Acórdão nº 638/13.6TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2017
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 27 de Abril de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
AA, Lda. e BB, Lda intentaram acção declarativa, com processo ordinário, contra CC - Companhia de Seguros, S.A.
, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes, respectivamente, as quantias de € 28.015,63 e € 18.548,26, resultantes dos prejuízos causados com a actuação culposa do Técnico Oficial de Contas (TOC) DD, em clara violação dos deveres profissionais de bom desempenho e zelo.
Para fundamentarem o seu pedido alegaram, em síntese, que celebraram com a sociedade EE - Contabilidade Lda., um contrato de prestação de serviços de contabilidade externa, desempenhado pelo seu TOC DD, e que, com o decorrer dos anos, foram tendo dificuldades no diálogo e recolha de elementos do TOC, tendo este efectuado com atraso um pedido de reembolso de IVA das AA., e sem apresentação dos elementos necessários exigidos pela administração fiscal, pelo que as AA. tiveram de resolver o contrato que as ligava à referida sociedade e contratar outra empresa, suportando prejuízos já reclamados em sede judicial em acção interposta contra a referida firma, que correu termos sob o n° 2495/12.0 TBMAI do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Maia, prejuízos estes liquidados em € 28.015,63 e € 18.548,26 para cada uma das AA. Mais alegaram que reclamaram junto da R. pelo ressarcimento destes prejuízos, o que esta recusou.
Citada a R., veio esta, em sede de excepção, invocar excepção de ilegitimidade por existir litisconsórcio necessário entre a seguradora e o segurado TOC DD, mais alegando a inexistência de contrato escrito entre as AA. e o TOC DD, o que o torna nulo, alegando ainda que a referida sociedade, indicada pelas AA., EE - Contabilidade, Lda., não é a beneficiária do seguro em apreço e que, de todo o modo, os actos alegadamente praticados pelo TOC estão excluídos do âmbito da cobertura do seguro, uma vez que a elaboração e entrega do pedido de reembolso do IVA não é uma obrigação do TOC, não requerendo sequer a intervenção de qualquer TOC. Mais alegou que as AA. realizaram operações em Espanha pelo que nunca veriam o seu pedido satisfeito e que, em todo o caso, os factos alegados poderiam consubstanciar actos dolosos do TOC, excluídos das coberturas da apólice. Alega ainda desconhecer se este TOC tem a sua inscrição em vigor, condição essencial para poder ser accionado este seguro.
Deduziu ainda o pedido de intervenção principal provocada de DD, por ser o TOC alegadamente responsável pela contabilidade das AA. e segurado. Por último, peticionou a condenação por litigância de má fé das AA. e excepcionou o caso julgado, alegando que as AA. obtiveram já a condenação da sociedade EE - Contabilidade, Lda., na acção supra mencionada, imputando as mesmas acções que imputam nestes autos à referida sociedade, pelo que não podem agora vir demandar a R. seguradora com base num seguro de que é pessoa segura apenas o TOC.
Em resposta, vieram as AA. alegar que podem demandar directamente a R. seguradora, uma vez que se trata de seguro obrigatório de responsabilidade civil para o exercício da actividade do TOC, e que não existe qualquer caso julgado, sendo acções distintas.
A fls. 102 e seg. foi proferido despacho, que, ao abrigo do art. 316º, nº 1, do CPC, admitiu a intervenção principal provocada de DD, como associado da R.
Citado, o interveniente apresentou contestação, na qual impugnou os prejuízos, alegando serem-lhe desconhecidos, quer na sua existência quer na forma de cálculo, uma vez que não foi parte na acção interposta contra a referida sociedade. Mais alega que a contabilidade das AA. era assegurada pelo seu pai, até 2002, altura em que este sofreu um AVC e que, a partir de 2003, passou a assegurar esta contabilidade, através da sociedade de contabilidade EE - Contabilidade, Lda., a qual se encontra inscrita na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, constando o interveniente como seu responsável técnico. Alega ainda que apenas em finais de 2009 é que a gerência da sociedade decidiu efectuar o pedido de reembolso do IVA, sendo, no entanto, verdade que este pedido foi indeferido por falta de elementos contabilísticos de suporte, uma vez que o interveniente por necessidade de acompanhamento do seu pai, deixou de ser tão eficiente no exercício das suas funções, a que acresceu um furto de um dispositivo do seu computador, essencial para aceder ao programa de contabilidade, onde o interveniente tinha os elementos de contabilidade das AA., sendo só por essa impossibilidade de acesso que o processo de reembolso do IVA foi suspenso. Por último, alega que tem a sua responsabilidade transferida para a R. seguradora.
Designada audiência prévia, nesta foi indeferida a excepção de caso julgado e procedeu-se à indicação da matéria objecto de prova.
Julgada a causa foi proferida sentença que: - considerando existir responsabilidade solidária entre a R. CC, o interveniente DD e a sociedade EE – Contabilidade, Lda; - e tendo as AA. demandado, em acção autónoma, esta última sociedade pelos mesmos factos e fundamentos da presente acção, na qual foi proferida sentença transitada em julgado; - concluiu que, nos termos do art. 519º, nº 1, do Código Civil, ficaram as AA. inibidas de proceder judicialmente contra CC, S.A. e contra DD. A final julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do pedido.
Inconformadas, as AA. interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, invocando erro na decisão da matéria de facto (que incorrectamente qualifica com gerando nulidade da sentença), e pedindo a reapreciação da decisão de direito.
A fls. 349 foi proferido acórdão considerando: - não existir nulidade da sentença nos termos do art. 615º, nº 1, do CPC; - que, na medida em que a R. CC – Companhia de Seguros, S.A. celebrou o contrato de seguro dos autos tendo o TOC DD como segurado, e não a sociedade EE – Contabilidade, Lda., não existe qualquer obrigação de a mesma R. assegurar o pagamento de indemnizações devidas por esta sociedade. A final confirmou, com fundamento diferente, a decisão de absolvição do pedido.
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Vêm as AA. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido após reclamação das Recorrentes, nos termos do art. 643º, do Código de Processo Civil.
As conclusões do recurso têm o seguinte teor: 1) As Recorrentes interpõem recurso da decisão que julgou a apelação improcedente; 2) A acção foi proposta contra a Seguradora, a R, aqui Recorrida, no âmbito de cobertura do seguro obrigatório; 3) A Seguradora (a R.) não é devedora solidária no sentido de lhe corresponder como pluralidade de sujeitos um cumprimento unitário da prestação; 4) Não lhe sendo aplicável a regra dos seus efeitos quanto ao credor expressa no artigo 519º,1 do CC; 5) O Regime Jurídico do Contrato de Seguro estabelece no seu artigo 1º "que por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador de seguro ou de outrem, obrigando a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador obriga-se a pagar o prémio correspondente; 6) E ainda no mesmo diploma no seu artigo 137° "o seguro de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros"; 7) No caso em apreço encontramo-nos perante um seguro colectivo, que assenta num contrato celebrado primeiramente entre a seguradora e o tomador do seguro abrangendo os membros da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, tornando-se segurados; 8) O que lhe confere a qualificação de contrato a favor de terceiro; 9) E lhe retira a natureza de obrigação solidária; 10) A relação obrigacional resulta do risco coberto e da natureza aleatória do evento; 11) E não da unidade de prestação; 12) A acção referida na douta sentença (1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Maia) foi intentada contra a firma de contabilidade e não contra o sujeito segurado (o Interveniente); 13) O que, por si só, faz tombar a argumentação de que se o credor tem a faculdade de exigir de qualquer dos devedores todas a prestação ou parte dela, fica inibido de proceder contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido.
14) In casu, os devedores são o Interveniente e a R. Seguradora; 15) Como tal, era indispensável que a primeira acção tivesse sido proposta contra o Interveniente e não foi; 16) Pelo que ao abrigo das Disposições Especiais de Seguro Obrigatório - artigo 146° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro atrás mencionado - "o lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador"; 17) O artigo 341° do CC aponta para uma definição de prova como resultado, designadamente quando refere que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos; 18) A actividade probatória tem de atender à forma como foi alegada em juízo a matéria de facto, aos factos necessitados de prova e à demonstração que, em sede de instrução, sobre os mesmos foi feita, tudo com a finalidade de apuramento da verdade possível - artigos 410° e 411º do CPC; 19) Os únicos limites legais na apreciação da prova encontram-se expressos nos artigos 368° a 372° do CC; 20) O Tribunal deve apoiar a sua decisão de facto na prova feita pelas partes ou na prova constante do processo (iudex secundum allegata et probata indicare debet); 21) As provas podem livremente ser apreciadas pelo Tribunal, que no que toca à sua admissibilidade, quer no que toca ao seu valor - artigos 5º,6º, 590º/2, 591º/1/al. c) e 607º/5 do CPC; 22) Existindo a obrigatoriedade do Tribunal de motivação da decisão de facto, tendo em atenção o regime previsto no artigo 413° do CPC que se prende com o direito das partes à aquisição das provas admitidas e ao consequente dever do tribunal em considerar todas as provas...
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