Acórdão nº 71/16.8YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução25 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, na Secção de Contencioso, do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: A Drª.

AA, Juíza ..., inconformada com a Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, datada de 27 de Setembro de 2016, que declarou a sua definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função e inaptidão profissional e, em consequência, lhe aplicou, no processo disciplinar nº 2013/290/PD, a pena de aposentação compulsiva veio interpor recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 168º do EMJ, pedindo que fosse declarada nula por violação do princípio constitucional da audiência prévia e por violação de caso julgado, ou, caso assim se não venha a entender, a sua anulação por erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais.

Para fundamentar o recurso alegou, em síntese, que: - A deliberação impugnada foi proferida em execução do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Junho de 2016, proferido no Processo nº 16/14.0YFLSB -Secção do Contencioso; -Tal acórdão declarou a nulidade da deliberação do Plenário do CSM, de 11 de Março de 2014, que decidiu aplicar à recorrente a pena disciplinar de aposentação compulsiva pela violação dos deveres de zelo e de actuação no sentido de criar no público confiança na administração da justiça; - Na impugnação desta deliberação a recorrente invocou (i) a prescrição do procedimento disciplinar, (ii) a violação do princípio non bis in idem, (iii) a não verificação do tipo objectivo do ilícito, (iv) a inexigibilidade de outro comportamento ou, quando assim se não entendesse, a atenuação especial da sua responsabilidade; - A deliberação ora impugnada voltou a decidir as matérias da prescrição e da violação do princípio non bis in idem sobre as quais já havia caso julgado e reproduziu o teor da anteriormente declarada nula quer quanto à matéria do invocado erro manifesto nos pressupostos de facto, quer quanto à não exigibilidade de outro comportamento.

- Em particular, a deliberação de 11 de Março de 2014 foi declarada nula pelo facto de ter considerado para aplicação da pena de aposentação compulsiva o atraso em processos judiciais que já tinha sido objecto de apreciação noutro processo disciplinar, em violação do princípio non bis in idem; - Na deliberação ora impugnada esses processos foram retirados, o que implicou uma redução no elenco de processos e, por conseguinte, uma acusação diferente; - Sobre a qual a recorrente não foi ouvida, em violação do direito de audição prévia, o que acarreta a nulidade da deliberação impugnada, nos termos da al. d) do n.º 2 do artigo161º do CPA; - A deliberação é ainda nula, nos termos do disposto na al. i) do n.° 2 do artigo 161.°, do CPA, por ofensa do caso julgado, na medida em que não cumpriu o acórdão do STJ na parte em que determina que os atrasos processuais anteriores só podem ser considerados como antecedente disciplinar, no âmbito do presente processo disciplinar relativamente aos factos praticados pela recorrente a partir de 22/11/2012, sem prejuízo do período de baixa médica e férias judiciais (22/10/2012 a 21/12/2012); - Os prazos processuais são meramente ordenadores e nem sempre podem ser cumpridos, pelo que não se poderá considerar uma infracção o simples incumprimento reiterado desses prazos sem a imputação de outros comportamentos culposos; - Sancionar a recorrente com fundamento na violação do dever de zelo apenas com base na existência de atrasos, sem nada se referir quanto às causas subjacentes, constitui uma interpretação inconstitucional do artigo 3.° n.°2, als. e) a g), e n.ºs 7 a 9 do EDTFP por violação do direito de defesa e do princípio da presunção de inocência consagrados nos artigos 32.°, n.°2 e 269.°, n.°3, da Constituição; - O contexto em que prestou o seu serviço justifica a inexistência de ilícito disciplinar; - Em primeiro lugar o Tribunal de ... é um juízo com níveis de distribuição elevados; - Em segundo lugar as constantes alterações legislativas, com os inerentes problemas de aplicação da lei no tempo; - Por fim, a situação pessoal da recorrente não lhe permitia outro comportamento alternativo; - Pelo que a deliberação em causa incorreu em erro manifesto nos pressupostos de facto, não poder ser exigido por outro comportamento à recorrente, sendo a mesma anulável, nos termos do artigo163º do CPA; - Acresce que a situação pessoal está a ser debelada, tendo apenas atravessado um período difícil de perturbação da sua vida familiar, agravada pela ansiedade de saber não estar a corresponder a um nível de desempenho consentâneo com o que seria esperado, que a levou, por duas vezes, a entrar de baixa médica e acompanhamento em consulta psiquiátrica com toma de antidepressivos e ansiolíticos que lhe reduziram a capacidade de trabalho e de concentração; - Razão pela qual a sua responsabilidade deverá ser especialmente atenuada, nos termos do artigo 97.° do EMJ; - Outro entendimento será manifestamente contrário e violador do princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53.° da Constituição; - E violador do princípio da proporcionalidade expresso no artigo 18º da Lei Fundamental pela severidade punitiva face à factualidade provada na deliberação impugnada.

Cumprido o disposto no artigo 174º nº 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, veio o Conselho Superior da Magistratura apresentar resposta na qual alegou, no essencial, o seguinte: «Violação do direito de audição prévia: 33°) É evidente que entre a acusação e a decisão de aplicação de uma sanção disciplinar poderão existir diferenças na matéria de facto indiciada e a posteriormente provada.

34°) Quando tais diferenças impliquem a consideração de factos novos levará necessariamente à audição do arguido, sob pena de nulidade.

35°) Contudo, no caso em apreço não se consideraram factos novos, apenas se excluíram da factualidade provada aqueles que já constavam de processo disciplinar anterior.

36°) A ter como boa a tese da Autora sempre que a entidade disciplinar pretendesse dar como não provado algum facto teria de comunicar uma nova "acusação" ao arguido.

37°) Correndo novo prazo para defesa, sob pena de nulidade.

38°) Assim, tal vício é manifestamente improcedente.

Violação do caso julgado 40°) A Autora omite, no entanto, em que medida é que a deliberação ora impugnada violou o caso julgado.

41°) Inexiste na deliberação qualquer acto expresso que contrarie decisão judicial transitada em julgado.

43°) Consta expressamente do ponto 7.2 dos factos provados "os restantes processos conclusos há mais de 30 dias estão justificados pela baixa médica da Exma. Juíza:" 44°) Mais consta expressamente consignado no ponto 26 "Não obstante, esta condenação e após o seu regresso de baixa médica e férias, que sucedeu em 03/01/2013, a arguida continuou a ter processos com o prazo excedido para a sua prolação, nomeadamente os que constam do ponto 7.1, já que nunca os regularizou." 45°) Em estrito cumprimento do decidido pelo Supremo Tribunal consta ainda na ponderação dos factos "Os comportamentos revelados no período agora em apreço, o seu historial (notação de medíocre, antecedentes disciplinares para os atrasos posteriores a 21/11/2012 - descontando nesses atrasos o período de baixa e deferias pessoais)," 46°) Sendo a deliberação equilibrada na ponderação dentro dos parâmetros fixados pelo STJ.

47°) O que redunda numa manifesta improcedência do vício de violação do caso julgado invocado.

Não verificação do tipo objectivo de ilícito 49°) A Autora partindo do princípio de que sendo os prazos processuais meramente ordenadores, e nem sempre possíveis de cumprir, o seu incumprimento ainda que reiterado não configura uma violação do dever de zelo e de actuação no sentido de criar no público confiança na administração da justiça.

50°) Pelo que, nesta construção, seria necessária a verificação de um outro comportamento, causal daqueles atrasos, de natureza culposa, baseado em factos concretos.

51°) A interpretação da Autora, funcionalmente pensada para a sua defesa, não reveste qualquer sentido para este efeito.

52°) O dever de cumprir pontualmente com as suas obrigações é um dever por si mesmo cujo incumprimento reiterado e persistente não pode deixar de ter relevância disciplinar.

53°) A decisão impugnada versa a questão ora suscitada, já então apresentada em sede de defesa.

55°) A violação deste dever, quando reiterada e persistente, resulta de um desinteresse pelo serviço, falta de organização, falhas que, por si só, consubstanciam um comportamento culposo e censurável.

57°) Em suma, à arguida foi imputada a seguinte infracção: a prática de infracção disciplinar, na forma continuada, consubstanciada na muito grave violação dos deveres de zelo e de actuação no sentido de criar no público confiança da administração da Justiça, prevista nos artigos 3.° n.°s 1 e 2, a) e e), e n.° 3 e 7, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.° 58/2008, de 9 de Setembro (EDTEFP) [subsidiariamente aplicável aos Magistrados Judiciais, ex vi dos artigos 32.° e 131.°, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ)], nos artigos 3.°, n,° 1, 34.°, n.° 2, e 82.°, também do EMJ, e no art.° 30.°, n.° 2, do Código Penal (também ex vi do art.° 131.°, EMJ), e punida nos termos do art.° art.° 95.°, n.° 1, a), do EMJ.

58°) Quanto a esta imputação alega a Autora que os factos provados não permitem a subsunção ao tipo objectivo infraccional.

59°) Transpondo a ausência de consequência processual do não cumprimento de prazos judiciais para uma pretensa indiferença disciplinar.

60°) A reiteração e persistência dos atrasos são correspondentes a um comportamento ilícito por si só.

61°) A natureza culposa terá de ser associada ao juízo de censura de tal comportamento.

62°) Também aqui a factualidade assente é suficiente para fundamentar a conclusão de que a arguida agiu de forma dolosa.

63°) A reiteração da conduta e o avolumar de atrasos significativos.

64°) As consequências...

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