Acórdão nº 861/13.3PFCSC.L1. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução30 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo supra referenciado da Comarca de Lisboa - Instância Central – 2ª Secção Criminal, após contraditório, o arguido AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal na pena de 17 anos de prisão.

Na sequência de recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa foi aquela decisão confirmada, com excepção de um circunscrito segmento da matéria de facto.

O arguido interpôs agora recurso para este Supremo Tribunal sendo do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação[1]: A.

O Venerando Tribunal a quo reconhece que o arguido confessou a factualidade constante dos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 15º, 16º, 17º e 18º dos factos provados – factualidade esta que, em conjunto com o relatório de autópsia, seria suficiente para a condenação do arguido pela prática do crime por que viria a ser condenado – mas não considerou aquela confissão no douto acórdão sub judice – impedindo, deste modo, que o arguido beneficiasse de tal conduta processual; B.

Sem a confissão dos factos por parte do recorrente teria sido absolutamente impossível, ao Tribunal a quo, considerar como provada a factualidade constante dos pontos 10. a 14. dos Factos Provados, já que ninguém a presenciou, tendo aquele admitido a sua autoria; C.

O facto, reconhecido no douto acórdão recorrido, de que “nas declarações prestadas na audiência de julgamento, o arguido AA em momento algum refutou a prática dos factos que lhe vinha imputados na acusação do Ministério Público, designadamente daqueles que o tribunal considerou como demonstrados, a que é feita referência nos pontos 10. a 15. da Matéria de Facto.”, é manifestamente contraditório com a conclusão, tirada na mesma douta decisão, de que o arguido não confessou os factos pelos quais vinha acusado; D.

Não se poderá aceitar que se conclua que o arguido não confessou, por não se recordar, já que, como o Venerando Tribunal a quo bem refere no Douto Acórdão recorrido (página 46), “não se pode confessar o que não se recorda”; E.

A postura de colaboração com o Douto Tribunal e com a Justiça, conforme devidamente expresso na Fundamentação da douta decisão da 1ª Instância, confirmada pelo Venerando Tribunal a quo – está em patente contradição com a conclusão de que o mesmo não confessou, nem manifestou arrependimento, contradição essa que integra o vício previsto na alínea b) do nº 2 artº 410º do CPP; F.

A douta decisão sub judice padece, igualmente, de vício de contradição insanável entre os factos provados e entre a fundamentação e a decisão, porquanto na fundamentação da decisão de não aplicação, ao recorrente, do regime penal para jovens, refere-se que “(o arguido) não consegue ter uma perspectiva crítica e auto-crítica sobre o seu comportamento”, quando no Facto Provado nº 36. é considerado assente que “(…) O arguido tem noção da gravidade dos factos pelos quais está acusado e espera vir a cumprir uma pena efectiva de prisão (…)” e no Facto Provado nº 37. é dado como assente que “Perante as circunstâncias constantes no processo, o arguido apresenta capacidade de autocrítica (…)”; G.

A contradição entre a decisão e a fundamentação é manifestamente patente e deverá considerar-se insanável, nos termos do disposto no artº 410º, nº 2, alínea c) do CPP; H.

Resulta do próprio texto da douta decisão recorrida a contradição, insanável, entre o que consta da factualidade provada (nomeadamente que o arguido tem capacidade de autocrítica e que tem noção da gravidade dos factos pelos quais está acusado e espera vir a cumprir uma pena efectiva de prisão) e o que é referido na parte decisória referente à aplicação do regime penal para jovens (que o arguido não “consegue ter uma perspectiva crítica e auto-crítica sobre o seu comportamento.”); I.

As apontadas contradições existentes, entre a fundamentação e a decisão, tendo em conta a respectiva importância para a questão referente à aplicação do regime penal para jovens, configuram o vício daquela alínea b) do nº 2 do artº 410º do CPP, pelo que deverá ser determinado o reenvio destas questões para novo julgamento, nos termos do artº 426º, nºs 1 e 2 do CPP; J.

O Venerando Tribunal a quodeveria ter feito uso da “presunção natural” para apurar o estado de espírito do arguido, e, consequentemente, ter considerado que o arguido estava, à data dos factos, em estado de desespero, porquanto, os factos objectivos provados, de acordo com as regras da experiência comum, permitem, aliás com meridiana facilidade, inferir aquele facto subjectivo; K.

No que se refere ao regime penal especial para jovens com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos (Decreto-Lei nº 401/82 de 23 de Setembro), por força do seu artº 1º, nºs 1 e 2, o arguido é, pela sua idade, abrangido pelo respectivo âmbito de aplicação (aliás, tendo o arguido 16 anos à data da prática dos factos, está no limite “de entrada” da norma, o que – ao invés do que ocorreu com a douta decisão sub judice – deveria fazer com que merecesse maior atenção e acuidade do Venerando Tribunal a quo na aplicação deste regime); L.

