Acórdão nº 574/15.1PEVFX.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução20 de Abril de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de coacção sexual, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 163º, n.º 1 do Código Penal, de três crimes de violação, na forma consumada, previstos e punidos pelo art. 164º, n.º 1, al. a), de um crime de violação, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 164º, n.º 1, als. a) e b) e de três crimes de roubo, na forma consumada (desagravados em razão do valor diminuto), previstos e punidos pelos arts. 210º, nºs. 1 e 2, al. b) e 204º, nºs. 2, al. f) e 4, sendo todos do Código Penal, AA, identificado nos autos, foi julgado pela Secção Criminal –... da Instância Central de Loures da Comarca de Lisboa Norte, no âmbito do processo nº 574/15.1PEVFX.

Nesses autos constituíram-se assistentes BB e CC, tendo estas e ainda DD deduzido pedido de indemnização civil. Por acórdão de 12-07-2016, o arguido foi absolvido da prática de dois crimes de roubo simples (desagravados em razão do valor diminuto), previstos e puníveis pelo art. 210º, n.º 1 do Código Penal e condenado, pela prática, em autoria material, e em concurso real, de um crime de coacção sexual, na forma consumada, cometido em 21-06-2009, previsto e punido pelo art. 163º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão; de um crime de violação, na forma consumada, cometido em 20-12-2006, previsto e punido pelo art. 164º, n.º 1 do Código Penal, na redacção da Lei n.º 65/98, de 02-09, vigente à data dos factos, a que corresponde actualmente o art. 164º, n.º 1, als. a) e b) do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 04-09, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; de um crime de violação, na forma consumada, cometido em 29-06-2009, previsto e punido pelo art. 164º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 04-09, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; de um crime de violação, na forma consumada, cometido em 16-09-2009, previsto e punido pelo art. 164º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 04-09, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; de um crime de violação, na forma consumada, cometido em 20-06-2015, previsto e punido pelo art. 164º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 04-09, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; de, operada a convolação, um crime de roubo agravado, na forma consumada, cometido em 29-06-2009, previsto e punido pelo art. 210º, nºs. 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal, e ao art. 4º do DL n.º 48/95, de 15-03, na pena de 4 anos de prisão; de, operada a convolação, um crime de roubo agravado, na forma consumada, cometido em 16-09-2009, previsto e punido pelo art. 210º, nºs. 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal, e ao art. 4º do DL n.º 48/95, de 15-03, na pena de 4 anos de prisão; de um crime de roubo simples, na forma consumada (desagravado em razão do valor diminuto), cometido em 20-06-2015, previsto e punido pelo art. 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; de um crime de coação agravada, na forma tentada, cometido em 20-12-2006, previsto e punido pelos arts. 154º, nºs. 1 e 2, 155º, n.º 1, al. a) e 22º, todos do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão; e de um crime de coação agravada, na forma tentada, cometido em 16-09-2009, previsto e punido pelos arts. 154º, nºs. 1 e 2, 155º, n.º 1, al. a) e 22º, todos do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão. Operado o cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi o arguido AA condenado na pena única de 22 anos de prisão.

O arguido foi ainda condenado a pagar, à assistente/demandante BB, a quantia de € 30.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros desde a data da decisão; à assistente/demandante CC, a quantia de € 15.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros desde a data da decisão; e à demandante DD a quantia de € 15.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros desde a data da decisão e a quantia de € 11.372,18 para ressarcimento dos danos patrimoniais, acrescida de juros a contar da data da notificação ao arguido/demandado para contestar o pedido de indemnização civil.

Não se conformando com as penas que lhe foram aplicadas, o arguido interpôs recurso, que dirigiu ao Tribunal da Relação de Lisboa, o qual concluiu do seguinte modo:

  1. O presente recurso visa questionar a douta decisão recorrida, nos seguintes aspectos: Impugnação da matéria de direito relativamente a: I) Da medida da pena aplicável - Pena excessiva B) Impugnação da matéria de direito Em suma o Tribunal, operando o cúmulo jurídico, condenou o arguido na pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão.

    Pelo exposto e salvo o devido respeito considera-se as penas aplicadas excessivas Podemos concluir que é uma pena justa aquela que responda, adequadamente, às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa.

    Ora, no caso em apreço e atenta a posição assumida pelo arguido no presente recurso é peremptório que o mesmo pugna pela condenação pelo limite mínimo previsto.

    Contudo e ainda que assim não se entenda, no todo ou em parte, é liquido afirmar que as penas são aplicadas com a finalidade primeira de restabelecer a confiança colectiva na validade de uma norma violada e, em segundo lugar, na análise da eficácia do próprio sistema jurídico-penal. Por sua vez, a função da culpa é designadamente, a de estabelecer o máximo de pena concretamente aplicável - toda a pena tem um suporte axiológico - normativo a culpa concreta.

