Acórdão nº 499/12.2TTVCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução09 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1 - AA e BB intentaram a presente ação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra CC, SA, DD e EE– ... (Sgps), SA, formulando os seguintes pedidos: O AA: - a reintegrá-lo, ou a pagar a indemnização no valor de € 2.936,12; - a pagar-lhe a quantia de € 2.876,20 de proporcionais de férias e subsídio de férias; - a pagar-lhe a quantia de € 1.438,10 de proporcionais do subsídio de Natal; - a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença; - a pagar-lhe a quantia de € 281.867,46, a título de retribuições que deixou de auferir nos três anos de duração do contrato; - a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 de indemnização por danos de natureza não patrimonial; - a pagar-lhe a quantia de € 36.759,00, a título de lucros cessantes.

O BB: - a reintegrá-lo, ou a pagar a indemnização no valor de € 2.936,12; - a pagar-lhe a quantia de € 2.876,20 de proporcionais de férias e subsídio de férias; - a pagar-lhe a quantia de € 1.438,10 de proporcionais do subsídio de Natal; - a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença; - a pagar-lhe a quantia de € 281.867,46, a título de retribuições que deixou de auferir nos três anos de duração do contrato; - a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 de indemnização por danos de natureza não patrimonial; - a pagar-lhe a quantia de € 34.039,35, a título de lucros cessantes.

Ambos os AA. pediram ainda a condenação dos RR. no pagamento de juros de mora, à taxa legal.

Invocaram, em síntese, como fundamento das suas pretensões, que foram contratados pela 1.ª R., vindo a ser despedidos durante o período experimental, afirmando esta R. que não esteve em causa a sua qualidade e competência, pelo que entendem que é abusivo o recurso à denúncia nesses termos, por violar os mais basilares princípios da boa-fé, traduzindo, por isso, um despedimento arbitrário e injusto, com o qual sofreram danos de ordem patrimonial e não patrimonial.

Referiram também que o respetivo despedimento teve na sua origem motivos político-‑ideológicos.

Invocaram ainda que o 2.º R. é o presidente do Conselho de Administração da 1.ª e principal responsável pela sua gestão e a 3.ª R. é a holding das indústrias de defesa portuguesas, gerindo as participações sociais do Estado em sociedades ligadas à defesa e que a esta R. responde por estar numa relação de grupo com a 1.ª, e o 2.º por ser administrador.

A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 15 de Julho de 2014, que a julgou totalmente improcedente por não provada, tendo absolvido os RR. dos pedidos.

2 - Inconformados com esta decisão dela apelaram os Autores para o Tribunal da Relação de Guimarães que veio a conhecer do recurso por acórdão de 12 de Março de 2015, que julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.

Irresignados com essa decisão dela recorrem, agora de revista para este Supremo Tribunal, os Autores, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1ª A tese consagrada na sentença da 1ª instância e confirmada no acórdão ora recorrido, com exclusão do (magnífico) voto vencido, no sentido de que o empregador, durante o período experimental, pode despedir o trabalhador livremente, ou seja, por qualquer outro motivo que não o seu desempenho profissional, desde que tal motivo não seja direta e absolutamente proibido por lei, é por completo errónea. Com efeito, 2ª O período experimental consagrado no artº 111º do Código do Trabalho é um instituto que coloca o trabalhador numa posição de extrema vulnerabilidade e em verdadeira “rota de colisão” com a garantia da segurança no emprego, consagrada no artº 53º da CRP e cuja constitucionalidade só foi admitida em função do seu exato fim.

  1. Por isso, ainda que admitindo um período de tempo para o empregador verificar qual é o desempenho profissional do trabalhador e como se insere ele na comunidade organizativa, a Ordem Jurídica portuguesa não pode tolerar que o mesmo período experimental possa servir, não para esta finalidade, 4ª Mas para permitir, por exemplo, verdadeiros despedimentos coletivos ou por extinção de postos de trabalho mas sem obrigação de fundamentação dos mesmos despedimentos, da demonstração da veracidade dos respetivos fundamentos, de adoção dos adequados procedimentos formais e do pagamento da competente indemnização.

