Acórdão nº 557/09.0GEVNG.P3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução28 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

No âmbito do processo comum que, sob o n.º 557/09.0 GEVNG, corria termos pela ….ª Vara de Competência Mista da Comarca de ... (agora, pela ....ª Secção Criminal, …, da Instância Central, Comarca do …), AA, devidamente identificada nos autos, foi submetida a julgamento por tribunal colectivo, acusada e pronunciada pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, após deliberação do Colectivo, foi proferido o acórdão datado de 02.10.2013 (fls. 617 e segs.) e depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, o tribunal colectivo decide: 1) Condena a arguida AA como autora material de um crime de homicídio simples p. e p. pelos artigos 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

2) Mais condena a arguida AA no pagamento da taxa de justiça de 4 UC’s e nas demais custas.

3) Pelos fundamentos constantes do precedente n.º III-3, suspende a execução da pena de prisão ora imposta à arguida, pelo período de 5 (cinco) anos, com sujeição ao regime de prova, ficando a arguida obrigada a submeter-se a acompanhamento médico».

  1. O Ministério Público interpôs recurso da decisão condenatória para o Tribunal da relação do … que, por acórdão de 12.03.2014 (fls. 704 e segs.), julgou procedente o recurso e determinou o reenvio do processo para novo julgamento, se bem que limitado à questão de facto que se enunciou.

  2. Regressado o processo à 1.ª instância, foi proferido, pelo mesmo Colectivo de juízes, acórdão datado de 10.07.2014 (fls. 746 e segs.) e depositado em 14.07.2014, com o mesmo dispositivo do anterior.

  3. Ainda inconformado, o Ministério Público interpôs novo recurso que, por acórdão da mesma Relação, foi, novamente julgado procedente, anulando-se o novo julgamento efectuado e o novo acórdão proferido e determinando-se «o reenvio do processo para novo julgamento a realizar pelo tribunal colectivo com a composição que resulte do cumprimento das regras estabelecidas nos artigos 426.º-A e 40.º, al. c), do Código de Processo Penal, sendo o novo julgamento limitado à questão já identificada no acórdão de 12.03.2014, aqui proferido, e devendo o novo acórdão a proferir satisfazer integralmente a exigência de fundamentação contida no n.º 2 do artigo 374.º do Cód. Proc. Penal, com exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Colectivo, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso interposto».

  4. Voltando o processo à 1.ª instância e realizado novo julgamento, foi proferido acórdão que condenou a arguida pela prática de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão.

  5. Inconformada, interpôs a arguida recurso para o Tribunal da Relação do … que, por acórdão de 9 de Novembro de 2016, confirmou na íntegra o acórdão proferido pelo tribunal colectivo.

  6. De novo inconformada, interpôs a arguida o presente recurso, rematando a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem[1]: «CONCLUSÕES: A. Não pode a Recorrente concordar com o douto Acórdão ora recorrido que negou provimento ao recurso interposto e manteve a sua condenação pela prática do crime de homicídio simples na pena de 8 (oito) anos e 3 (três) meses.

    1. Ao invés, e desde logo, sempre a conduta da Recorrente será de subsumir ao tipo de homicídio privilegiado, p. e p. no art. 133º do C.Penal.

    2. Ao invés do agora decidido, dos factos provados resultam, relativamente à pessoa da Recorrente e à sua tomada de resolução criminosa, que “envolvia” o pôr termos também à sua vida contemporaneamente com a do seu filho, por verificados os pressupostos daquele tipo legal previsto no art. 133º do C.Penal.

    3. Erradamente, afastou o Tribunal da Relação a verificação de uma emoção violenta, relativamente à pessoa da ora Recorrente, e ao porquê da sua apurada actuação, bem como, afastou igualmente a verificação de desespero naquela sua tomada de resolução.

    4. Ainda que fosse a própria Recorrente quem “empolava” os problemas de saúde do seu filho BB, a verdade é que, para ela, tais problemas eram sérios e persistentes, e causadores de grande sofrimento para aquele, daí resultando a sua resolução criminosa, tendente a por fim a um tal sofrimento.

    5. De igual modo, e ao arrepio do que se refere no Acórdão recorrido, não existiu um qualquer plano pensado e preparado pela Recorrente para tirar a vida ao seu filho, pois que, se assim fosse, nada teria deixado a Recorrente ao acaso e teria certamente concretizado o seu propósito de por termo também à sua própria vida.

    6. Ao agir como o fez, a Recorrente “reagiu” a mais um estado febril do seu filho e apossada da aludida emoção violenta e motivada por forte desespero, tendo a isso sido “conduzida”, de forma inevitável e inconsciente, em razão de perturbação psicológica de que padecia, sendo-lhe assim menos exigível um comportamento conforme ao direito.

    7. Donde, e porque no douto Acórdão ora recorrido se alude expressamente ao vertido na decisão proferida em sede de Acórdão proferido em 1ª Instância, será de reiterar tudo quanto anteriormente vertido em sede de recurso interposto daquele douto Acórdão.

      I. Os factos provados configuram-se como bastantes para se concluir pela verificação de uma «compreensível emoção violenta» e, bem assim, de verdadeiro «desespero» que diminuíram sensivelmente a culpa da Recorrente – cfr. art. 133º do C.Penal – encontrando-se assim justificado o tipo em causa.

    8. Como compreensível emoção violenta temos, como o refere Figueiredo Dias, a ocorrência do denominado “estado de afecto”, que condiciona as faculdades e capacidades do agente, empurrando-o para a desconformidade com o direito.

    9. Como o diz Eduardo Correia, e conforme sucedeu no caso presente, com o estado febril do BB, e a impotência que sentia a Recorrente para evitar uma tal situação e a “hiperbolização” da doença do filho, verifica-se a “conexão entre a emoção e o crime”, L. Assim sendo de ter por sensivelmente diminuída a culpa daquela, na medida em que, atento o seu estado emocional, a Recorrente ficou numa situação de exigibilidade diminuída, tendo actuado dominada pela sua própria revolta, sendo levada a actuar contrariamente àquilo que queria e sabia de direito.

    10. O aferir da compreensibilidade da emoção, por forma a se verificar se a mesma se configura então como aceitável, ocorrerá nos termos do padrão do homem médio, mas não do que faria esse homem médio perante situação similar, mas sim, se o mesmo não deixaria de ser sensível à situação em causa, até porque será sempre de efectivar sem ”perder de vista” o agente do crime, no caso a Recorrente, e a sua situação psicológica.

    11. Agiu ainda a Recorrente em «desespero», fundado em todos os pequenos episódios que foram acontecendo ao longo dos anos que o seu filho levava já de vida, com os constantes adoeceres e internamentos, e que a levaram a achar-se num “beco sem saída”, geradores de angústia, depressão e revolta.

    12. Sendo certo que, ainda que em razão de um qualquer “empolar” daqueles problemas de saúde do seu filho, derivados da perturbação psicológica de que a Recorrente padecida, para aquela não se “apresentava” qualquer alternativa tendente a por termo ao sofrimento do filho, que não a morte de ambos, P. Sendo essa sua “opção” de entender como menos censurável, assim diminuindo a sua culpa, em razão da sua preocupação quase obsessiva pelo estado de saúde do filho que culminou em verdadeiro «desespero», Q. O que, «significa e traduz um estado subjectivo em que a angústia, a depressão ou as consequências de factores não domináveis colocam o estado de afecto do sujeito no ponto em que nada mais das coisas da vida parece possível ou sequer minimamente positivo, de tal forma que se permite considerar, nas circunstâncias do caso, uma acentuada diminuição da culpa por menor exigibilidade de outro comportamento» - douto Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 14.07.2010 (proferido no âmbito do Proc. 408/08.3PRLASB.L2.S1, disponível in www.dgsi.pt) (negrito e sublinhado nossos), R. Sem descurar que, «No desespero despontam estados de afecto ligados à angústia, à depressão ou à revolta. Podem referir-se os casos de suicídios da mãe que tenta matar-se com os filhos, para lhes poupar sofrimentos, mas que acaba por sobreviver-lhes (Ac. STJ de 28/09/2005 (05P2537); e Ac. STJ de 14/07/2010 (408/08.3) – Cfr. Código Penal Anotado, de M. Miguel Garcia e J.M. Castela Rio, da BDJUR, 2014, págs. 522 e 523 (negrito e sublinhado nossos).

    13. Tudo isto, bem como a consequente diminuição sensível da sua culpa, resulta das declarações da própria Recorrente, das quais resulta claro o pânico em que vivia, o sofrimento de que entendia padecer o seu filho e, ainda, o seu completo “esgotamento” nervoso.

    14. Nos termos em que a mesma foi tida como provada, com a morte do BB a surgir da tentativa da Recorrente em pôr conjuntamente fim à sua própria vida, a factualidade assente é claramente demonstradora do «desespero» da Recorrente, o qual se “apresentava” como bastante a diminuir sensivelmente a sua culpa, U. “Afastando” assim a conduta da Recorrente do tipo de homicídio simples e “integrando” a mesma no homicídio privilegiado, pois que estamos perante situação distinta da que previu o legislador, em que o autor do facto criminoso tenta conjuntamente com a morte de outrem o seu próprio suicídio.

      SEM PRESCINDIR, V. E sem conceder do exposto, atentos os fundamentos invocados, sempre haverá que referir ainda que, não pode a Recorrente concordar com o facto de não haver o Digníssimo Tribunal “a quo” decidido pela “aplicabilidade” da figura da atenuação especial da pena, nos termos do disposto do art. 72º do C.Penal.

    15. Porque a morte do BB resultou de uma conduta da Recorrente também destinada a pôr termo à sua própria vida, sempre será de concluir que as...

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