Acórdão nº 7712/16.5T8PRT-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução01 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (1.ª Requerente) e BB (2.ª Requerente) instauraram, em 19/10/2016, procedimento cautelar comum contra a sociedade CC - Empreendimentos Hoteleiros, Lda.

, alegando, em resumo, que: .

A 1.ª e a 2.ª Requerentes são, respetivamente, proprietária da fração autónoma L e comproprietária da fração AL ambas do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do P… sob o n.º 28…/19… da freguesia de …, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida … n.º 47…, 48…e 4…, e na Rua de … n.º 43…, 4…9, 4…3 e 4…7; .

Por sua vez, a Requerida é arrendatária do prédio urbano contíguo àquele, sito na Avenida … n.º 4…8, 5…4 e 5…2 da mesma freguesia, de cuja caderneta predial consta que se destina a armazéns e atividade industrial; .

Porém, a Requerida destinou este imóvel a estabelecimento de restauração e bebidas, não dispondo das licenças necessárias ao seu funcionamento; .

As sobreditas frações autónomas das Requerentes têm vãos de janelas voltados para a parte posterior do edifício arrendado à Requerida, sendo afetadas pelo sistema de ventilação, exaustão e ar condicionado colocado ao nível do 2.º andar e cobertura daquele edifício e que não se encontram licenciados; .

Tais equipamentos são inestéticos e as respetivas condutas perturbam as Requerentes, de forma séria, grave e reiterada, devido ao ruído que produzem e às vibrações provocadas na estrutura do prédio em que se integram as frações daquelas; .

O estabelecimento da Requerida funciona também como espaço de diversão nocturna, com organização de diversos eventos e festas, alguns dos quais duram até altas horas da madrugada, causando um barulho ensurdecedor e impedindo o descanso das Requerentes.

.

Desse modo, o referido sistema de ventilação, exaustão e ar condicionado, bem como a utilização do estabelecimento da Requerida com atividades de diversão, violam os direitos ao repouso, ao descanso e ao sono das Requerentes, ínsitos nos seus direitos de personalidade garantidos pelos artigos 25.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 70.º, n.º 1, do CC, sendo ainda objeto de proteção nos termos dos artigos 3.º, 5.º, 7.º, n.º 2, alíneas b) e c), e 21.º da Lei n.º 19/2014, de 14-04, e do Dec.-Lei n.º 9/2007, de 17-02 (Regulamento Geral do Ruído) com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 278/2007, de 01-08.

Pediram as Requerentes que: i) – Fosse ordenado o encerramento de toda a atividade do estabelecimento da Requerida no dia imediato ou seguinte ao da notificação da decisão, devendo esta apresentar, no referido prazo, requerimento nos autos a declarar ter procedido a tal encerramento; Para a hipótese do não encerramento voluntário pela Requerida que fosse notificada a ASAE com vista ao encerramento coercivo do estabelecimento no prazo de cinco dias, o qual, subsidiariamente, poderá ser promovido pelas requerentes, indicando para o efeito o agente de execução (…) ii) – Fosse ordenada a remoção de todos os aparelhos e condutas dos sistemas de exaustão, ventilação e ar condicionado da fachada posterior e cobertura do prédio ocupado pela Requerida, remoção essa a executar pela e a expensas da mesma Requerida, a ocorrer no prazo máximo de 15 dias a contar da notificação da decisão, conforme proposta de despacho do Vereador com o Pelouro da Fiscalização e Proteção Civil no sentido da remoção de todos os aparelhos e condutas dos sobreditos sistemas, devendo a Requerida apresentar, no dito prazo, requerimento nos autos a declarar ter procedido à aludida remoção; Fosse notificada a Câmara Municipal do P… para, na ausência de remoção voluntária dentro do indicado prazo, tomar a posse administrativa do imóvel, nos termos dos artigos 107.º e 108.º do RJUE e proceder à remoção dos aparelhos no prazo de 30 dias a contar do incumprimento da Requerida; iii) – Fosse notificada a Requerida de que lhe fica vedado o direito de reabrir o estabelecimento enquanto não possuir, cumulativamente, licença de utilização do edifício em referência, exigíveis pelo RJUE, designadamente nos termos do artigo 6.º-A, n.º 2, alínea b), e licença para o exercício de atividade de restauração e bebidas, nos termos do Dec.-Lei n.º 10/2015, de 16-01, emitida pelas entidades competentes e bem assim o cumprimento da Lei Geral do Ruído, através da adoção de medidas de insonorização adequadas e eficazes; iv) - Subsidiariamente, para o caso de não proceder o pedido formulado em i), fosse ordenado o encerramento provisório do estabelecimento até que sejam adotadas as medidas de correção das alegadas incomodidades atestadas em relatório junto aos autos.

