Acórdão nº 1333/14.4TTLSB.L2.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelGONÇALVES ROCHA
Data da Resolução12 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1--- O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente acção especial para reconhecimento de contrato de trabalho, contra AA– …, SA, pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho entre a ré e BB.

Alegou para tanto que a R utilizou indevidamente um “contrato de prestação de serviço” que celebrou com a mencionada trabalhadora, pois a actividade profissional desenvolvida por esta assume todas as características dum contrato de trabalho subordinado. A ré foi citada e contestando alegou que: - São inconstitucionais as normas processuais que atribuem ao Ministério Público legitimidade para a acção independentemente do interesse do titular do direito que a mesma pretende acautelar, por violação dos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual; - O contrato em causa é um contrato de prestação de serviço.

Procedeu-se a julgamento e, a final, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido contra si formulado.

Inconformado, apelou o Ministério Público, tendo o Tribunal da Relação acordado (com um voto de vencido) em julgar a apelação procedente, pelo que e, revogando a sentença recorrida, declarou a existência, a partir de 28/10/2013, de um contrato de trabalho subordinado, entre BB e a ré AA-…, SA.

É agora esta que, irresignada, nos traz revista, cuja alegação remata com as seguintes conclusões: 1.ª A Recorrente apela do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a fls. .

  1. A Recorrente entende que o Tribunal a quo aplicou incorrectamente o Direito aos factos provados, ao considerar que a relação contratual mantida entre esta e a Enfermeira BB configura contrato de trabalho.

  2. A sentença ora revogada pelo acórdão recorrido – que havia concluído no sentido da improcedência do pedido formulado nos autos – analisou, de forma detalhada e desenvolvida, a questão em apreço, fazendo uma apreciação cuidada e devidamente fundamentada de todos os indícios provados nos autos e da sua relevância (ou não) para a decisão da causa.

  3. O que, salvo o devido respeito, contrasta, de forma evidente, com a escassa (ou quase inexistente) fundamentação constante do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de que ora se recorre. 5.ª Com efeito, o Tribunal a quo limita-se a fundamentar a decisão por remissão para aresto do mesmo Tribunal, proferido no âmbito de outro processo judicial, que, embora respeitante à Recorrente, apresenta, salvo melhor opinião, diferenças assinaláveis quanto ao núcleo fundamental da factualidade provada.

  4. Acresce que o aresto para o qual remete o acórdão recorrido constitui decisão claramente minoritária na jurisprudência, tendo em conta as diversas decisões jurisprudenciais que, analisando a relação contratual mantida entre a Recorrente e os enfermeiros que lhe prestam serviços, concluíram no sentido da existência de contrato de prestação de serviços.

  5. Decisões essas – incluindo de tribunais superiores – que parecem ter sido ignoradas pelo Tribunal a quo, que nenhuma referência faz na sua fundamentação às mesmas (sendo certo que essa referência também não resulta do acórdão para o qual remete).

  6. De notar ainda que o acórdão recorrido não foi tirado por unanimidade, o que também evidencia a falta de consenso relativamente ao sentido da decisão nele proferida.

  7. Com efeito, a Senhora Desembargadora … votou vencida, por considerar – e bem – que “em face da matéria assente, resta-nos concluir que a execução do contrato, na prática, não se mostra incompatível com a qualificação jurídica que foi feita pelas partes, pelo que, em termos globais, os elementos que também podem ser considerados indícios de subordinação jurídica, não são, em nosso entender, suficientes para qualificar a relação como juslaboral”, entendimento que a Recorrente subscreve na íntegra.

  8. Assim, entende a Recorrente que a questão jurídica em causa nos autos – relativa à qualificação da relação contratual mantida entre esta e BB – não foi devidamente apreciada pelo Tribunal a quo em face da factualidade provada. Com efeito, 11.ª Partindo das respectivas definições legais, é possível detectar três diferenças essenciais entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços: (i) quanto ao objecto, (ii) quanto à remuneração e (iii) quanto à existência ou não de subordinação jurídica.

  9. O critério do objecto do contrato não permite, muitas vezes, distinguir os dois tipos contratuais, pois existem casos em que é difícil saber o que realmente se prometeu – se a actividade em si ou o seu resultado.

  10. Para além de que existem actividades que, pela sua natureza, são susceptíveis de serem levadas a cabo, quer num quadro de subordinação, quer em termos autónomos (como é o caso, precisamente, dos enfermeiros).

  11. Atentas as referidas dificuldades, doutrina e jurisprudência encontram na subordinação jurídica o critério decisivo para qualificar determinada relação jurídica como de trabalho subordinado.

  12. Para aferir da existência de subordinação jurídica do trabalhador, é necessário atender a factores susceptíveis de revelar aquela situação, i.e., os denominados indícios de subordinação jurídica.

