Acórdão nº 180/10.7TTVRL.P.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução09 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 12 de abril de 2010, no Tribunal do Trabalho de Vila Real, Secção Única, entretanto, extinto, AA instaurou ação declarativa, com processo comum, contra a BB, LDA., pedindo: 1.º) que a ré fosse condenada a reconhecer que contratou o autor como trabalhador subordinado e, portanto, que tinham celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado; 2.º) que se declarasse ilícito o despedimento efetuado pela ré, sendo esta condenada (a) a reintegrá-lo no posto de trabalho, sem prejuízo da categoria e antiguidade, com todos os direitos e regalias que adviriam caso se tivesse mantido ao serviço desde 12 de fevereiro de 2010, (b) a pagar-lhe uma sanção pecuniária compulsória de € 50, por cada dia de atraso na reintegração, (c) a pagar-lhe € 1.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, (d) a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, com juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, que foi admitido ao serviço da ré, em 28 de setembro de 2009, por contrato verbal e, em 19 de outubro de 2009, mediante contrato escrito, denominado «contrato de avença», e que, no âmbito deste contrato, desempenhou as funções de professor de educação física, competindo-lhe lecionar as aulas de acordo com o programa que tinha sido previamente estabelecido, trabalho supervisionado e controlado pelo coordenador CC, que lhe dava as instruções sobre a forma como e onde devia trabalhar, sendo que cumpria um horário fixo, era sujeito a controlo de assiduidade, possuía uma caderneta individual relativa a cada aluno, onde anotava as respetivas faltas e avaliações, acrescentando que o local de trabalho era indicado pela ré, os instrumentos de trabalho pertenciam à ré e a retribuição auferida, no montante de € 1.090,59, constituía a sua única fonte de rendimento.

Mais invocou que, por carta de 12 de janeiro de 2010, a ré comunicou-lhe a denúncia do contrato com efeitos a 12 de fevereiro seguinte; porém, o contrato que vigorava entre as partes deve ser qualificado como de trabalho, pelo que a cessação desse contrato configura um despedimento ilícito, sem justa causa e sem precedência de procedimento disciplinar, que gera as consequências previstas no artigo 389.º do Código do Trabalho, incluindo a indemnização dos danos não patrimoniais sofridos, já que se sentiu triste, desconsiderado e desrespeitado com o despedimento.

Frustrada a conciliação, a ré veio contestar a ação, aduzindo, em síntese, que as partes celebraram, em 19 de outubro de 2009, um «contrato de avença», em que o autor se obrigou a exercer as funções de professor de educação física, sem qualquer subordinação hierárquica, e que, em 30 de setembro de 2010, o autor celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, que cessou em 31 de agosto de 2011, tendo recebido todos os créditos a que tinha direito do referido contrato, por isso, configura abuso do direito vir agora invocar direitos respeitantes ao primeiro contrato de trabalho firmado, visto que, ao celebrar o segundo contrato de trabalho com a ré (contrato de trabalho a termo), criou nesta a convicção de que não invocaria quaisquer direitos atinentes àquele primeiro contrato de trabalho.

O autor respondeu, reiterando o alegado na petição inicial e pedindo que a ré fosse condenada como litigante de má-fé.

Após o julgamento, proferiu-se sentença, que julgou a ação improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos deduzidos pelo autor.

  1. Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que revogou a sentença do tribunal de 1.ª instância, alterando a decisão sobre a matéria de facto, declarando que as partes firmaram, entre si, um contrato de trabalho, a que a ré pôs termo, de forma ilícita, em 12 de fevereiro de 2010, e condenando a ré a pagar ao autor, a título de retribuições vencidas desde 13 de março de 2010 a 31 de agosto de 2010, a quantia de € 7.663,76, «a que deve ser deduzido o subsídio de desemprego de que, porventura, o autor haja beneficiado durante aquele período e que a ré deve entregar à Segurança Social, sendo aquela quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento», tendo julgado, quanto ao mais, a ação improcedente e absolvido a ré dos restantes pedidos deduzidos.

    É contra esta deliberação que o autor, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formulou as conclusões seguintes, na sequência do convite que lhe foi dirigido para proceder à indicação das normas jurídicas que considerava violadas e sintetizar as conclusões da primitiva alegação de recurso: «A) As normas jurídicas violadas pelo Tribunal recorrido são as normas dos artigos 217.º, 483.º e 496.º do C. Civil, 53.º e 58.º da CRP, 129.º, al.

    j), 140.º, n.

    os 1 e 2, 141.º, n.º 1, al.

    e), 147.º, n.º 1, al.

    c), 143.º e 436.º [sic], n.º 1, al.

    c), do C. Trabalho e artigo 1.º, n.º 1, da Carta Social Europeia aprovada pela Resolução da AR n.º 21/91.

