Acórdão nº 188/14.3T8PBL.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB - Companhia de Seguros Reais, S.A.

, pedindo a condenação desta a pagar-lhe: a quantia de € 20.587,00, deduzida da franquia contratual (€ 332,43), referente ao valor do veículo do A. e equipamento seguro; a quantia a apurar em sede de liquidação relativa ao dano da privação do uso do veículo, tendo por referência o custo de aluguer de veículo idêntico ao sinistrado, em montante não inferior a € 50,00/dia, desde 14/01/2013, até efectivo pagamento do valor da viatura; juros vencidos sobre estas quantias desde a citação.

Alega, para tanto, e em síntese, que celebrou com a R., em 12/11/2010, um contrato de seguro pelo qual esta se obrigou a pagar-lhe todos os danos que viessem a produzir-se no seu veículo ...-AT-... em consequência da respectiva circulação, incluindo quer a viatura, cujo valor foi então fixado em € 18.078,00, quer o equipamento extra, ao qual foi atribuído o valor de € 3.887,00; por causas ignoradas, quando no dia 14/12/2012 era conduzido pelo A., o referido veículo despistou-se, indo embater numa árvore existente junto da berma da estrada por onde transitava, sofrendo avultados danos; em 01/03/2013 foi a respectiva reparação orçada em € 16.822,45; tal reparação era desaconselhável, havendo lugar à perda total, uma vez que, tendo em conta a desvalorização entretanto verificada, o valor venal do veículo passou a ser de apenas € 16.700,00; recusou-se a R., no entanto, a satisfazer esta indemnização, deixando o A. privado da utilização da viatura desde a data do acidente, pois que, desde então, não pode transportar-se a si e aos seus familiares – como até então fazia – por não ter condições financeiras para alugar ou adquirir outro veículo.

Contestou a R., impugnando tanto o montante da reparação como o valor a indemnizar pela perda total, a qual, por virtude de dedução de € 2.255,00 a título de salvados, defendeu ser apenas de € 13.881,58; não obstante, negou que a reparação não fosse viável, pelo que deu ordem para que a mesma fosse efectuada; alegou não haver lugar a indemnização pela privação do uso porquanto se trata de danos próprios e que, se assim não se entender, o prejuízo do A. decorre apenas da mora e é já compensado pelos juros desde a data da constituição em mora.

Por sentença de fls. 183 foi a acção julgada parcialmente procedente e a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 14.478,74, correspondente ao valor da indemnização devida a título de perda total da viatura sinistrada, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa anual de 4%, desde a citação até efectivo pagamento. Do mais peticionado foi a R. absolvida.

Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de …, pedindo a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto e impugnando a decisão de direito, concluindo pelo direito a ser indemnizado pelo dano de privação do uso do veículo, desde 04/01/2013 (data da realização da peritagem).

Por acórdão de fls. 265 foi mantida a decisão relativa à matéria de facto e decidido, a final, o seguinte: Pelo exposto, na procedência da apelação, revogam a sentença recorrida no segmento em que absolveu a Ré do pedido de condenação no pagamento das quantias correspondentes à privação do uso do veículo, condenando também a Ré a pagar ao A., a esse título, a verba diária de € 30 desde 04/01/2013 até à data em que se tiver verificado a efectiva entrega ao A. da indemnização em que aquela está condenada.

Em tudo o mais vai mantida a sentença recorrida.

  1. Vem a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - As presentes Alegações de Recurso visam impugnar a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” que, na procedência da apelação, revogou a sentença recorrida no segmento em que absolveu a Ré do pedido de condenação no pagamento das quantias correspondentes à privação do uso do veículo, condenando também a Ré a pagar ao A., a esse título, a verba diária de € 30 desde 04/01/2013 até à data em que se tiver verificado a efetiva entrega ao A. da indemnização em que aquela está condenada.

    1. – Atenta a matéria de facto apurada nos presentes autos, o contrato de seguro em causa tem natureza facultativa, assim subordinado ao princípio da liberdade contratual das partes, as quais poderão no mesmo fazer incluir ou não incluir as cláusulas que lhes aprouver; sendo que os termos da cobertura contratada não englobam a indemnização pela privação do uso do veículo com a amplitude e nos termos pretendidos pelo autor, como bem julgou o Tribunal de 1.ª Instância.

    2. - No caso em apreciação, a ré não procedeu à entrega ao autor da quantia devida e acordada, correspondente ao valor da indemnização associada à situação de perda total que, como se apurou, se verificava. Sem dúvida que, conforme foi apreciado, incorreu em violação dos deveres contratuais.

    3. - E esse facto voluntário, ilícito e culposo determinou que o autor se visse desapossado da quantia pecuniária a que tinha direito e, assim, impedido de adquirir outro veículo em substituição do acidentado.

    4. - Mas estes factos, assim considerados, consubstanciarão um dano de privação do uso do veículo? 6.ª - Julgamos que não, já que a obrigação que a ré não cumpriu ilicitamente se traduziu, apenas, na omissão de entrega da quantia que lhe competia entregar por força do contrato de seguro celebrado, quantia correspondente ao valor da viatura calculado na perspectiva de uma situação de “perda total”.

    5. - O prejuízo do autor deve qualificar-se, apenas, como dano consubstanciado na omissão do cumprimento dessa obrigação pecuniária.

    6. - Inexiste um nexo de causalidade adequada – nos termos previamente caracterizados - entre a conduta ilícita da ré e a impossibilidade de o autor usufruir (através de compra ou aluguer) de outro veículo em substituição do acidentado.

    7. - Na obrigação pecuniária a indemnização consiste, apenas, nos juros a contar do dia da constituição em mora – cfr. artigo 806º/1 do Código Civil.

    8. - A mora da ré verifica-se desde o dia em que tomou conhecimento da pretensão do autor, 28/01/2013, ou seja, desde a data a partir da qual deveria ter procedido à entrega do valor acima fixado, tanto mais que o autor deu conta à ré da sua pretensão com informação sobre o valor alcançado com a primeira peritagem realizada, que cifrou o custo da reparação dos estragos do veículo em € 11.348,77, quantia que, por si só, demandava necessariamente a qualificação da situação do veículo como “perda total”.

    9. - O A. não contratou com a R. a cobertura de indemnização pela privação do uso de veículo.

    10. - Trata-se de uma cobertura facultativa, porque excluída do âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel regulado pelo D.L. n.º 291/2007, de 21/8 visando este garantir, até certo montante, o pagamento de indemnização a terceiros por danos causados por veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal (nº 1 do artº 4º do DL 291/2007).

    11. - As coberturas facultativas contratadas, de acordo com as Condições da Apólice, são as seguintes e encontram-se expressas nos factos provados: 8. Consta da cláusula 38º, c) da Parte II das condições gerais do contrato que perda total é “o...

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