    Parece-nos que no presente caso estão satisfeitas as exigências estatuídas, razão pela qual as penas fixadas apresentam-se, salvo o devido respeito, altamente exageradas face ao grau de culpa imputável ao recorrente e, bem assim, o perfil psicológico avaliado próximo do estado limite o qual, com o consumo de drogas, tendia a retirar o auto-controlo o que permite afastar, senão em todo, pelo menos em parte, o elemento subjectivo do tipo de crimes pelos quais o arguido foi condenado.

  2. Norma jurídicas violadas: 1) O douto acórdão violou o disposto nos artigos 40º, n.º 1 e 2 e 71º do CP. dado que impunha-se a condenação de uma pena de prisão mais baixa daquela que foi aplicada, pelo limite mínimo da previsão legal.

  3. Cumprimento do disposto no art. 412º, n.º 3 e 4 do C.P.P. - artigo 40º do Código Penal.

    Requer-se: 1) Que seja alterada a decisão da matéria de direito e, por conseguinte, ser o arguido condenado a uma pena de prisão próxima do limite mínimo legal previsto.

    2) Ser decretada a violação dos artigos 18º e 34º da CRP; do artigos 40º, n.º 1 e 2 e 71º do CP.

    Requer a realização de audiência.

    Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, que suscitou, como questão prévia, a incompetência do tribunal da relação em virtude de o arguido circunscrever o seu recurso à matéria de direito, e que, quanto ao fundo, se pronunciou no sentido de que o acórdão recorrido não merece censura, na medida em que “não se vislumbra a existência de qualquer vício ou nulidade, nem a violação das normas que regem a determinação da medida concreta da pena, nomeadamente os artigos 40°, 70º. 71°, 72° e 77°, todos do Código Penal, os quais foram devida e criteriosamente aplicados”.

    Também as assistentes BB e CC defenderam a manutenção da decisão recorrida, chamando a segunda à colação o relatório pericial de Psiquiatria, nos termos do qual “para os factos descritos nos autos o examinado actuou de forma consciente e no sentido da satisfação das suas necessidades não havendo indícios de estar a sofrer na altura de qualquer descompensação ou doença psiquiátrica, o que permitiu concluir que “estava capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar por essa avaliação preenchendo assim os critérios médico-legais de imputabilidade.” Por decisão do relator no Tribunal da Relação de Lisboa, para onde os autos foram enviados, foi declarada a incompetência daquele tribunal, com fundamento no disposto no art. 432º nº 1 al. c) do Código de Processo Penal, em virtude de o recurso se circunscrever a matéria de direito relacionada com a medida da pena.

    Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, foi oportunamente realizada a audiência requerida pelo recorrente.

    Cumpre decidir.

    2. Os factos que o tribunal colectivo deu como provados e que o recorrente não impugna são os seguintes: Da acusação: NUIPC nº 717/06.6 GHVFX 1 - No dia 20 de Dezembro de 2006, pelas 20 horas e 28 minutos, na Estação de Entrecampos, em Lisboa, a ofendida BB, nascida em ...1983, apanhou um comboio da CP para se deslocar para Póvoa de Santa Iria.

    2 - Cerca das 20 horas e 55 minutos, a ofendida saiu do comboio na Estação da Póvoa de Santa Iria e após dirigiu-se apeada para o seu veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto, de cor branca, com a matrícula ...-JN, que tinha deixado estacionado num terreno descampado que se situa junto da referida estação da CP.

    3 - Nesse local encontrava-se igualmente o arguido AA que, ao avistá-la sozinha, de imediato, formulou o propósito de se lhe dirigir, de a atemorizar através da amostragem de uma navalha que trazia consigo e de a obrigar, mediante tais meios, a praticar consigo actos sexuais.

    4 - Em execução de tal desígnio, o arguido abeirou-se do veículo da ofendida.

    5 - A ofendida, sem que se tivesse apercebido da presença do arguido no descampado, dirigiu-se para o seu veículo automóvel, abriu a porta do lado do condutor, entrou e sentou-se e, quando se encontrava a colocar o cinto de segurança, avistou o arguido através do espelho e, atenta a hora e local onde se encontrava, ficou com receio e tentou fechar as portas do veículo.

    6 - Contudo, não o logrou conseguir, porque, entretanto, o arguido abriu a porta do lado do pendura, entrou no veículo, sentou-se e puxou pela mala da ofendida, mas esta resistiu e o arguido largou a mala.

    7 - A ofendida, assustada pela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT