Acórdão nº 8/15.1ZRCTB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução30 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O cidadão AA, maior, natural de ..., de nacionalidade ..., titular do Passaporte ... emitido em ..., válido até ... e NIF ..., arguido no processo de detenção de cidadão estrangeiro em situação ilegal n.º 8/15.1ZRCTB, a correr termos na Comarca de Castelo Branco - Covilhã - Instância Local - Secção Criminal - J1) detido no Centro de Acolhimento Temporário do Porto, representado pela sua Advogada, veio requerer lhe seja concedida a providência de “HABEAS CORPUS” prevista no artigo 222.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa, nos termos e com os fundamentos seguintes: 1. O arguido encontra-se preso no Centro de Instalação temporária no Porto, desde o passado dia 03 de Setembro.

2. A sua prisão deriva do facto de ter permanência irregular em território nacional.

3. Na verdade, naquele dia o arguido encontrava-se no seu local trabalho e a exercer a atividade para a qual foi contratado quando foi detido na sequência de uma ação de fiscalização – certeira - no interior da loja em que trabalha, na rua ....

1. A aludida detenção deu-se com fundamento na sua permanência ilegal, pelos factos que melhor se encontram discriminados no auto de notícia (fls.3 dos autos) que teria por finalidade legitimar a sua detenção e que foi acompanhado dos seus elementos de identificação.

2. Posteriormente essa detenção foi validada pelo juiz competente, que mandou prender o arguido e instaurou contra o mesmo o procedimento de expulsão.

3. Com a presente providência excecional e de procedimento célere, perfila-se pôr em crise a decisão, perseguindo-se o arquivamento ou suspensão do processo de expulsão, e em consequência dar resposta à privação abusiva da liberdade, e assim fazer cessar a patente ofensa do direito à liberdade.

4. Enquanto vigorarem normas que prevejam a possibilidade de regularização da permanência, e mantiver o requerente processo tendente à regularização que ainda não tenha sido objeto de decisão.

5. Com a decisão tomada em 09/09/2015, assistimos a um erro grosseiro na aplicação do direito.

6. Deste modo, a decisão tomada configura uma situação de abuso de poder por parte do Exmo. Magistrado do tribunal a quo, que a proferiu, contrariando, assim, o estipulado no artigo 15º e 33.º da Constituição da República Portuguesa, que expressamente estabelece que, os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.

7. E por seu turno, o artº 13º, do Código de Procedimento Administrativo determina que, Os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público”.

8. Pois, o artigo 146º da Lei 23/2007 de 4 de Julho dispõe que o estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente em território nacional é detido, entregue ao SEF acompanhado de referido auto e deve ser presente ao juiz para a sua detenção ser validada e para uma eventual aplicação de medida de coação.

9. É verdade que à data da sua detenção não tinha em sua posse qualquer visto ou autorização que legitimasse a sua permanência em território português.

10. Contudo, estava o arguido no exercício legal das suas funções, em horários de trabalho e a exercer uma atividade remunerada, como qualquer cidadão comum.

11. O arguido já tinha assinado toda a documentação que aqui anexa, conforme comprovam a Inscrição de Enquadramento de Trabalhador por Conta de Outrém (Modelo RV 1009/2015 DGSS – doc.1), a Identificação Complementar de Cidadãos Estrangeiros (Modelo RV 1006/2012 DGSS – doc.2); contrato de trabalho celebrado com AA desde o dia 20 de Agosto de 2015 (doc.3) e que foram devidamente remetidas à Segurança Social por correio àquela data pelo contabilista da entidade patronal, Sr. Dr. ....

12. O que se confirma aqui através da declaração passada pelo seu patrão (doc.4).

13. Ou seja, já estava inserido no Mercado de Trabalho Português, aguardando tão-somente a validação da sua inscrição na Segurança Social para avançar com a Manifestação de Interesse.

14. O Referido Formulário de Manifestação de Interesse ao abrigo do Artigo 88, 2º da Lei 23/2007, (doc.5) também estava preenchido, à espera do NISS para que a instrução do Processo se procedesse de forma completa, correta e eficaz e também remetido ao SEF de Castelo Branco (doc.6).

