Acórdão nº 232/06.8TBBRR.L3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA |
Data da Resolução | 02 de Novembro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA - Parques Empresariais, S.A., cuja denominação social foi, entretanto, alterada para BB, S.A.
apresentou, em 14/12/2005, requerimento de injunção contra CC, S.A.
, no sentido de lhe ser paga a quantia global de €71 529,36, sendo €69 156,54 de capital, €2 194,82 de juros moratórios, à taxa de 9,05%, vencidos desde 01/07/2005, e €178,00 de taxa de justiça paga.
Para o efeito, invocou que o crédito peticionado é proveniente do incumprimento pela ré da obrigação de pagamento da retribuição consignada no contrato de uso e fruição que ali indica e que se encontra titulado nas facturas n°s 50…9, 50…5 e 50…8 vencidas nos dias 01 dos meses de Julho a Setembro de 2005.
A ré apresentou oposição, invocando, no essencial, que o “contrato de uso e fruição” no qual a autora se funda para peticionar a referida quantia é um contrato de arrendamento que deixou de ter objecto desde a data em que passou a ser superficiária dos imóveis a que o contrato respeitava, já que, não podendo ser, relativamente aos mesmos imóveis, superficiária e arrendatária, o aludido contrato caducou e daí que nada deva à autora a esse título.
Para além disso, deduziu reconvenção, sustentando que, face à coincidência que existe entre os prédios que eram objecto do dito “contrato de uso e fruição” e os prédios sobre os quais incide o direito de superfície de que se diz titular e que lhe foi atribuído a título não oneroso, os pagamentos por si realizados, à autora, até Julho de 2005, com base naquele contrato, foram feitos indevidamente e sem causa, assistindo-lhe, como tal, o direito de, ao abrigo do artigo 473.º do Código Civil, exigir a restituição das quantias pagas, a esse título, desde 12/07/1991, que ascendem ao montante de €2 627 623,90, a que acrescem os juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Após remessa do processo à distribuição como acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, a autora respondeu à matéria de excepção vertida na oposição e contestou a reconvenção, sustentando, em síntese, que o contrato do qual emerge o seu crédito não é um contrato de arrendamento, mas antes um contrato de natureza mista (já que a retribuição estabelecida constitui contrapartida quer da utilização dos terrenos, quer do fornecimento dos bens e serviços que vem prestando à ré), não tendo a ré direito à peticionada restituição por não haver coincidência entre o objecto do direito de superfície e o objecto do “contrato de uso e fruição”, e ainda que aquela tivesse direito a alguma restituição, tal direito há muito que estaria prescrito, concluindo, desse modo, pelo total inêxito da reconvenção.
Além disso, a autora ampliou o pedido por forma a contemplar no peticionado: a) a declaração de validade e eficácia do “contrato de uso e fruição”; b) a declaração de que a ré tem a obrigação de proceder ao pagamento pontual da retribuição estabelecida na cláusula 2ª desse contrato e respectivas actualizações; c) a condenação da ré a pagar-lhe, para além das quantias peticionadas no requerimento de injunção: - a retribuição de €69 156,54 relativa aos meses de Outubro a Dezembro de 2005.
- a retribuição mensal de €70 885,44 relativa aos meses de Janeiro a Março de 2006.
- todas as retribuições vincendas e suas actualizações.
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a condenação da ré no pagamento de juros à taxa legal de 9,05% e 9,25%, desde o vencimento de cada uma das retribuições até integral pagamento, sendo o montante de juros vencidos até à data desse articulado de €3 654,23.
Treplicou a ré a pugnar pela inadmissibilidade parcial da réplica, pelo indeferimento da ampliação do pedido e pela improcedência das excepções opostas ao pedido reconvencional.
Após declaração de suspensão da instância por causa prejudicial, de que a autora agravou, com êxito, foram proferidos, em 18 de Setembro de 2009, despacho saneador a indeferir liminarmente o pedido reconvencional, seguido do conhecimento de mérito da causa.
Tais decisões foram impugnadas pela ré, com êxito, e retornado o processo à 1ª instância, foram admitidos o pedido reconvencional e a ampliação do pedido, fixaram-se os factos já assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações.
No incio da audiência final, foi proferido despacho, na sequência de arguição da ré, a declarar a incompetência absoluta do tribunal, por preterição do tribunal arbitral.
Esse despacho foi posteriormente revogado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que mandou prosseguir o processo por julgar extemporaneo o conhecimento daquela excepção, decisão que seria mantida por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Prosseguiu o processo com a realização da audiência final, já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, tendo sido proferida sentença (em 22-01-2016) que, na total procedência da acção e improcedência da reconvenção, decidiu o seguinte:
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Declarar que o “contrato de uso e fruição” celebrado entre a AA, S.A e a ré, com início em 1 de Janeiro de 1990, é válido e eficaz.
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Declarar que a ré tem a obrigação de proceder ao pagamento pontual da retribuição estipulada no art.° 2° desse contrato e respectivas actualizações.
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Condenar a ré a pagar à autora: 1. As quantias de Euros 138.313,09 (cento e trinta e oito mil trezentos e treze euros e nove cêntimos) e de Euros 283.541,76 (duzentos e oitenta e três mil quinhentos e quarenta e um euros e setenta e seis cêntimos) de retribuições devidas nos termos do referido contrato, relativas, respectivamente, aos anos de 2005 e 2006.
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As retribuições devidas nos termos do mesmo contrato, com as actualizações nele previstas, relativas aos anos de 2007 a 2015 e a do mês de Janeiro de 2016.
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Juros de mora sobre cada mensalidade dessas retribuições, calculados à taxa legal aplicável aos créditos da titularidade de empresas comerciais, desde o vencimento de cada uma delas até integral pagamento.
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absolver a autora do pedido reconvencional.
Inconformada com o assim decidido, a ré apelou, impugnando de facto e de direito, sem qualquer sucesso, tendo a Relação de Lisboa confirmado o sentenciado pela 1ª instância.
Persistindo inconformada, interpôs a ré recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem: 1 - A Recorrente na suas conclusões de recurso de Apelação, cumpriu escrupulosamente o ónus estabelecido no artigo 639.° n.°s 1 e 2 do CPC, tendo indicado, de forma inequívoca, as normas jurídicas violadas, o sentido com que as normas deviam ter sido interpretadas, bem como as normas incorrectamente aplicadas e as que deviam ter sido aplicadas.
2 - A Recorrida compreendeu perfeitamente o objecto do recurso, tendo respondido ao mesmo sem suscitar a existência de qualquer vício, contrapondo os argumentos que, no seu entender, deveriam sustentar a sentença recorrida, o que não se concede.
3 - A expressão "efetue devida interpretação e aplicação do Direito aos factos (...)" transcrita pelos Venerandos Desembargadores no douto Acórdão recorrido, com base na qual (embora sem razão) pretende fundamentar a "forma evasiva" como a Recorrente colocou a questão de Direito, não consta das conclusões de recurso, mas sim do pedido formulado na parte final desta peça processual como corolário lógico do recurso, não se aplicando o ónus previsto no artigo 639.° n.° 1 e 2 do CPC.
4 - Ao não conhecer do pedido de aplicação do Direito aos factos, por falta de objecto, o que não se aceita, embora esta questão tenha sido devidamente suscitada pela Recorrente, o Tribunal a quo não se pronunciou acerca da mesma, incorrendo, assim, na nulidade prevista artigo 615.° n.° 1 alínea d), primeira parte do CPC, que aqui se argui expressamente.
5 - Se o douto Acórdão recorrido, entendeu - embora, sem qualquer fundamento - que as conclusões da Recorrente eram deficientes, por serem vagas no que respeita ao pedido de aplicação do Direito aos factos, então, o Venerando Juiz Desembargador Relator deveria ter convidado a Recorrente a completá-las ou esclarecê-las nos termos do disposto no artigo 639.° n.° 3 do CPC, sob pena de não se conhecer do recurso nessa parte.
6 - Não o tendo feito, o Tribunal a quo incorreu, em qualquer caso, na nulidade prevista no artigo 195.° n.° 1 do CPC, uma vez que a omissão daquele dever influi necessariamente no exame ou na decisão da causa.
7 - Todavia, para a eventualidade de Vossas Excelências assim não entenderem, o que só pode mera hipótese se configura, à cautela, sem conceder, sempre se dirá que a matéria de facto suscitada no âmbito do presente recurso configura uma situação excepcional prevista nos artigos 674,° n.° 3 e 682.° n.° 2 do CPC, pelo que constitui fundamento de revista.
8 - Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o relatório pericial pelo facto de se encontrar acompanhado de documentos autênticos que constam dos autos - escrituras públicas e certidões prediais - não faz dele próprio um documento autêntico de tal forma que seja insusceptível de admitir prova em contrário, através de outros meios legais de prova.
9 - Os documentos autênticos juntos aos autos - escrituras públicas e certidões prediais - apenas fazem prova plena dos factos que neles são atestados (artigo 371.° n.° 1 do Código Civil), o que não invalida que tal factualidade corresponda efectivamente ao que foi acordado entre as partes.
10 - A prova pericial constitui um meio de prova específico e autónomo, distinto da prova documental, ainda que por documento autêntico, e que tem por fim a apreciação de factos por meio de peritos quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam (artigo 388.° do Código Civil).
11 - No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação das provas, segundo o qual a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo Tribunal (artigo 607.° n.° 5 do CPC e artigo 389.° do Código Civil).
12 - A este respeito, o Tribunal Constitucional entendeu que "estando em causa matéria de índole técnica...
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