Após a implementação dessas medidas e antes da reabertura, seja a requerida obrigada a, previamente, promover a realização de relatórios de ensaio, através do Laboratório de Ruído da Câmara Municipal do P… que atestem a conformidade com a legislação em vigor, em diferentes horários, notificando as requerentes do mesmo; v) – Fosse ainda fixada à Requerida uma sanção compulsória, no montante diário de € 500,00, a favor das Requerentes, para o caso de incumprimento das medidas que forem decretadas.

  1. A Requerida deduziu oposição em que, além de impugnar os fac-tos alegados pelas Requerentes: .

    Invocou a exceção de incompetência absoluta, em razão da matéria, do tribunal judicial, por considerar que a causa se inscreve no âmbito da jurisdição dos Tribunais Administrativos, nos termos dos artigos 4.º do ETAF e 37.º, n.º 3, do CPTA.

    .

    Deduziu a exceção de incompetência territorial, por entender que, atenta a sede e administração principal da Requerida sita no Município de Penafiel, era competente o Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Este e não o do Porto; .

    Impugnou o valor da causa indicado pelas Requerentes, em função do que seria competente a secção cível da instância central; .

    Deduziu a intervenção principal de DD, comproprietária da fração da 2.ª Requerente, como associada desta, por considerar tratar-se de uma situação de litisconsórcio necessário. Concluiu a Requerida, no respeitante à exceção de incompetência material, pela sua absolvição da instância.

  2. As Requerentes responderam às exceções deduzidas e ao incidente de intervenção no sentido da sua improcedência, mas aceitaram a alteração do valor da causa com a consequente remessa dos autos à instância central cível. 4.

    Quanto ao valor do procedimento cautelar foi proferida a decisão reproduzida a fls. 253-255/v.º, de 12/07/2016, a fixar tal valor em € 169.720,01 e a declarar competente a Instância Central Cível do Porto.

  3. Subsequentemente, foi proferida a decisão reproduzida a fls. 459-469, datada de 23/09/2016, na qual foram julgadas improcedentes as exceções dilatórias de incompetência material e territorial e não foi admitido o incidente de intervenção principal deduzido pela Requerida.

  4. Inconformada com os segmentos decisórios respeitantes à incompetência material e à não admissão do incidente de intervenção principal, a Requerida apelou para o Tribunal da Relação do Porto que confirmou a decisão recorrida, conforme o acórdão de fls. 275-278, datado de 12/01/ 2017.

  5. De novo inconformada, a Requerida vem pedir revista sobre aqueles dois segmentos decisórios, invocando a violação das regras da competência em razão da matéria e ofensa do caso julgado, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - A presente revista vem interposta ao abrigo dos artigos 370.º, n.º 2, e 671.º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC com referência ao disposto no art.º 629.º, n.º 2, alínea a), do mesmo corpo de leis e tem por fundamento (i) a violação das regras de competência em razão da matéria; e (ii) a violação do caso julgado.

    2.ª - As requerentes sustentam a pretensão cautelar que deduziram na pretensa violação de diversas normas de direito do urbanismo e do ambiente, bem como a passividade e inoperância das autoridades municipais para pôr cobro a tais pretensas violações; 3.ª - A título meramente secundário e incidental, as recorridas invocam no pedido cautelar uma pretensa violação de seus direitos pessoais; mas a título principal a pretensão das recorridas é inequivocamente uma pretensão de tutela da legalidade urbanística e da lei geral do ruído; 4.ª - O objetivo prosseguido no processo cautelar pelas recorridas, aferido, como se impõe, pelo pedido e causa de pedir que deduzem - subingressa no âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos; 5.ª - Com efeito, a pretensão das requerentes, ora recorridas, recai exatamente no âmbito da previsão do art.º 37.º, n.º 3, do CPTA; 6.ª - Deste preceito legal resulta a atribuição à jurisdição dos tribunais administrativos da competência para conhecer de litígios entre particulares, no âmbito de relações de direito privado, em que venha invocada a lesão de direitos e interesses por uma conduta, do demandando, violadora de normas de direito administrativo sem que as autoridades administrativas competentes tenham, tempestivamente, atuado para pôr cobro à conduta do particular lesante. É esse precisamente o caso dos presentes autos.

    7.ª - O art.º 37.º, n.º 3, do CPTA é muito claro: na factispecie desta norma em causa litígios de direito privado entre particulares em que se verifica que a conduta de um particular, por ser violadora de normas de direito administrativo, é lesiva dos direitos (de direito privado) de outro particular, por esse via se submetendo um litígio privado entre particulares à jurisdição dos tribunais administrativos precisamente porque a ilicitude da conduta invocada como causa da lesão que se pretende fazer cessar, ou reparar, resulta da violação de norma de direito administrativo, em particular de normas do direito do urbanismo ou de direito do ambiente; 8.ª - Portanto, ainda que se esteja no quadro de uma relação de responsabilidade aquiliana envolvendo dois particulares, precisamente porque se invocou como fundamento da pretensa ilicitude do comportamento da recorrente a violação de diversas normas do Regime Jurídico da Urbanização e...

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