Acórdão nº 996/13.2TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução11 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA, SA propôs esta acção contra BB (Portugal), SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe aquela quantia de € 380.250, acrescida de juros de mora, com os seguintes fundamentos, em síntese: - emitiu e enviou para um seu cliente (CC) um cheque no montante de € 16,75, sacado sobre uma sua conta da DD; - tal cheque foi objecto de falsificação, nele passando a constar o valor de € 380.250 e diferentes indicações quanto à data de emissão e ao beneficiário (EE); - o cheque foi apresentado a pagamento numa agência da R, cujos funcionários, por falta de zelo no cumprimento dos deveres de fiscalização com competência técnica, não detectaram a sua falsificação e, consequentemente, o mesmo foi aceite para depósito, sendo disponibilizado o valor que nele fora entretanto inscrito na conta de EE, que procedeu a sucessivos levantamentos.

A R contestou, alegando, essencialmente, que os seus funcionários cumpriram os seus deveres porque a falsificação era perfeita, não visível a olho nu.

Foi proferida sentença, absolvendo a R do pedido.

A Relação de Lisboa, julgando procedente a apelação interposta pela A, depois de alterar a decisão proferida em 1ª instância sobre um item da matéria de facto, condenou a R a pagar à A a quantia de € 380.250, acrescida de juros à taxa legal.

A R interpôs recurso de revista desse acórdão, cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões: I. A ora Recorrida não contestou – e, na verdade, não impugnou – que o cheque em causa nos autos não continha “imperfeições visíveis”; II Embora da redação sugerida, pela Apelante, para a redação do número 14 da matéria de facto, não constasse o segmento final (“não contendo o cheque imperfeições visíveis”), a verdade é que, da impugnação não consta qualquer referência à eliminação do segmento assinalado, nem sequer sob a forma de argumento; III. Assim, o Tribunal da Relação de Lisboa eliminou um segmento da matéria de facto que não havia sido impugnado pelo então Recorrente ou relativamente ao qual o Recorrente não havia cumprido o seu ónus de impugnação. Essa decisão é nula, pois não tem cabimento no disposto no artigo 662º do CPC; IV. Se a lei processual comina de rejeição o Recurso em que o Apelante não cumpre esse ónus, então o Acórdão da Relação que não rejeite o Recurso, na parte em que o Apelante não cumpre o ónus que sobre si impende é, ele próprio, nulo, por violação do disposto no nº 1 do artigo 640º do CPC (e do disposto nos números 4 e 1d) do artigo 615º do CPC); V. A procedência do Recurso, nesta parte, implica, portanto, que o ora Recorrente logrou demonstrar que o cheque em causa não continha imperfeições visíveis e que, portanto, ao não detetar as indetetáveis imperfeições, o Banco Recorrente não praticou qualquer ato ilícito e, por outro lado, agiu sem culpa. Fenecem, portanto, dois pressupostos da responsabilidade civil; VI. Mesmo com a alteração da matéria de facto realizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a decisão deste Tribunal deve ser revogada e substituída por outra que absolva o Banco Réu, desde logo por que não há nenhuma prova produzida nos autos acerca da falsificação ser detetável a olho nu; VII. Com este entendimento, o Tribunal dispensa o Autor do ónus da prova que, indubitavelmente e em obediência ao disposto no artigo 342º do Código Civil, lhe caberia.

VIII. No caso em concreto i) a factualidade apurada não é abundante e ii) não se provou uma falsificação ostensiva; IX. É pacífico que, para que haja responsabilidade civil, exige-se a verificação dos seguintes pressupostos: i) um facto que seja capaz de gerar responsabilidade; ii) a ilicitude desde mesmo facto; iii) a culpa do lesante, no sentido de que o mesmo podia e deveria ter evitado a lesão; iv) um dano, que tanto pode ser patrimonial ou moral; v) um nexo de causalidade entre o facto e o dano, para que se possa concluir que o segundo não teria ocorrido não fosse o primeiro (CC, artigo 483º); X. É também pacífico que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa e que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. (CC, artigo 487º); XI. O ónus de prova da culpa do Réu incumbia à Autora (lesada), dado não existir presunção legal aplicável no caso em apreço. Ou seja, cabia à Autora demonstrar a verificação dos vários pressupostos da responsabilidade civil; XII. A ilicitude é um dos factos constitutivos do direito pelo que é sobre a Autora que invoca a titularidade de um direito, que cabe fazer a alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência do direito - artigos 5.º n.º l do CPC e 342.º e 487.º do Código Civil (Ac. do STJ de 05.03.2002, Processo n.º 02B2746); XIII. Com a reformulação do artigo 14 da matéria de facto efetuada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, os autos ficam completamente omissos de qualquer prova sobre se a falsificação era ou não detetável, limitando-se aquele número da matéria de facto, com todo o respeito, a constatar o óbvio, ie, que o Banco não detetou a falsificação; XIV. Essa constatação não é suficiente, num caso de responsabilidade civil extra contratual, para uma decisão condenatória, sob pena de flagrante violação das regras do ónus da prova; XV. Nesse caso, transformar-se-ia um caso de responsabilidade civil extracontratual num caso de responsabilidade civil objetiva ou, pelo menos, num caso em que vigoraria, sem norma respetiva, uma inversão do ónus da prova: na realidade, ao Autor bastaria alegar e provar a falsificação e o pagamento pelo Banco, ficando aquele dispensado, quer de provar o facto ilícito, quer de provar a culpa, ambos pressupostos basilares da responsabilidade civil; XVI. Contrariamente ao que se refere no Acórdão em crise, ao Autor cabia demonstrar que o Banco omitiu o seu dever de agir com a diligência de um bom pai de família. (CC, artigo 487º/2). Na realidade, a lei não fornece qualquer outro critério legal para apreciação da culpa. E, na ausência de outro critério legal, era à diligência do bom pai de família que cabia atender; XVII. Seria, assim necessário que o Autor tivesse demonstrado – e é manifesto que não o fez – que o Banco Recorrente omitiu os deveres que qualquer bom pai de família, naquela situação, adotaria; XVIII. Ao Autor cabia demonstrar, portanto, que um funcionário bancário medianamente diligente – como qualquer bom pai de família – havia detetado a falsificação sendo que, sem essa demonstração, o Autor fenece na prova dos factos constitutivos do direito alegado; XIX. No mesmo sentido, Cfr. Ac. do STJ de 23-02-2010 Relator Alves Velho: Ac. TRL de 2.12.15, Relatora Desembargadora Maria de Jesus Correia: Ac. TRL de 28.04.2005, Relator Desembargador Urbano Dias: Ac. do TRC de 17.01.2012 Relatora Regina Rosa, todos em www.dgsi.pt; XX. Em conformidade não só com os acórdãos supra citados mas ainda com os ensinamentos de Sofia Galvão, as exigências impostas aos Bancos não podem ser de tal forma exigentes que impeçam o regular funcionamento do negócio de massa. Pelo que “o Banco cumpre o seu dever de fiscalização quando se convence, de um modo que corresponde às exigências do trânsito em massa, que o cheque, pela sua aparência global exterior, dá a impressão de ser verdadeiro.”; XXI. Sem prescindir, e caso assim não se entenda, deverá ser ordenada a ampliação da matéria de facto pelo Tribunal de...

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