Acórdão nº 89/08.4TBVLF.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução12 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – O Banco AA, S.A..

intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB, sua mulher, CC e a filha de ambos DD, alegando, em síntese, que: É credor do réu no montante de, pelo menos, €3 249 856,92, sendo legítimo portador de livranças avalizadas por este que, com juros de mora, ascendem àquele montante global; No dia 13 de Fevereiro de 2006, através de doação constante da escritura notarial outorgada no Cartório Notarial de V… N… F… C…, os réus BB e mulher CC declararam doar à ré DD os 19 prédios que identifica no artigo 1.º da petição inicial; Essa doação foi feita com o exclusivo propósito, comum a todos os intervenientes, de defraudar e prejudicar o autor; Foi a forma que os réus BB e mulher utilizaram para dissiparem o seu património e assim se furtarem ao pagamento das responsabilidades do primeiro para com o autor.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir que seja declarado nulo e de nenhum efeito o aludido contrato de doação constante da escritura notarial de 13 de Fevereiro de 2006, ordenando-se o cancelamento da inscrição no registo predial respeitante à aquisição de tais imóveis a favor da ré DD, e, subsdiariamente, seja declarada ineficaz essa doação, ficando o autor, no que for necessário para satisfazer o seu crédito, com o direito de praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei e os de executar esses imóveis no património da ré DD.

Os réus contestaram, sustentando, em resumo, que: A ré CC nada deve ao autor; A doação foi um negócio pretendido por todos os intervenientes e a decisão dos réus BB e mulher de doar os prédios à sua filha foi feita com o intuito de facilitar as partilhas, sendo que aquela não tinha conhecimento da alegada dívida; O réu BB desconhecia o significado da palavra aval quando as livranças dos autos lhe foram dadas para assinar, bem como as suas implicações; O autor não cumpriu o dever de informação quanto ao clausulado dos contratos de empréstimo, tendo as livranças sido objecto de preenchimento abusivo; O acordo de renovação e alteração da facilidade de crédito em relação ao réu BB é ineficaz, já que não foi assinado em conformidade com o que nele consta; O aval é nulo por indeterminabilidade do seu objecto, não sendo possível estabelecer através dos contratos quais os créditos que visavam acautelar.

Com tais fundamentos, concluíram pela improcedência total da acção, ou, pelo menos pela sua improcedência na quota-parte respeitante à meação da ré CC.

Replicou o autor a pugnar pela validade do aval e pelo pleno conhecimento do réu BB, a quem foram prestados as informações e esclarecimentos necessários à concretização e renovação dos contratos, de que se estava a obrigar pessoalmente pelo pagamento de todas as quantias mutuadas, mantendo a sua posição inicial.

Na pendência da causa, faleceu o réu BB, tendo sido habilitadas a prosseguir os termos da demanda, no lugar do falecido, as duas rés (viúva e filha).

Foi admitida a substituição do Banco AA, S.A., pelo Banco EE, S.A., passando este a figurar como autor.

Foi elaborado despacho saneador, seguido de selecção da matéria de facto já assente e organização da base instrutória.

Após a audiência final, foi proferida sentença, datada de 01.09.2016, a julgar a acção procedente e a declarar nulo e de nenhum efeito o contrato de doação, ordenando também o cancelamento das respectivas inscrições registais a favor da ré DD.

Apelaram as rés, tendo a Relação de Coimbra, após alterar alguns pontos da matéria de facto, revogado a sentença na parte em que declarou nula a doação, por simulação, e, conhecendo do pedido subsidiário inicialmente formulado, julgou-o procedente, por considerar que se verificam os requisitos da impugnação pauliana, “determinando a ineficácia da doação, em relação ao autor, reconhecendo a este o direito de praticar os actos de conservação da garantia patrimonial e de executar os imóveis doados no património da ré DD”.

Persistindo inconformadas interpuseram as rés recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as seguintes conclusões: 1.° - O autor juntou com a sua petição inicial os documentos n.°s 25, 26, 27.

  1. - Tais documentos correspondem aos designados contratos de abertura de crédito em conta corrente, nos quais na respetiva cláusula 7 - B consta o pacto de preenchimento que o autorizou a preencher as livranças entregues em branco a BB.

  2. - Anexo a tais documentos encontram-se três cartas cujo assunto é a renovação e alteração da facilidade de crédito em conta corrente.

  3. - No seu recurso para o Tribunal recorrido, as recorrentes invocaram que BB não assinou a renovação de tais contratos na qualidade de garante, mas apenas na qualidade de membro da direcção da Adega Cooperativa de … pelo que os referidos contratos não se renovaram relativamente ao aval prestado por aquele.

  4. - O Tribunal recorrido considerou no entanto que: "Contudo, não se alegou e consequentemente não se provou, e o ónus da prova recaía sobre as Rés, que os montantes inscritos pelo Autor naquelas livranças respeitavam a obrigações mutuárias constituídas após a referida renovação/alteração e não a obrigações mutuárias constituídas na fase de vigência inicial daqueles contratos, pelo que não está demonstrado que o Autor ao preencher as referidas livranças tenha violado os pactos de preenchimento constantes desses contratos."(Pág. 40 da sentença recorrida).