Como bem se refere no douto acórdão recorrido, para a aplicação deste normativo, não bastará que se verifique o pressuposto formal referente à idade, “mas pelo contrário exige-se ainda um conjunto de elementos objectivos que criem no julgador a convicção de que da sua aplicação resultarão vantagens para a reinserção do jovem.”; M.

Ao invés do doutamente decidido pelo Venerando Tribunal a quo, os elementos capazes de fundamentar no espírito do julgador aquela “convicção”, terão de ser elementos objectivos, por forma a que os arguidos não fiquem entregues, exclusivamente, ao critério subjectivo deste ou daquele Tribunal; N.

O Venerando Tribunal a quo acabaria – salvo o devido respeito, erradamente – por decidir não aplicar ao recorrente (com 16 anos de idade à data da prática dos factos) a atenuação especial prevista no artº 4º deste regime penal especial para jovens, por considerar, desde logo que “para o juízo sobre a situação concorre o próprio facto criminoso, na medida em que é a revelação do maior ou menor desajustamento do jovem ao acatamento dos valores jurídicos (…)”; O.

Esta ideia preconizada pelo Tribunal de 1ª Instância e repetida ipsis verbis pelo Venerando Tribunal a quo – aliás sem qualquer assento na Doutrina ou na Jurisprudência – consubstancia a total (e ilegítima) subversão do sistema penal para jovens, e configura a imposição de novas condições de aplicação daquele regime não constantes da letra, nem do espírito, da Lei; P.

Caso o legislador tivesse pretendido limitar a aplicação da norma do artº 4º do regime penal especial para jovens (entre 16 e 21 anos), afastando a respectiva aplicabilidade dos crimes mais graves, ou relativamente a determinados tipos de crime (contra a vida e/ou contra a integridade física, por exemplo), tê-lo-ia feito; Q.

Não tendo o legislador imposto tal limitação, não cabe – não pode caber – ao Tribunal através da interpretação normativa, “inventar” semelhante limitação, desde logo porque tal interpretação da norma é frontalmente contra o respectivo teor literal, constitui interpretação contra os arguidos e, consequentemente, é materialmente inconstitucional, nomeadamente por violação do princípio da legalidade; R.

Não tem, pois, qualquer sentido – salvo o devido respeito – a referência efectuada “à desvantagem para a defesa do ordenamento jurídico” como critério de aplicação do regime penal para jovens e correspondente atenuação especial da pena; S.

Essa “desvantagem” – que não se vislumbra, in casu, qual seja – terá de ser avaliada em termos de fixação da medida concreta da pena, e não em sede de verificação da moldura abstracta da mesma; T.

No seu desidério – com fundamento que se desconhece –, de afastar a aplicação da atenuação especial da pena de prisão, constante daquele regime penal especial para jovens, o Venerando Tribunal a quo lança mão de circunstância não constante no elenco da factualidade provada, ao referir que “em audiência de julgamento o mesmo não confessou a sua conduta criminógena”; U.

Não pode o Venerando Tribunal a quo produzir semelhante afirmação, quando no mesmo acórdão é reconhecido que a matéria de facto constante dos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 15º, 16º, 17º e 18º dos factos provados, teve por fundamento as declarações do arguido, quando no mesmo acórdão se refere que “nas declarações prestadas na audiência de julgamento, o arguido AA em momento algum refutou a prática dos factos que lhe vinha imputados na acusação do Ministério Público, designadamente daqueles que o tribunal considerou como demonstrados, a que é feita referência nos pontos 10. a 15. da Matéria de Facto.”, quando na audiência de julgamento o arguido afirmou que “Quero confessar que visto que não pode ter sido mais ninguém… não estava lá mais ninguém na altura… só posso ter sido eu a …” e que quando instado sobre quem teria praticado os factos o mesmo afirmou “fui eu”!; V.

É absolutamente inadmissível – perdoe-se-nos a crueza da afirmação – que para efeitos de afastamento da aplicação da atenuação especial prevista no artº 4º do regime penal especial para jovens, o Venerando Tribunal a quo ratifique (já que reproduziu e subscreveu toda a decisão da 1ª Instância sobre esta questão) a utilização de factualidade não só não provada, como diferente e desconforme com a constante dos “Factos Provados”; W.

Para efeitos de afastar (aliás, erradamente) a aplicação ao arguido, do regime penal para jovens, o Tribunal a quo refere que o arguido “não consegue ter uma perspectiva crítica e auto-crítica sobre o seu comportamento”, quando no Facto Provado nº 36. é considerado assente que “(…) O arguido tem noção da gravidade dos factos pelos quais está acusado e espera vir a cumprir uma pena efectiva de prisão (…)” e no Facto Provado nº...

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