Acórdão nº 71/15.5TRGMR-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – RELATÓRIO.

    Desavinda com a decisão instrutória que, tendo considerado existirem elementos, objectivos e subjectivo, da prática, em autoria material de um crime de difamação previsto e punido pelo artigo 180º, nº 1 do Código Penal, recorre a arguida, AA, tendo condensado a fundamentação dissidente com o epítome conclusivo que a seguir queda extractado. “I. Vem a arguida pronunciada pela prática de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180º, nº 1 do CP, decisão essa com a qual a ora recorrente não se conforma por inexistirem indícios suficientes da prática do crime; por erro notório na apreciação da prova; por não se atender às circunstâncias da alegada prática do crime, que sempre conduziriam a uma exclusão da ilicitude.

  2. Entende o tribunal a quo que as afirmações produzidas pela arguida no âmbito de um processo de inquérito, como testemunha arrolada pelo arguido, Dr. BB, nomeadamente, «a “fama da denunciante CC como pessoa desonesta, perigosa, de via nocturna e álcool e extremamente manipuladora»; «a denunciante já não era propriamente um exemplo de mãe, pela sua atitude para com a filha mais velha»; «como pessoa extremamente manipuladora que é», são “perfeitamente desnecessárias, ofensivos da honra e consideração da assistente, foram antes proferidas pela arguida a despropósito, com o objectivo claro de denegrir a imagem e a credibilidade da assistente, com o fim único de, assim, privilegiar o arguido Dr. BB, seu amigo e confidente”.

  3. O objectivo, na instrução, é apurar se há indícios suficientes que permitam criar uma convicção ao julgador de se terem verificado pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, conforme dispõe o artigo 308º, nº 1 do C.P.P., ou seja, como explica o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16/07/2008, disponível em www.dgsi.pt “nesta fase, o que se impõe apurar é se os elementos probatórios trazidos aos autos, analisados criticamente, permitem formular um juízo de culpabilidade. Trata-se, no fundo, de uma antecipação do juízo a formular em sede de julgamento, donde, se os indícios já nesta fase não revelarem uma probabilidade mais positiva de condenação, o arguido não será pronunciado”.

  4. Tal resulta da óptica de protecção da arguida e defesa da sua dignidade, sendo que ao abrigo de uma teoria que diminua o alcance de indícios suficientes, sempre se levará o arguido à continuidade de um processo, sem mais exigências, ou seja, “esta é […] a orientação correcta na apreciação da “indiciação suficiente” na medida em que a sujeição de alguém a julgamento, mesmo que a decisão final conclua pela absolvição, é sempre um incómodo, se não um vexame, não se livrando o arguido do “calvário” do processo perante um tribunal e a comunidade”.

  5. Foram considerados como meios de prova no âmbito da instrução, além das declarações da assistente, as certidões juntas aos autos a fls. 15 a 17 (depoimento prestado pela arguida na qualidade de testemunha, no âmbito do referido inquérito nº 563/14.3TABRG); a fls. 61 a 70 (participação da ora assistente CC contra o Sr juiz Dr. BB, seu ex-companheiro, por ter prestado falsas declarações quando depôs como testemunha no âmbito do Proc. nº 3606/12.1TBBRG, da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga); e fls. 236 a 247 (acusação do Ministério Público o juiz BB, imputando-lhe a prática de “um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo artigo 360º, nº 1 e nº 3 do Código Penal”, no âmbito daquele inquérito nº 563/14.3TABRG, em 19 de Outubro de 2015).

  6. Ora, não é perceptível como é suficiente esta prova para o Mº JIC dar como provada a intenção da arguida, a prática voluntária e a intencionalidade de prejudicar a assistente e ainda favorecer o Dr. BB.

  7. O tribunal a quo consegue convencer-se de que a arguida não é instada a pronunciar-se sobre “a reprodução/verbalização desses rumores/confidências sobre o carácter da assistente e o seu comportamento enquanto companheira do Dr. BB”, ao contrário do MP “ a arguida limitou-se, assim, a responder às perguntas formuladas pela Exma. Procuradora, com a única finalidade de servir o bem fundamental da Justiça, cumprindo o seu dever como testemunha”.

  8. Esta convicção passa somente pelas declarações da arguida, enquanto testemunha no inquérito nº 563/14.3TABRG, não se tendo em conta as declarações prestadas pela arguida, no presente processo (inquérito e instrução), sendo que o tribunal a quo não tem sequer em conta o parecer do MP, elemento norteador e fundamental no processo-crime, que cria uma convicção no final do inquérito de falta de indícios da prática do crime de difamação e que “ atento o contexto em que as expressões em causa foram proferidas pela arguida, ou seja, quando foi inquirida como testemunha no âmbito do inquérito nº 563/14.3TABRG, e foi instada a pronunciar-se sobre o que pensava da queixa que dera origem àquele inquérito, apresentada pela ora assistente”.

