde da de cujus, a R colocou-a num lar, onde pudesse estar em condições de segurança e, além da assistência moral e física, ainda a ajudou monetariamente, pagando a jóia do lar e, após falecimento, as quantias que a segurança social não suportou, pagando mensalmente a quantia de € 171,69; foi ainda a R quem pagou o funeral e tratou da campa da falecida.
Os AA replicaram, respondendo à excepção da ilegitimidade do autor como herdeiro e impugnando a matéria da reconvenção.
Finda a audiência, foi proferida sentença em que se decidiu: A - julgar a acção improcedente por não provada e em consequência absolvendo os RR do pedido.
B - julgar a reconvenção procedente por provada e, em consequência reconhecer e declarar a R mulher como única e universal herdeira da falecida EE e, sendo os AA condenados a isso reconhecer.
-
Inconformados, apelaram os autores, impugnando, desde logo, a decisão proferida acerca da matéria de facto. A Relação julgou parcialmente procedente tal impugnação, o que conduziu à estabilização do seguinte quadro factual: 1 - No dia 27 de Outubro de 2005, faleceu EE no estado civil de solteira, maior, na Rua …, Ermesinde, Valongo, sem ascendentes sobrevivas e sem deixar descendentes.
2 - A falecida dispôs da totalidade dos seus bens para depois da morte o que fez através de testamento.
3 - Da cópia certificada do supra referido testamento de fls. 8 a 10 e da certidão do mesmo de fls. 62 a 64 consta que por EE foi dito que faz o seu testamento pela forma seguinte: "Institui sua única e universal herdeira a pessoa que há mais de um ano esteja a cuidar dela testadora e à data da sua morte. Caso não haja ninguém nessas condições, institui sua única e universal herdeira a Obra do Padre Américo, conhecida por Casa do Gaiato".
4 - Entre os bens da herança deixada por aquela ora de cujus encontra-se uma casa de habitação com 2 pavimentos, tendo 2 divisões no 1.° e quatro no segundo, sita na Rua …, freguesia de Ermesinde, concelho de Valongo, com área coberta de 70 m2 e quintal com 100 m2 inscrita na matriz sob o art. … e descrita no Registo Predial sob o nº ….
5 - No dia 4 de Maio de 2006, a Obra do Padre Américo repudiou formalmente a herança que, a título subsidiário, a EE lhe deferira.
6 - Os RR têm consigo a chave do imóvel, pelo menos, desde Agosto de 2004.
7 - Não permitindo, após a morte da dita EE, o acesso dos AA ao referido imóvel.
8 - A de cujus sofreu uma intervenção cirúrgica aos olhos em 30/07/2004 e outra em 6/04/2005, e a R acompanhou-a nas consultas e nos tratamentos pós operatórios e acompanhava-a às consultas dos hospitais e serviços de saúde.
9 - Desde Agosto de 2004 a R. passava pela casa da de cujus.
10 - Não provado 11 - A R. colocou a de cujus no Lar GG em Rio Tinto e mais tarde no Lar HH no Porto.
12 - A R. visitava-a.
13 - Comprava toda a medicação necessária para a de cujus e entregava no Lar e comprava as fraldas necessárias e alguns mimos para levar à de cujus".
14 - A R. tratava dos assuntos da de cujus junto dos hospitais, centros de saúde, polícia e junto dos Lares.
15 - Foi a R. quem mandou fazer o funeral da de cujus e mandou colocar o tampo na sepultura da de cujus'.
16 - A falecida EE padecia de diabetes e tinha cataratas.
17 - Pelo menos nos últimos anos de vida, necessitou continuadamente de cuidados médicos e assistência de terceira pessoa.
18 - R. mulher incluiu a falecida EE no seu seguro de saúde da Cruz Vermelha.
19 - Pelo menos desde Agosto de 2004,enquanto a falecida esteve na sua habitação.
20 - E administrava o dinheiro da reforma da falecida.
21 - Era a R. quem cuidava do pagamento de despesas da falecida como seja pelo menos da luz.
22 - A R. fazia ou mandava fazer a limpeza da casa da falecida sempre que julgava necessário.
23 - Não provado 24 - A falecida passou alguns Natais e Ano Novo com a R. e família.
25 - Era a R. mulher quem tratava de todos os assuntos da falecida junto da Segurança Social.
26 - Não provado 27 - Os factos supra descritos em 11 ficaram a dever-se ao estado de saúde da falecida.
As instâncias consignaram ainda os seguintes pontos da matéria de facto como Não Provados: 1 - A partir da data da morte da referida EE, os RR. passaram a usar o imóvel supra identificado e os bens móveis nele existentes, como bem entendem, e em seu proveito exclusivo.
2 - A R. pagou a Jóia de inscrição no Lar "GG" no valor de 1.250,00 e a quantia de 1.002,24 € quando deixou o Lar.
3 - No Lar "HH" a R. pagava todos os meses cerca de 171,69 €.
4 - A falecida não pagava as despesas correntes da sua casa de habitação como água e luz., tendo algumas vezes cortes de energia eléctrica e água, o mesmo acontecendo com a contribuição autárquica da casa de habitação.
5 - Que a R cuidava do pagamento de despesas da falecida pelo menos há cerca de 5 anos em relação da morte da referida EE.
-
Passando de seguida a apreciar o mérito do recurso, considerou o acórdão recorrido: Analisada a matéria de facto temos de concluir pela procedência da acção e improcedência da reconvenção. A esta solução também chegaríamos mesmo sem a alteração realizada.
Estamos de facto no âmbito de uma acção de petição de herança, tal como decidiu a sentença recorrida, nos termos da qual pretendem as partes que seja judicialmente reconhecido a qualidade sucessória seja da parte do autor (na acção por si intentada) como herdeiro legitimo da sua irmã EE...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO