Acórdão nº 300/14.2TBOER.L2.S1   de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O Ministério Público intentou a presente acção contra “AA Lda” e “BB – Sucursal Portuguesa”, pedindo a declaração de nulidade de várias cláusulas de contratos utilizados pelas RR.

As RR contestaram.

Foi proferida sentença julgando a acção: - parcialmente improcedente, quanto às cláusulas: - 2º/5, 13º/2, 15º/2/5, 16º/4c) /5, e 17º/3 do ‘Select’; - 5ª/6, 16ª/9, 17º/2/3, 18ª/4c), e 20ª/2 do ‘Renting’; - 2º/5, 13º/2, 15º/2/5, 16º/4c), e 17º/3 do ‘ALD’; - 11º/4, 14º/2, 15º/2/5, e 18º/1 da ‘Locação Financeira’; - 11º/2 e 12º/4 do ‘Crédito a Consumidor’; e - 10º/2 e 12º/4 do ‘Crédito’; - e procedente na parte restante, sendo declarada a nulidade das cláusulas: - 3º/6, 5º/1, 5º/3, 8º/1, 9º/1, 10º/4, 11º, 15º/4, 16º/2, 17º/2, 23º/1, e 23º/2 do ‘Select’; - 6ª/3, 8ª/4, 12ª/1, 14ª/6, 15ª/2, 17º/1, 18ª/3, 20ª/1, 24ª/1, e 24º/2 do ‘Renting’; - 3º/6, 5º/1, 5º/3, 10º/4, 11º, 15º/4, 16º/2, 17º/2, 23º/1, e 23º/2 do ‘ALD’; - 3º/6, 4º/2/3, 6º/1, 6º/3, 12º, 15º/4, 17º/2, 24º/1, e 24º/2 da ‘Locação Financeira’; - 1º/2, 3º/1, 3º/3, 5º/3, 6º/1, 8º/4, 9º, 11º/4, 12º/1, 19º/1, e 19º/2 do ‘Crédito a Consumidor’; e - 1º/2, 3º/5, 5º/3, 6º/1, 8º/4, 9º, 11º/2, 12º/1, 13º, 14º, 17º/1, e 17º/2 do ‘Crédito’.

O A interpôs apelação dessa sentença, pretendendo que fosse declarada a nulidade, também, das cláusulas: - 2º/5, 15º/2/5, 16º/4c) /5, e 17º/3 do ‘Select’; - 5ª/6, 16ª/9, 17º/2/3, 18ª/4c), e 20ª/2 do ‘Renting’; - 2º/5, 15º/2/5, 16º/4c), e 17º/3 do ‘ALD’; - 11º/4, 15º/2/5, e 18º/1 da ‘Locação Financeira’; - 11º/2 e 12º/4 do ‘Crédito a Consumidor’; - e 10º/2 e 12º/4 do ‘Crédito’.

Também as RR interpuseram apelação da parte da sentença em que se julgou procedente a acção e, nas contra-alegações que apresentaram em relação ao recurso do A, vieram suscitar a ampliação deste.

A Relação de Lisboa, julgando improcedente a apelação das RR e parcialmente procedente a do A, declarou a nulidade da cláusula 11ª, nº.4, al. a) da ‘Locação Financeira’ e confirmou, no demais, a sentença de 1ª instância.

As RR interpuseram revista desse acórdão, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na parte em que, julgando parcialmente procedente a apelação interposta pelo Ministério Público, declarou a nulidade da Cláusula l1ª, nº 4, al. a) da Locação Financeira; 2. Vem igualmente o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na parte em que, julgando improcedente a apelação das Rés, manteve a declaração de nulidade das seguintes cláusulas: - 8ª, nº 1 e 9ª, nº 1 do Contrato “Select”; - 10ª nº 4 do Contrato “Select” e 10ª, nº 4 do Contrato de “ALD”; - 5ª, nº 1 do Contrato “Select”; 8ª, nº 4 do Contrato de “Renting”; 5ª, nº 1 do Contrato de “ALD”; 6ª, nº 1 do Contrato de “Locação Financeira”; 3ª, nº 1 do Contrato de “Crédito a Consumidor” e 3ª, nº 5 do Contrato de “Crédito”; 3. Como bem decidiu o Tribunal de 1ª Instância “(…) no caso da locação financeira, a regra do artigo 15° do DL 149/95 estabelece que “Salvo estipulação em contrário, o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário.(. . .) Assim, no caso da locação financeira, a cláusula em apreço não altera a distribuição do risco”; 4. Não podendo a Recorrente concordar com a decisão do Tribunal da Relação, a qual, aplicando o regime previsto na locação civil, mormente art. 1044° do Código Civil, é manifestamente contrária à Lei; 5. Como tem sido entendimento pacífico na nossa Doutrina e Jurisprudência, o regime previsto no artigo 1044° do Código Civil (CC) não é aplicável à locação financeira, sendo afastado pelo regime especial previsto no artigo 15° do DL 149/95; 6. O próprio artigo 9°, nº 2 DL 149/95 estabelece que “Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma (. . .)”, de onde se infere que se deverá recusar a aplicação das normas que se revelem incompatíveis com a específica feição da locação financeira; 7. Por outro lado, refira-se que a locadora, contrariamente ao entendimento plasmado na decisão sob recurso, não irá receber o valor global do contrato, como se não tivesse havido nenhum “percalço” no decurso do mesmo; 8. Pelo contrário, a Recorrente apenas irá receber o valor atualizado das rendas vincendas com o valor residual, ou seja, o valor do capital em dívida, expurgado de juro remuneratório; 9. Resultando evidente que a Recorrente não aufere as mesmas vantagens como se não se tivesse verificado a perda total do bem, porquanto a Recorrente vê-se privada do juro remuneratório, que corresponde à sua margem de lucro; 10. Não se pode é exigir que a Recorrente não veja satisfeito o capital em dívida, quando a mesma despendeu no início do contrato o valor global de aquisição do veículo e nunca o deteve, pois cedeu o seu gozo ao locatário; 11. Fazer repercutir na Recorrente o prejuízo decorrente da perda total do bem, prejuízo que, no caso, corresponde ao eventual diferencial entre o valor da indemnização recebida da seguradora e o valor do capital em dívida, é verdadeiramente alterar as regras da distribuição do risco, em manifesta violação do disposto no artigo 15° do DL 149/95; 12. Sendo que, no que respeita à alegada desvalorização com impacto no valor da indemnização a receber da seguradora, refira-se que não só o valor das rendas sofre, igualmente, uma diminuição correspondente à parcela de juro remuneratório, como o valor da indemnização e a desvalorização se encontram-diretamente relacionadas com o tipo de seguro contratado pelo locatário, ao qual cabe acautelar que, o seguro que contrata lhe permitirá fazer face ao valor devido em face de uma eventual perda total do bem, designadamente contratando um seguro na modalidade de capital constante, ou seja, seguro sem desvalorização; 13. Dúvidas não existem de que cabe ao locatário suportar os riscos inerentes à qualidade de proprietário do bem de que usufrui o gozo; 14. Do exposto resulta o erro do Tribunal da Relação na determinação da norma aplicável – artigo 1044° do CC – violando a decisão sob recurso o disposto no artigo 15° do DL 149/95.

15. No que respeita às Cláusula 8ª, nº 1, e Cláusula 9ª, nº 1, das Condições Gerais do Contrato “Se1ect”, entendeu o Tribunal a quo que as mesmas são contrárias à Lei, violando o regime regra da locação civil previsto no Código Civil, nos termos do qual o risco corre por conta do locador, proprietário do bem; 16. Não pode a Recorrente concordar com a decisão do douto Tribunal da Relação de Lisboa, a qual se encontra em contradição com o Acórdão proferido pelo STJ datado de 01.02.2011 e no qual veio a ser apreciada, à luz do regime das cláusulas contratuais gerais, uma cláusula idêntica à ora em causa, a qual faz repercutir o risco sobre o locatário do contrato de ALD com opção de compra do bem no termo do mesmo; 17. No âmbito do Acórdão-fundamento e apreciando a mesma questão fundamental de direito – regime jurídico aplicável ao contrato de ALD e consequências ao nível da validade da cláusula contratual de distribuição do risco – decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que o contrato de ALD retrata uma pluralidade multilateral de contratos três tipos de contratos: contrato de aluguer de longa duração, contrato de compra e venda a prestações e contrato-promessa de compra e venda do bem alugado, sendo a referida coligação funcional subsumível à matriz do contrato de mandato sem representação; 18. Concluindo que: “Embora no ALD, o efeito da transferência da propriedade só se produza com a celebração, em cumprimento do contrato-promessa que a operação comporta, de um futuro contrato prometido de compra e venda entre o locatário e o terceiro interposto pelo locador, este apenas adquire os bens que lhe são, especificamente, solicitados pelo locatário carecido, ao qual cabe suportar os riscos inerentes à qualidade de proprietário do bem de que usufrui o gozo, porquanto o locador age, por conta e risco do locatário”; 19. Com efeito, neste tipo de contratos de aluguer o locador obriga-se a adquirir o bem a um terceiro, sob a indicação do locatário, a fim de lhe proporcionar o respetivo gozo; as prestações devidas não são o correspetivo do valor de uso do bem locado, mas sim parcelas de execução da obrigação de reembolso dos fundos adiantados pelo locador na sua aquisição, tendo o locatário a opção de aquisição do bem no final do período acordado para o aluguer, a qual consta expressamente do clausulado do contrato; 20. Realidade que nada tem de comum com o regime geral da locação previsto no Código Civil; 21. Dúvidas não existem de que o risco neste tipo de contratos corre pelo locatário, porquanto o locador apenas adquire os bens que lhe são especificamente solicitados pelo locatário, ao qual, como vimos, caberá suportar os riscos inerentes à qualidade de proprietário do bem de que exclusivamente usufrui, porquanto o locador age por conta e risco do locatário; 22. Por maioria de razão, e no que respeita ao disposto no Artigo 9.° das Condições Gerais do Contrato em apreço - responsabilidade civil - são igualmente aplicáveis as considerações supra tecidas, correndo por conta do locatário os riscos decorrentes do gozo e fruição do veículo; 23. Atribuir ao locador a responsabilidade por prejuízos causados pelo bem, o qual não é por si detido, não tendo o locador qualquer domínio de facto sobre o mesmo, mais não seria do que atribuir uma responsabilidade objetiva ao locador, em clara violação da Lei; 24. Impondo-se, assim, a revogação da decisão proferida, a qual deverá ser substituída por douta decisão que declare válidas as cláusulas em apreço, as quais não violam o disposto nos artigos 15°, 16° alínea b) e 21°, alínea f) do RCCG; 25. No que respeita à decisão de nulidade das Cláusulas 10ª, nº 4 das Condições Gerais do Contrato “Select” e 10ª, nº 4 das Condições Gerais do Contrato “ALD” socorreu-se o Tribunal a quo, uma vez...

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