Acórdão nº 425/12.9TBVFR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | TOMÉ GOMES |
Data da Resolução | 30 de Novembro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório 1.
O Fundo de Garantia Automóvel (FGA), integrado no Instituto de Seguros de Portugal, intentou, em 24/01/2012, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Companhia de Seguros AA, S.A. (1.ª R.), BB (2.º R.) e herdeiros de CC (3.ª R.), alegando, em síntese, o seguinte: .
Em 15/3/2008, ocorreu um acidente de viação na EN 1, em ..., em que interveio o veículo com a matrícula ...-EX-..., pertencente ao 2.º R. BB e conduzido por CC, o qual, invadindo a faixa de rodagem contrária, foi embater frontalmente no veículo de matrícula ...-...-EC; .
A condutora do veículo EX conduzia com uma TAS de 0,7 g/l; .
Desse embate resultou a morte da condutora e de uma passageira, bem como ferimentos graves em mais dois passageiros, todos ocupantes do veículo EX.
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O risco relativo à circulação do veículo EX encontrava-se transferido mediante contrato de seguro para a 1.ª R..
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Porém, a mesma R. não assumiu a responsabilidade pelas indemnizações decorrentes do referido acidente, invocando a nulidade daquele contrato por considerar terem sido prestadas informações inexatas pelo tomador do seguro.
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Por sua vez, o A. despendeu a importância global de € 172.314,96 a título de indemnizações ao Hospital de S. Sebastião, aos herdeiros da passageira falecida e aos lesados, além de outras despesas com o sinistro.
Conclui o A. pedindo que a 1.ª R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 172.314,96, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos desde a interpelação e incrementados em 25% e ainda as despesas que o A. vier a suportar com a cobrança do reembolso a liquidar oportunamente em ampliação do pedido ou em execução de sentença.
Subsidiariamente, para o caso de se provar que o veículo EX circulava sem beneficiar de seguro automóvel válido e eficaz à data dos factos, pediu a condenação dos 2.º e 3.º R.R. nos mesmos termos.
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A 1.ª R. contestou a pugnar pela improcedência da ação, sustentando que: .
Em 2006 foi celebrado um protocolo entre o A. e a Associação Portuguesa de Seguradores, ao qual aderiu a contestante, nos termos do qual é da responsabilidade do A. a regularização dos processos de sinistro quando o condutor habitual efetivo, não sendo o condutor habitual declarado na apólice tem um perfil de risco agravado pela idade ou anos de carta; .
Entre a 1.ª R. e o 2.º R. foi celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel, na pendência do qual foi apresentada uma proposta de alteração por substituição do veículo, passando a ser o veículo de matrícula …-EX-…, do qual o 2.º R. se intitulava proprietário, não identificando qualquer outra pessoa como condutor habitual, termos em que foi aceite essa proposta de alteração; .
Todavia, na sequência da averiguação feita ao acidente, a 1.ª R. apurou que o veículo era propriedade de DD e que ficou em nome do 2.º R. para o seguro ser mais barato, uma vez que aquele apenas tinha 23 anos à data de alteração do contrato de seguro e do acidente e que, provavelmente, seria encartado há menos de 5 anos.
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Em tais circunstâncias, o referido contrato de seguro é nulo.
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Por força do mencionado protocolo de cooperação, o A. assumiu a responsabilidade pela regularização do sinistro, não lhe assistindo direito ao reembolso da contestante.
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Subsidiariamente, aceita os valores indemnizatórios indicados pelo A., com exceção das despesas sobre as quais não tem o A. qualquer direito de regresso.
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Também a representante legal da 3.ª R. contestou, a sustentar a sua ilegitimidade por considerar que a responsabilidade decorrente da circulação do veículo EX se encontrava transferido para a 1.ª R..
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O A. deduziu réplica, alegando, em síntese, que: .
O escopo do protocolo era agilizar a regularização dos processos de sinistros e salvaguardar a posição dos lesados, pagando o FGA e depois pedindo o reembolso a quem de direito; .
A nulidade invocada pela 1.ª R. não procede, porquanto, apesar da obrigação de segurar impender, em princípio, sobre o proprietário do veículo, fica suprida a obrigação deste, se qualquer outra pessoa celebrar o contrato; .
A 1.ª R. não demonstra em que medida é que a alegada prestação de falsas declarações influíram sobre a existência do contrato para que o mesmo se considere nulo e de nenhum efeito.
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Tal nulidade traduz-se em anulabilidade que teria de ser invocada no prazo de um ano desde a data das declarações do tomador, sendo que a mesma não pode ser oposta aos lesados.
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Após saneamento, identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, foi realizada a audiência final e proferida a sentença de fls. 366 a 376/v.º, datado de 23/02/2016, a julgar a ação parcialmente procedente quanto ao pedido principal, condenando-se a 1.ª R. a pagar ao A. a quantia de € 172.314,96, acrescida de juros de mora à taxa de 5%, desde a citação.
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Inconformada com tal decisão, veio a 1.ª R. Companhia de Seguros AA, S.A., interpor recurso de revista per saltum para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Resulta inequivocamente dos factos apurados que o 2.º R., em 18/12/2007, efetuou uma proposta de alteração ao contrato de seguro titulado pela apólice n.º 50…0/1…5, onde efetivamente prestou falsas declarações de forma a que o seu filho, real proprietário e condutor habitual do veículo automóvel, viesse a usufruir de um prémio de seguro mais baixo, conforme factos provados n.º 22 a 28 da sentença em crise; 2.ª - Atenta a factualidade apurada, o contrato de seguro titulado pela apólice n.º 50…0/1…5 é anulável nos termos vertidos no artigo 429.º do Código Comercial e tal anulação é oponível aos lesados, neste caso sub-rogados pelo FGA; 3.ª – Ademais, não é da responsabilidade da Recorrente o pagamento ao FGA dos montantes nos quais foi condenada, dado que, à data do sinistro, não existia seguro válido e em vigor contratado na Recorrente que garantisse a responsabilidade civil inerente à circulação estradal do EX, sem prejuízo do direito de reembolso do FGA; 4.ª - Por outro lado, o contrato de seguro titulado pela apólice n.º 50…0/1…5 sempre seria nulo, nos termos vertidos no artigo 428.º do Código Comercial, dada a falta de interesse do seu tomador de seguro no veículo automóvel em causa, o que resulta à saciedade da matéria de facto apurada.
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- Como tal, sempre o contrato de seguro titulado pela apólice n.º 50…0/ 1…5 será nulo, por falta de interesse do tomador na coisa segurada, nos termos do disposto no artigo 428.º, § 1.º, do Código Comercial.
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- Daí que não é da responsabilidade da Recorrente o pagamento ao FGA dos montantes nos quais foi condenada.
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- A sentença violou, designadamente, o disposto nos artigos 428.º e 429.º do Código Comercial, o art.º 11.º da Norma Regulamentar n.º 17/2000, de 21/12, do Instituto de Seguros de Portugal, o art.º 22.º do Dec.-Lei n.º 291/2007 e artigos 240.º e 241.º do CC.
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O A. apresentou...
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