15. Entretanto, no decorrer entre a contratação do arguido, idas e vindas às entidades pública, o arguido foi surpreendido com a ação de fiscalização e detido na Covilhã enquanto exercia a sua profissão de Caixeiro.

16. O Arguido não fala, não escreve e não entende a língua portuguesa, apenas se expressando em seu idioma originário e em inglês, motivo pelo qual não percebeu porque estava ser detido.

17. Isto demonstra que a decisão de validação da detenção, salvo melhor opinião, não poderia ter sido tomada com base nas informações constantes de um auto que não foram acompanhadas por um único documento comprovativo, para se poder aferir a sua veracidade.

18. Decerto que o arguido, se a língua pátria falasse poderia ter explicado à inspetora de forma elucidativa que tinha um contrato de trabalho válido, alojamento, condições de subsistência e o ânimo de permanecer de forma legal em Portugal.

19. O Auto de notícia (fls.2 dos autos) que originou a detenção em causa contém informações distorcidas e incompletas, não podendo sequer ser apreciado como fundamento da detenção.

20. É um verdadeiro contra senso e retrocesso, que o Regime excecional - criado exatamente para quem se encontra precisamente nessa situação (permanência ilegal em território português) - não seja aqui considerado e permaneça o réu detido.

21. A detenção da forma que ocorreu viola claramente a garantia constitucional de presunção de inocência, uma vez que a decisão foi motivada por auto que não continham todas as informações necessárias e absolutas para a fundamentação da decisão tomada pelo Juiz da Covilhã.

22. Estamos certos que atento o exposto não deixará V. Exa. de fazer inteira e merecida JUSTIÇA Tão pouco seria a detenção neste caso, necessária, havendo outras medidas mais brandas a serem aplicadas enquanto aguarda a decisão do processo administrativo.

23. A detenção tem o objetivo de evitar que o arguido cometa novos crimes ou ainda que em liberdade prejudique a colheita de provas ou fuja.

24. Não há nenhuma forma de o arguido em liberdade prejudicar a colheita de provas ou perturbar a ordem pública.

25. Mais ainda. Não há de forma nenhuma o perigo de fuga. O réu quer ficar aqui! O réu estava a trabalhar…. A trabalhar! 26. O arguido anteriormente à sua detenção tinha preenchido toda a documentação de manifestação de interesse e já tinha um contrato de trabalho em vigor.

27. Mais cumpre esclarecer que não é nem nunca foi apanágio do arguido estar de forma ilegítima em território português.

28. Muito pelo contrário, a predita ação de fiscalização, dentro do estabelecimento no qual trabalha só se verificou após arguido iniciar o processo de legalização ao abrigo da excecionalidade do Artigo 88, 2º da Lei 23/2007.

29. O arguido quer aqui se estabelecer, fixar residência e exercer todos os seus direitos e deveres como cidadão que é.

30. Por fim, o primeiro interrogatório judicial de Arguido detido (artigo 141.º do Código de Processo Penal) destinou-se, fundamentalmente, a verificar se existem os requisitos legais justificativos da detenção, da prisão preventiva ou da substituição desta por outra medida; e ainda a informar o Arguido dos direitos que lhe assistem e dos factos imputados.

31. Com efeito. O arguido detém contra si a indicação nº ..., emitido pela Noruega, impedindo o mesmo de entrar ou permanecer no espaço Schengen até o dia 14 de Novembro de 2015.

32. Com o intuito de se legalizar, de estar de forma digna e legítima em território nacional, o arguido inocentemente foi detido.

33. O arguido vive há mais de dez anos na Europa, não tendo mais nenhuma ligação ou parentes no Paquistão.

34. O arguido vem perambulando, exercendo várias funções sem um emprego formal, sem condições de habitação e de trabalho.

35. Encontrou em Portugal a oportunidade de uma vida digna, com trabalho certo, local para residir e enfim, poder fixar-se.

36. Nos termos do Artigo 24º nº 2 do SIS II, deve ser introduzida uma indicação quando a decisão a que se refere o nº1 se fundar no facto de a presença de um nacional de um país terceiro no território de um Estado-Membro constituir ameaça para a ordem pública ou para a segurança nacional.

37. Não parece que seja o caso do arguido.

38. Em...

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