Acórdão nº 398/12.8TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução29 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I – Banco AA, S.A.

intentou acção declarativa (acção de impugnação pauliana), contra BB, CC, DD, EE e FF, alegando, em síntese, que: No dia 28 de abril de 2008, o réu BB, com autorização da mulher, a ré CC, com reserva para si e para a sua mulher até à morte do último que sobreviver, do respetivo usufruto, e com dispensa de colação, doou à sua filha menor, a ré DD diversos imóveis que identifica.

No dia 26 de maio de 2010, o réu BB, com autorização da mulher, a ré CC, com reserva para si e para a sua mulher até à morte do último que sobreviver, do respetivo usufruto, e com dispensa de colação, doou ao seu filho menor, o réu FF, a nua propriedade de uma fração autónoma do prédio que identifica, sito na Estrada de …, Lisboa, e à sua filha menor, a ré EE, a nua propriedade do prédio urbano sito na Rua …, em …, Arcos de Valdevez.

Estes negócios envolvem a diminuição da garantia patrimonial do crédito que, antes da sua outorga, já detinha sobre os réus BB e CC, deles resultando a impossibilidade de obtenção da sua satisfação integral ou o agravamento dessa impossibilidade.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir a declaração de ineficácia desses negócios jurídicos, em relação a si, na medida em que tal se mostrar necessário para integral satisfação do seu crédito sobre os réus devedores.

Os réus contestaram, sustentando, em resumo, que os referidos negócios não padecem de qualquer desvalor, não podendo ser impugnados nos termos visados pelo autor, concluindo, por isso, pela improcedência da acção.

O processo seguiu seus termos e, realizada a audiência final, foi proferida sentença, datada de 16/03/2016, que, na parcial procedência da acção, “declarou ineficaz em relação ao autor: a) a doação efetuada pelos réus BB e CC ao filho menor de ambos, FF, tendo por objeto a nua propriedade da fração autónoma designada pela letra ''B23'\ destinada a loja, com o n° …, no rés do chão, entrada pelo n° 6-B da Rua … e n° 7…-A da Estrada de …, do prédio urbano sito na Estrada de …, n°s 7… e 7…-A, e n°s 6, 6-A e 6-B, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 5…/19…, da referida freguesia, e inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o art. 2511; b) a doação efetuada pelos réus BB e CC à filha menor de ambos, EE, tendo por objeto a nua propriedade do prédio urbano sito na Rua …, em …, freguesia e concelho de Arcos de Valdevez, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o n° 6…/20…, da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o art. 343°, ambas consubstanciadas na escritura pública realizada no dia 26 de maio de 2010 no Cartório do Notário GG; e c) absolveu os réus BB, CC e DD, de tudo o mais pedido”.

Apelaram quer o autor, quer os réus, o primeiro com total insucesso e os últimos, com parcial êxito, tendo a Relação de Lisboa, não obstante a modificação do ponto 65. da matéria de facto, confirmado a sentença da 1ª instância, por considerar que se verificam os requisitos da impugnação pauliana.

Persistindo inconformados, interpuseram os réus recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as seguintes conclusões: 1 - O Acórdão recorrido confirma a decisão proferida na 1ª instância, mas fá-lo com uma fundamentação de facto essencialmente diferente daquela decisão (já que altera a resposta ao ponto 65 da matéria de facto - ponto essencial na fundamentação de uma e outra decisões), pelo que, nos termos conjugados dos nºs 1 e 3 do art. 671º do C.P.C., dele cabe recurso de revista para o STJ.

2 - O Acórdão recorrido, acolhendo impugnação dos Recorrentes, alterou o ponto 65 do elenco dos factos dados por assentes e, dessa alteração, resulta a conclusão de que os RR. BB e CC provaram ser, nesta data, e ter sido, à data das doações efectuadas em 26 de Maio de 2010, titulares de bens e direitos de valor superior ao valor do crédito do autor.

3 – Porém, apesar desta conclusão - que o Acórdão recorrido não rejeita - o Tribunal a quo considerou que resulta da experiência comum que tais bens e direitos são muito difíceis de vender e, por isso, na prática, os actos impugnados redundaram necessariamente num agravamento da impossibilidade de satisfação do crédito do A..

4 - Este novo facto - dificuldade de venda dos bens e direitos elencados no ponto 65 - nunca foi alegado e, muito menos, provado nos autos e não se enquadra em nenhuma das situações previstas no art. 5º, nº 2 e 412º do C.P.C..

5 - O Acórdão recorrido violou, por isso e nesta parte, o disposto nos arts. 5º, nºs 1 e 2 e 412º do C.P.C, e, em consequência, terá de ser substituído por decisão que, considerando apenas os factos provados, lhes aplique o direito.

6 - O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão suscitada pelos RR/Recorrentes nas suas alegações de recurso relativa ao ponto 90 do elenco dos factos dados por assentes e, por isso e nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, alínea d) do C.P.C, (aplicável por remissão do art. 666º, nº mesmo diploma), o Acórdão recorrido é nulo.

7 - Deverá o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por decisão que, tendo em conta os factos provados e, em especial, o facto constante do ponto 65 da matéria de facto assente, absolva os RR./Recorrentes do pedido relativo às doações realizadas em 26 de Maio de 2010.

Ou, assim se não entendendo 8 - Deverá o Acórdão recorrido ser anulado por omissão de pronúncia, proferindo-se, em sua substituição, decisão sobre a questão omitida.

A autora ofereceu contra-alegação a pugnar pela inadmissibilidade do recurso, por ocorrer dupla conforme, e, para o caso de vir a ser admitido, a sustentar o seu insucesso.

Distribuído o processo, no Supremo Tribunal de Justiça, o relator proferiu a decisão que constitui folhas 1104 a 1109, cujo teor aqui se tem por reproduzido, na qual se entendeu ocorrer dupla conforme a tornar inadmissível o recurso de revista interposto, o que obstava ao conhecimento do seu objecto.

É desta decisão que vem interposta a presente reclamação para a conferência, insistindo os réus que a alteração de facto levada a cabo pela Relação constitui fundamentação essencialmente diferente e que, não obstante a coincidência decisória das instâncias, o recurso de revista é admissível, devendo conhecer-se do seu objecto.

II - Refira-se, antes de mais, a factualidade dada como provada nas instâncias e a modificação operada pela Relação: 1. No dia 14 de fevereiro de 2008, entre HH - Instituição Financeira de Crédito, S.A. e II - Jóias, Lda., foi realizado o acordo escrito cuja cópia se encontra a fls. 22 a 26, denominado "CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA MOBILIÁRIA, Processo n° 20…0", pelo qual aquela cedeu a esta diverso equipamento, pelo prazo de 36 meses, contra o pagamento de igual número de rendas mensais, sendo a primeira no montante de € 2.100,00, e cada uma das restantes trinta e cinco, no valor de € 377,68, automaticamente ajustadas a partir da segunda, inclusive, de acordo com a evolução da taxa euribor mensal; 2. O n° 1 da cláusula oitava do acordo referido em 1., tem a seguinte redação: «A LOCATÁRIA subscreverá e entregará à LOCADORA, na data da assinatura do presente CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA MOBILIÁRIA, livrança a favor da LOCADORA com montante e data em branco, avalizada por JJ e avalizada por BB, ficando a locadora com a faculdade de proceder ao respectivo preenchimento de acordo com o estipulado na Autorização de Preenchimento da Livrança»; 3. A sociedade II - Jóias, Lda., JJ e BB, não pagaram ao HH as rendas referidas em 1., vencidas a partir do dia 2 de maio de 2010, no valor global de € 3.976,19; 4. Em consequência do que o HH preencheu a livrança/caução cuja cópia consta e fls. 19, subscrita por II - Jóias, Lda., nela apondo: -o valor de €4.163,13; - como data de vencimento: 2011.11.07; e na qual os 1º e 2º réus, e ainda JJ, apuseram as suas assinaturas sob os dizeres "Bom para aval ao subscritor"; 5. Apresentada tal livrança a pagamento na data dela constante como sendo a do seu vencimento, a mesma não foi paga ao HH, nem então, nem posteriormente; 6. No dia 5 de abril de 2006, entre Banco KK, S.A., designada por KK, II - Jóias, Lda., designada por cliente, JJ, designado por gerente de livrança, e BB, designando por gerente de livrança, foi realizado o acordo escrito cuja cópia se encontra a fls. 35 a 40, denominado "Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente disponibilizado em Conta Crédito'", pelo qual o KK concedeu um financiamento à cliente, até ao montante máximo de € 100.000,00, sob a forma de abertura de crédito, em conta corrente, pelo prazo de 90 dias, comprometendo-se a reembolsar o saldo em dívida até ao termo daquele acordo; 7. A cláusula sétima do acordo referido em 6. tem a seguinte redação: «LIVRANÇA COM AVAL E ACORDO DE PREENCHIMENTO 1. Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades que advêm para o Cliente do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação para ele resultante do presente contrato, nomeadamente, e entre outras, o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que o Cliente seja titular ou contitular que tenham como origem obrigações resultantes para este do presente contrato, o Cliente entregou ao KK uma livrança devidamente subscrita e avalizada pelo(s) Garante(s), podendo o KK accioná-la ou descontá-la caso se verifique o incumprimento das obrigações assumidas.

2. O KK fica autorizado a preencher a referida livrança nos seguintes termos: a) data e vencimento - posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultem para o Cliente de celebração do presente contrato; b) valor - qualquer quantia devida pelo Cliente ao abrigo do presente contrato.

3. O(s) Garante(s) aceita(m) o acordo de preenchimento acima estabelecido e avaliza(m) a livrança nos...

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