    B) Se o A. celebrou o contrato em causa nestes autos em 19-10-2009 e se foi despedido em 12-02-2010, não se pode dizer, de modo algum, que esse contrato estava em vigor quando, em 30-09-2010, o A. celebra o contrato a termo, porquanto: nem o A. prestava qualquer trabalho à R., nem recebia qualquer salário.

    C) Sendo decretada a nulidade do despedimento, o que existe e que é posto em vigor é uma ficção do contrato com os direitos do trabalhador reconhecidos, mas apenas estes. O passado não pode ser posto em vigor. O que é posto em vigor não é o contrato mas os direitos do trabalhador decorrentes do contrato que são reconhecidos, mas para o futuro posterior à sentença, desde a data em que foi praticado o ato de despedimento ilícito, nomeadamente o direito ao salário e à antiguidade.

    D) Para haver a revogação do contrato anterior teria de haver uma declaração expressa, mas esta não existiu, nem a R. nem o tribunal recorrido defendem que existiu. Restaria, assim, a declaração negocial tácita que aqui também não se verifica.

    E) A celebração do contrato de trabalho a termo certo foi apenas um modo do A. obter trabalho enquanto durava o presente litígio, para que pudesse sobreviver. Deste modo, não se pode concluir que ao celebrar o contrato a termo certo, o A. tinha a intenção e/ou declarou revogar o contrato designado de avença, mas que era sim um contrato de trabalho, e a R. estava convicta dessa intenção e dessa declaração tácita. O A. continuou a pretender que a presente ação prosseguisse em tribunal e a própria R. nunca veio a juízo declarar que o contrato de “avença” tinha sido revogado pelo contrato de trabalho a termo certo e, por consequência, pedir a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

    F) O facto de o atual Código de Trabalho não dispor de norma semelhante ao artigo 41.º-A introduzido pela Lei 18/2001, de 03/07, não significa que seja admissível a celebração sucessiva e simultânea de contratos de trabalho, desde logo porque tal possibilidade além de violar as normas laborais, viola disposições constitucionais, sendo certo, ainda, que não é esse o sentido e o objetivo da lei laboral, que protege, prima facie, o trabalhador. Trata-se apenas e tão-só de uma lacuna da lei que deve ser preenchida recorrendo aos princípios basilares do direito laboral, no que respeita, sobretudo, à contratação e à cessação dos contratos.

    G) Tanto mais que, diga-se, in casu, a contratação do trabalhador, aqui A., ao abrigo do segundo contrato (a termo) visou a satisfação das mesmas necessidades já asseguradas pela anterior contratação.

    H) Não existe uma única vantagem contratual em passar-se de contratado por tempo indeterminado a contratado a termo e, por outro lado, não faz qualquer sentido que, insistindo a lei em criar mecanismos para evitar a contratação a termo sucessiva e ilimitada consinta numa interpretação da cessação do contrato que alcança de imediato e na pendência do mesmo contrato, o contrário do legalmente estabelecido.

    I) Uma interpretação contrária, mormente a interpretação segundo a qual a celebração do segundo contrato em plena vigência do primeiro, tem a virtualidade de o fazer cessar, desde logo por ser incompatível a subsistência simultânea de dois contratos, viola, além dos princípios do direito laboral, o direito à segurança no emprego, previsto no artigo 53.º da CRP.

    J) Este princípio abrange não apenas o direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, mas também todas as situações que se traduzam em precariedade da relação de trabalho. O empregador não poderá limitar-se a constituir relações de trabalho com prazos curtos, por forma a efetuar livremente despedimentos por via da não renovação dos contratos. Por isso o trabalho a termo, sendo por natureza precário, só é admissível quando ocorram razões que o justifiquem. Por identidade de razão, pode entender-se que o direito à segurança no emprego obsta a que a entidade patronal possa manter indefinidamente o trabalhador numa situação de precariedade, mediante o recurso sucessivo a contratos a termo para o exercício das mesmas funções ou para a satisfação das mesmas necessidades de serviço.

    K) A possibilidade de usarmos a liberdade contratual como critério determinante da solução proposta (extinção do vínculo anterior) conduz, por um lado, à aceitação de um negócio simulatório (de facto, mesmo em abstrato, não se vê uma única vantagem contratual, sequer a da desvinculação, em passar-se de contratado por tempo indeterminado a contratado a termo) e, por outro lado, não faz qualquer sentido que, insistindo a lei em criar mecanismos (formais e sancionatórios) para evitar a contratação a termo sucessiva ou ilimitada consinta uma interpretação da cessação do contrato que alcança de imediato, e na pendência do mesmo contrato, o contrário do legalmente pretendido.

    L) Acresce que, sempre se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT