Acórdão nº 11403/15.6T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução19 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO l.

AA - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, anteriormente denominado BB – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, gerido e legalmente representado pela CC – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento SA, anteriormente designada DD - ... Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra o Banco EE, S.A., invocando créditos emergentes de garantias autónomas emitidas pelo R. a favor do A., cujo pagamento este accionou, recusando o R. o cumprimento dessas garantias.

Conclui pedindo que o R. seja condenado a pagar-lhe a quantia global de € 853.664,90, acrescida de juros de mora até integral pagamento, os quais ascendem, na data da instauração da acção, a € 35.993,10.

  1. Contestou o R., aceitando ter prestado as garantias bancárias em causa, mas alegando terem as mesmas caducado em virtude do decurso do respectivo prazo e em consequência das negociações concluídas e aprovadas em processo especial de revitalização do ordenador, sendo que sempre constituiria abuso de direito do A. vir reclamar a totalidade do valor garantido, quando naquele processo especial de revitalização da ordenante reclamou desta créditos apenas no valor de € 112.816,00.

    Conclui pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos formulados.

  2. Foi proferido despacho saneador.

    Procedeu-se ao julgamento e veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o R. do pedido.

    Inconformado, o Autor AA - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 9 de Março de 2017, revogou a sentença e condenou o Réu a pagar ao A. a quantia de 853.664,90 Euros, acrescida de juros de mora, desde 02.10.2014, até integral pagamento.

  3. Inconformado, o Réu, Banco EE, S.A., recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: 1ª.

    O presente recurso de revista é interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que, dando guarida a um tema novo introduzido pela Recorrida na 2a Instância, revogou a Sentença da 1ª Instância e condenou o Recorrente (anteriormente absolvido) a pagar à Recorrida mais de € 850.000,00.

    1. O tema novo introduzido pela Recorrida em sede de 2a Instância consistiu na invocação da nulidade das disposições do Plano homologado no PER da Ordenante (de que o Recorrente era garante), face ao art. 217°.4 do CIRE.

      Sobre esta questão, fizeram-se três reflexões, 3ª. Na petição inicial e de acordo com os documentos que a acompanharam, bem como ao longo de todo a tramitação processual durante a 1ª Instância, a Recorrida jamais pôs em causa a validade, eficácia e aplicação das disposições do Plano homologado no referido PER.

    2. Por isso, a Recorrida aceitou sempre (em sede de 1ª Instância) que o prazo de validade das Garantias que se apreciam nos autos tivesse sido diminuído de cinco anos para dois anos e meio (nisso consistiu uma das disposições do Plano).

    3. A única questão em que as partes estavam em desacordo dizia respeito ao momento em que esse prazo de dois anos e meio se iniciava: -a data da recepção provisória da obra (como estava contratualmente previsto e como o Recorrente sempre defendeu), ou a data do trânsito em julgado da decisão que homologou o Plano da Ordenante (como defendeu a Recorrida).

    4. - Nas alegações de recurso para a Relação, os factos (e, de entre eles, a causa de pedir) e o enquadramento jurídico mudaram completamente: - Afinal, a disposição do Plano de Recuperação da Ordenante que incluía as garantias bancárias em causa era nula, por força do art. 217°.4 do CIRE, assunto que jamais fôra abordado durante a 1ª Instância.

    5. Ora, os Tribunais da Relação são, por regra, tribunais de recurso, não podendo conhecer de questões novas, que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

    6. Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida.

    7. Nesta conformidade, entende o Recorrente que o Tribunal da Relação do Porto violou os arts. 3°. 3, 147°. 1, 552°. l. d) e e), 609°.1 e o art. 615°. l. d) (parte final) e e), todos do CPC, nulidades estas (as do último comando normativo citado) que, assim, se arguiram nos termos do art. 674° . l. c) do CPC.

    8. Na verdade, parece inadmissível que, na petição inicial, a Recorrida tenha sustentado uma tese fáctica e jurídica baseada na válida eficácia das disposições do Plano em relação às garantias e, no recurso para a Relação, a então Recorrente (que nem parecia a Autora), tenha sustentado uma tese fáctica e jurídica baseada na nulidade dessas mesmas disposições desse mesmo Plano.

    9. Mesmo admitindo-se que o Tribunal da Relação do Porto podia conhecer do tema, por o mesmo ser essencialmente jurídico, tal tribunal não atendeu aos factos em que as partes estavam de acordo, os quais se deram como provados, que permitiam concluir, com segurança, que a Recorrida dera o seu assentimento manifesto às disposições do Plano, concretamente, dera o seu assentimento à diminuição para metade do prazo de validade das garantias.

    10. Ao dar o seu assentimento às disposições do Plano, as mesmas são-lhe aplicáveis, não podendo a Recorrida suscitar a questão que suscitou perante o Tribunal da Relação do Porto.

    11. O Tribunal da Relação do Porto violou o princípio do dispositivo, o princípio do pedido e o princípio da substanciação.

    12. Ao pretender, no recurso de apelação, a declaração de nulidade das disposições do Plano, quando, na petição inicial, confirmara a validade das mesmas, tal implica que a Recorrida se situou fora dos limites que ela mesma traçou e, consequentemente, que as leis processuais lhe impunham.

    13. Subsidiariamente (sobre este tema), o Recorrente defendeu que as medidas aprovadas no PER da Ordenante não afectaram, nem a existência jurídica, nem o montante dos direitos de crédito da Recorrida.

    14. Da matéria de facto dada como provada, resulta qua a singela alteração que se introduziu na dimensão jurídica das garantias foi de natureza temporal ou cronológica: - a duração das suas validades.

    15. E tal condicionante não é intolerável, nem excessiva, justificando-se em prol da revitalização de todos os devedores com os Planos de Recuperação e tendo em consideração os objectivos que estiveram na origem da legislação aprovada a propósito do PER.

    16. Assim se podendo concluir que o plano aprovado não colide com o art.º. 217°. 4 do CIRE.

      20ª. Na contestação, o Recorrente alegou (fundamentadamente, mas de forma supletiva) que o accionamento judicial das garantias correspondia a um autêntico abuso de direito e a uma violação dos princípios da boa-fé e da ordem pública.

    17. Na verdade, no PER da Ordenante, a Recorrida reclamou o crédito de € 112.816,00 (o que resulta da matéria de facto dada como provada), mas, na presente acção, a mesma Recorrida somou os LIMITES MÁXIMOS POSSÍVEIS das três garantias e pediu a condenação do Recorrente no pagamento dessa soma aritmética, no valor de € 853.664,90.

    18. Ora, o recorrente obrigou-se a pagar ao Beneficiário, todas as quantias devidas pelo Ordenante, ATÉ aos limites contantes dessas mesmas garantias: ATÉ € 414.228,14 nas 1ª e 3ª garantias e ATÉ € 25.208,61 na 2ª garantia. Não se obrigou a pagar essas quantias. Obrigou-se a pagar as quantias que fossem devidas até esses montantes, o que é substancialmente diferente.

    19. Na reclamação de crédito no PER da Ordenante (matéria que está dada como provada nos presentes autos), a Recorrida alegou que após a conclusão da obra verificaram-se diversas anomalias (conforme consta de um relatório), que a reparação destas anomalias foi assumida pela Devedora, que esta não procedeu às reparações necessárias, pelo que a Recorrida viu-se forçada a recorrer a empreiteiro externo para proceder à reparação dos defeitos detectados e que tal reparação importava no montante global de € 112.816,00, o qual se discriminou.

    20. Por isso, é irrelevante (e corresponde a um subtil aproveitamento) invocar que, no art.º. 13° dessa reclamação, se referiu que o orçamento consubstanciava uma mera previsão do custo das reparações, quando, antes, a Recorrida dissera que já se vira forçada a recorrer a empreiteiro externo para proceder às reparações dos defeitos detectados.

    21. Com esse subtil argumento do art.º 13° da Reclamação, a Recorrida pretende que o seu crédito cresça de € 112.816,00 para € 853.664,90, o que representa um aumento absurdo de mais de 700%.

      27º. O art. 13ª da Reclamação foi apenas incluído nessa peça para justificar a inexistência de qualquer recibo de pagamento desses € 112.816,00.

    22. Portanto, as quantias em dívida à Recorrida (cujo pagamento foi garantido) são as que ela reclamou em sede judicial própria, ou seja, no PER do Ordenante, no dito valor de € 112.816,00.

    23. Confrontados os valores, não há dúvidas: - Estamos perante um autêntico caso de abuso de direito.

    24. - A autonomia da garantia (mesmo esta on first demand) não é absoluta, mas limitada, pois que os fundamentos da recusa podem ter por base a sua relação com o beneficiário.

    25. As excepções que emanam da relação de garantia autónoma propriamente dita podem ser usadas pelo garante contra o beneficiário, podendo aquele recusar o cumprimento da prestação quando tal cumprimento represente uma violação da ordem pública e (ou) um abuso evidente e isso não colide com a circunstância de, nesta garantia autónoma, o garante não poder, por regra, opor ao garantido (beneficiário) os meios de defesa ou excepções decorrentes das relações credor-devedor no contrato-base (a chamada "relação principal").

    26. Pretender receber (ao desejar accionar, sem mais, as Garantias pelos seus montantes máximos possíveis) € 853.664,90 equivale a um absoluto abuso de direito e a uma pretensão manifestamente contrária à ordem pública e aos bons costumes, já para não dizer a um verdadeiro enriquecimento sem...

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