  13. No que respeita ao ónus da prova desses indícios, alegando o Ministério Público que a relação contratual mantida entre a Recorrente e BB configura verdadeiro contrato de trabalho, cabia-lhe fazer a prova dos factos constitutivos daquele direito (cfr. artigo 342.º/1 do Código Civil).

  14. O que, salvo o devido respeito, não sucedeu.

  15. Sem prejuízo do respeito devido por entendimento distinto, entende a Recorrente que não é aplicável ao caso sub judice a presunção de laboralidade, prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho, uma vez que se trata de acção desencadeada e levada a cabo por autoridade administrativa.

  16. A aludida presunção de contrato de trabalho tem como destinatários os trabalhadores, visando facilitar-lhes a prova do vínculo laboral, pelo que apenas por estes pode ser invocada.

  17. A presente acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho foi proposta pelo Ministério Público, na sequência de participação da ACT, sendo que, in casu, a Enfermeira BB manifestou claramente a sua intenção de estabelecer contrato de prestação de serviços com a Recorrente, por não poder manter relação de trabalho subordinado com a mesma (cfr. acta da audiência de partes realizada em 2 de Julho de 2015).

  18. Pelo que, em caso algum, se pode sustentar que a aludida presunção opera em benefício da referida Enfermeira.

  19. Conforme tem entendido a jurisprudência, a referida presunção não pode ser utilizada em benefício de autoridade pública, como o Ministério Público ou a ACT.

  20. Ainda que se entendesse que a referida presunção é aplicável ao caso concreto, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, sempre se teria de considerar que, no caso concreto, a Recorrente ilidiu aquela presunção, demonstrando que a relação mantida com a Enfermeira BB configura verdadeiro contrato de prestação de serviço.

  21. Entre a Enfermeira BB e a Recorrente foi celebrado contrato escrito de prestação de serviço [cfr. factos provados sob os n.ºs 11) e 12)].

  22. A vontade contratual da Enfermeira BB, no momento da celebração do contrato com a Recorrente, foi a de acordar prestação de serviço juridicamente autónoma.

  23. BB quis o contrato que celebrou com a Recorrente, com a configuração que lhe foi dada pelas partes no momento da respectiva celebração.

  24. Isso mesmo se comprova pelas declarações prestadas pela enfermeira (cfr. acta da audiência de partes realizada em 2 de Julho de 2015) e, bem assim, pela factualidade provada nos autos [cfr., em particular, os factos assentes sob os n.ºs 62), 63) e 65)]. 28.ª Também o clausulado do contrato aponta no sentido de a vontade das partes ter sido a de estabelecer relação de trabalho autónomo.

  25. Acresce que a Enfermeira BB manteve a mesma vontade durante a vigência de toda a relação contratual com a Recorrente, nunca se tendo arrogado trabalhadora desta nem reclamado quaisquer consequências daí decorrentes [cfr. facto provado sob o n.º 64)].

  26. Tendo as partes subscrito um contrato de prestação de serviços e não sendo alegado nem provado qualquer facto susceptível de pôr em causa a sua liberdade contratual, haverá, à partida, que respeitar a sua vontade, conforme tem entendido a doutrina e jurisprudência.

  27. Não restam, portanto, dúvidas de que as partes pretenderam celebrar contrato de prestação de serviços, sendo as respectivas vontades reais elemento essencial para efeitos de determinação da natureza do vínculo contratual existente entre a Recorrente e a Enfermeira BB.

  28. O modo como a Enfermeira BB prestava, na prática, a sua actividade confirma a existência de contrato de prestação de serviço.

  29. Da factualidade provada nos autos, os únicos traços característicos que revelam alguma proximidade com a configuração típica do contrato de trabalho são a prestação em instalações do beneficiário da actividade e a disponibilização por este de equipamentos necessários à mesma.

  30. Atenta a natureza e especificidades dos serviços em causa [cfr. factos assentes sob os n.ºs 14) a 26)], não seria viável que os mesmos fossem prestados noutro local, nem com recurso a equipamentos próprios do prestador.

  31. Tendo inclusivamente sido dado como provado nos autos que os serviços têm de ser prestados nas instalações da Recorrente e com recurso a equipamentos pertencentes a esta [cfr. facto assente sob o n.º 21)].

  32. Por isso, os indícios referidos supra na conclusão 33.ª assumem, no caso em apreço, escasso significado, não podendo relevar para efeitos de qualificação da relação contratual em causa.

  33. O valor dos honorários pagos à Enfermeira BB variava em função do número de horas de serviço prestadas, apenas sendo devidos quando aqueles serviços são efectivamente prestados e na medida dessa prestação [cfr. factos provados sob os n.ºs 48), 52) a 54)].

  34. A Enfermeira BB não auferia...

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