  9. Se assim fosse não deveria haver indícios claros e inequívocos, não deveriam constar dos autos particularidades do discurso da arguida que denunciasse que procurava acrescentar algo ou que pretendia exceder o questionado pela Exma. Procuradora? Nada disso se entende ou subentende do auto de declarações sendo que figuram somente expressões como “tanto quanto sabe” e “instada”.

  10. Aliás, se assim não fosse o próprio Mmº JIC ao longo dos actos instrutórios, nomeadamente do interrogatório à arguida e da inquirição das testemunhas, não teria inquirido, insistido e perguntado sobre pormenores dos rumores que se ouviam e das relações pessoais entre todos.

  11. Refere ainda o Mmº JIC que a prova pessoal produzida pela arguida foi “claramente insuficiente”, sendo que “as testemunhas inquiridas ou nada sabiam de relevante para discussão da causa ou os seus depoimentos não merecem credibilidade porque vagos, imprecisos ou porque claramente tendenciosos”. Contudo, no que respeita às testemunhas da assistente, “referiram-se à inexistência de boatos ou rumores sobre a arguida e refutaram as qualidades desvaliosas que lhe haviam sido atribuídas pela arguida”.

  12. Ou seja, qualquer pessoa que testemunhe, que refira as “qualidades desvaliosas” da assistente não merece crédito porque o seu testemunho é claramente tendencioso, mas obviamente o testemunho de qualquer pessoa arrolada pela assistente não o é! XIII. É demasiado sobrevalorizado o facto de a arguida ser magistrada para acrescer a sua responsabilidade e penalizá-la em máxima escala por todas as afirmações produzidas enquanto testemunha, sendo que esta deveria ser a premissa quando se arrasta a arguida neste processo, colocando em causa a sua dignidade como pessoa humana, vendo este processo ser escrutinado pela comunicação social e tendo de ouvir testemunhas da assistente e lendo na acusação da assistente, insinuações caluniosas, sendo pronunciada por um crime que, levando-a a julgamento, certamente lhe trará vergonha e desprestígio.

  13. Atendendo ao elemento objectivo deste tipo de crime, é entendido que a imputação de facto ou por meio de formulação de um juízo, ofensivos da honra e consideração de outrem terão de ser levadas a cabo dirigindo-se a terceiros, questionando-se se a Exma. Procuradora do Ministério Público, entidade perante a qual testemunhou a arguida pode ser considerado um terceiro, sendo que “o mesmo é seguramente um destinatário relativamente ao qual a testemunha tem a obrigação de responder a verdade sob pena de incorrer em responsabilidade criminal”.

  14. Para haver lugar a preenchimento do elemento subjectivo de crime é necessário que seja doloso o cometimento, sendo que no crime de difamação basta que o agente tenha conhecimento que o seu comportamento possa lesar a honra de outrem, salvaguardando-se ainda que, só poderão então estar preenchidos os elementos atinentes à prática de um crime de difamação se a conduta do agente, do arguido, for voluntária, espontânea e alicerçada no seu livre arbítrio.

  15. Dispõe o artigo 31º do Código Penal, no nº 1 que “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”, explicitando na alínea c) do nº 2 que “ não é ilícito o facto praticado no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade”, não se podendo simplesmente afastar esta consideração legal, com base no facto de se tratar de rumores ou reproduções do que nos foi transmitido, sendo que, quando questionada sobre os rumores que sabia, exactamente o que se falava, ou o que o Dr. Vítor lhe confidenciava, não iria certamente a arguida abster-se de responder.

  16. Não o fez no inquérito deste processo, como não o fez quando foi ouvida na instrução pelo Mº JIC, sendo que a arguida não presta declarações como magistrada, mas continua a valorizar e dignificar a profissão sem desautorizar os Colegas, respondendo com toda a verdade, sobre a “verdade do que lhe diziam e lhe transmitiam”, criando a convicção de que se a pergunta era feita a resposta seria necessária e mesmo porque recusando-se a fazê-lo incorreria na prática de um outro crime, crime de falso testemunho, conforme prevê o nº 2 do artigo 360º do Código Penal (crime pelo qual não foi pronunciada, sublinhe-se!).

  17. Assim, a arguida a partir do momento em que presta juramento como testemunha e efectua o seu depoimento está obrigada a dizer a verdade, respondendo ao que lhe é questionado, independentemente de poder com o seu depoimento lesar um bem protegido não pode a testemunha recusar-se a depor ou a responder com verdade ao que lhe é questionado, pois “quem age no âmbito do cumprimento de um dever, estando obrigado a falar com verdade, mostra-se indiferente ao facto de as sus revelações poderem ou não atingir a honra e consideração do visado, pelo que, nestas circunstâncias está afastada a possibilidade do agente, ao imputar factos que em si são difamatórios, querer ferir ou atingir a honra e consideração do visado. Está assim afastado o dolo em qualquer das suas modalidades (artº...

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