  2. A liberdade do uso pelo empregador do direito de denúncia do contrato de trabalho durante o referido período experimental não é total nem absoluta, nem pode ser isenta de apreciação e julgamento jurisdicional, 6ª Razão por que se se demonstrar – como sucede inquestionavelmente no caso dos autos – que a denúncia teve por base razões (que até podem ser formalmente lícitas e assentes em factos alegadamente verdadeiros) que são inteiramente estranhas à verificação da aptidão e qualidade do trabalho, verifica-se ou um inquestionável abuso de direito ou a interpretação e aplicação do citado artº 111º do CT numa vertente normativa em que o mesmo padece de óbvia inconstitucionalidade material, por violação do preceito e princípio da segurança no emprego, consagrado no artº 53º da CRP, o que sempre seria inadmissível por força do disposto no art.º 18º da Lei Fundamental, 7ª Pelo que o ato em causa – praticado ou em completa oposição ao fim económico e social para que a Ordem Jurídica concede o direito à sua prática ou em aplicação de norma materialmente inconstitucional – é nulo e de nenhum efeito, com a consequente ilicitude do despedimento dos trabalhadores. Por outro lado, 8ª Mesmo a factualidade dada pela sentença de 1ª instância como demonstrada nos autos demonstra e deveria ter determinado que o acórdão ora recorrido considerasse que a conduta das RR. violou o basilar princípio da boa fé, consagrado nos artºs 227º e 762º do CC, contrariando de forma por completo ilícita as legítimas expectativas que com a sua conduta haviam fundadamente criado nos AA. e Recorrentes.

  3. Não é nem pode ser considerado risco obrigatoriamente a ter em conta por uma das partes de um contrato de trabalho que a outra parte seja, por determinação do seu acionista único, obrigada a pôr abruptamente termo ao contrato de trabalho, apenas e tão só porque o novo Governo decide extinguir e liquidar e Empresa empregadora.

  4. Mas mesmo que assim fosse, então é óbvio que as consequências para que seria suposto, à luz da conduta exigível ao homem médio colocado na posição dos AA., que estes devessem estar prevenidos seriam as próprias do processo de extinção e liquidação da empresa, com o pagamento de todas as remunerações até ao momento da cessação dos contratos de trabalho e o pagamento das respetivas indemnizações (ou compensações de antiguidade).

  5. E a teoria da “contenção de custos”, sobre não ter sido minimamente demonstrada nos autos, bem antes pelo contrário (dadas as despesas que, com a nova administração e nesta nova fase não só não diminuíram como até aumentaram) teria, quando muito, virtualidade para justificar um despedimento por justas causas objetivas, 12ª Mas nunca por nunca um totalmente inesperado e injustificado despedimento “ad nutum” dos aqui AA.

  6. Deste modo, forçoso se torna concluir que o acórdão ora recorrido confirmou uma errada interpretação e aplicação da lei, consagrando uma vertente normativa do artº 111º do Código do Trabalho frontal, desnecessária, desproporcionada e inaceitavelmente violadora do preceito e princípio constitucional constante do artº 53º da CRP, 14ª Padecendo assim de incontornável inconstitucionalidade material, a qual fica ora e aqui desde já arguida para todos os devidos e legais efeitos.

  7. Bem como consagrando a aceitabilidade do abuso do direito bem como da violação do basilar princípio da boa fé, consagrado nos artºs 227º e 762º do Cód. Civil.» Terminam pedindo que seja concedido provimento ao recurso referindo que a decisão ora recorrida deve ser revogada, «declarando-se a ação procedente, com todas as consequências legais, só assim se fazendo inteira JUSTIÇA».

3 - Os Réus CC e DD responderam ao recurso interposto pelos Autores, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões, na parte em que se inserem no âmbito do presente recurso[1]: «O Artigo 114.º do CT e o Incumprimento do Ónus de Alegação e Prova a Cargo dos Recorrentes 1. Nos termos do n.º 1 do artigo 111.º do Código do Trabalho, «o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção».

  1. Nesse sentido, o período experimental visa precisamente «possibilitar uma avaliação das condições de execução do contrato por forma a que cada um deles averigue da conveniência de continuarem ou não uma relação laboral estável» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de Junho de 1994, disponível em CJ, 1994, III, pág. 177).

  2. Já nos termos do n.º 1 do artigo 114.º do Código do Trabalho, «durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização» (cfr. PEDRO FURTADO MARTINS, «Cessação do Contrato de Trabalho», 3.ª Edição, pág. 576.; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Novembro de 2000, Processo n.º 3359/7/99, disponível em CJ, V, 2000).

  3. Nessa decorrência, a empresa Recorrida não era obrigada a indicar os fundamentos ou a invocar justa causa de denúncia, no seio do período experimental formalmente acordado entre as Partes nos contratos de trabalho mantidos com os Recorrentes.

  4. Competia, pelo contrário, aos Recorrentes alegar e provar os motivos pelos quais deveria a denúncia dos contratos, promovida pela empresa Recorrida durante o período experimental, ser considerada abusiva (PEDRO FURTADO MARTINS, «Cessação do Contrato de Trabalho», 3.ª Edição, pág. 577).

  5. De acordo com o...

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