  5. - Sucede que quer a recorrida (artigos 19.° e 20.° da petição inicial), quer as recorrentes (artigos 94.° a 102,° da contestação) alegaram factos dos quais resultou a prova dos factos provados em 13, 14, 23, 24, 25 e 26.

  6. - De tais factos resulta que o incumprimento dos contratos juntos como documentos n.°s 26, 27 e 28 com a petição inicial, ocorreu no dia 02 de Abril de 2006 e que a renovação/alteração ocorreu no dia 12 de Setembro de 2002, ou seja cerca de 3 anos e 7 meses antes do incumprimento.

  7. - Torna-se assim manifesto» ao contrário do que se afirma na sentença recorrida, que os montantes inscritos pela recorrida nas livranças respeitavam a obrigações mutuárias constituídas após a referida renovação/alteração e não a obrigações mutuárias constituídas na fase de vigência inicial daqueles contratos.

  8. - Fica assim demonstrado, relativamente aos contratos juntos como documentos n.° 26, 27 e 28 com a petição inicial, que a recorrida violou os pactos de preenchimento constantes desses contratos por neles fazer constar obrigações mutuárias constituídas após a renovação/alteração.

  9. - Acresce ainda que, de acordo com a cláusula 9.ª, n.° 1 dos contratos de abertura de crédito em conta corrente, qualquer alteração ao presente contrato teria de ser acordada por escrito entre todos os contraentes incluindo o garante.

  10. - A cláusula 2.ª, n.° 2 dos contratos de fls. prevê o seguinte; "A denúncia do presente contrato far-se-á por carta registada com aviso de recepção enviada, com a antecedência mínima de quinze dias em relação ao fim do período em curso, para o domicilio constante do numero dois da cláusula com a epígrafe "Domicilio Electivo e Notificações." 12.° - A recorrida juntou aos autos os documentos n.ºs 29 e 30 com a petição inicial.

  11. - Tais documentos correspondem às cartas de denúncia de cada um dos contratos juntos como documentos n.ºs 25, 26, 27 e 28 com a petição inicial.

  12. - Sucede que, ao arrepio da referida cláusula 2ª, n.° 2, os contratos não foram denunciados através de carta registada com aviso de recepção.

  13. - Com efeito» não consta dos autos qualquer registo das referidas cartas, tão pouco o aviso de recepção assinado por BB.

  14. - Competia à recorrida o ónus da prova do cumprimento da cláusula 2.ª, n.° 2 dos contratos, ou seja que denunciou os contratos em obediência aos respetivo clausulado, enviando carta registada com aviso de recepção a BB.

  15. - Não tendo sido feita prova desse envio, os contratos não foram objeto de denúncia, pelo que sem prejuízo da invocada falta de renovação relativamente aos contratos juntos como documentos n.°s 26, 27 e 28 com a petição inicial, os mesmos e ainda o contrato junto como doc. n.° 25, encontram-se ainda em vigor, uma vez que se devem considerar como sucessivamente renovados até à presente data, sem que qualquer partes os tenha denunciado. (cláusula 2.ª, n.° 1 dos aludidos contratos).

  16. - Acresce ainda que as cartas juntas como documento n.° 29 e 30 com a petição inicial correspondem à declaração de vencimento antecipado prevista na cláusula 11.° do contrato junto como doc. n.° 25, e na cláusula 10.° dos contratos juntos como doc. n,° 26, 27 e 28 todos com a petição inicial.

  17. - Sucede que o n.° 2 das aludidas cláusulas previa que a declaração fosse feita por carta registada com aviso de recepção enviada para o domicilio, in casu, de BB.

  18. - Ora, não consta dos autos o documento de registo e o aviso de recepção assinado por BB, sendo que o ónus da prova de tais factos competia à recorrida.

  19. - Face ao exposto, não se encontravam vencidos os montantes inscritos nas livranças à data do seu preenchimento, pelo que ao preencher tais montantes a recorrida violou o pacto de preenchimento previsto na cláusula 7.° e 7.° B dos aludidos contratos.

  20. - Em resumo a recorrida não respeitou as cláusulas 9.° n.° 1, 2,° n.° 2, 10.° e 11.° dos contratos juntos como documentos n.°s 25, 26, 27 e 28 com a petição inicial, 23.* - Ao preencher as livranças em clara violação do aludido clausulado, a recorrida não respeitou o pacto de preenchimento acordado na cláusula 7.ª e 7.ª B dos referidos contratos.

  21. - Pelo que a decisão do Tribunal recorrido violou assim o disposto nos art-ºs, 10,° 33.° e 77.° da Lei Uniforme de Letras e Livranças e o artigo 406.°, n.° 1 do Cód. Civil, incorrendo em erro de aplicação de lei substantiva.

    25,° - Acresce que dos factos provados não é possível concluir que BB tenha praticado actos no exercício do comércio, já que nem mesmo a qualidade de comerciante lhe pode ser atribuída.

  22. - Daí que não seja...

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