Acórdão nº 11/15.1YQSTR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução19 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

A AA, pessoa coletiva com sede na Rua ...., e a BB Lda, pessoa coletiva com sede na Rua ..., instauraram ação administrativa especial, contra a Autoridade da Concorrência (AdC), com sede na Avenida de Berna n.º 19, Lisboa, de impugnação do ato administrativo de decisão de arquivamento de denúncia — que deu entrada naquela entidade a 11.11.2011 e que correu os seus trâmites na AdC, sob o n.º DA/2011/276 (cf. fls. DA-943 e ss) — proferida pelo Conselho de Administração da AdC a 03.09.2015, e notificada a 08.09.2015.

Em súmula, vieram requerer a declaração de nulidade do ato de arquivamento da denúncia — começando por considerar que deveria ter sido aplicada a Lei n.º 18/2003, de 11.06, alegam, em seguida, a violação do disposto no art. 101.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) ex vi art. 19.º, da Lei n.º 18/2003, por não lhe terem sido facultados todos os elementos relevantes para a decisão, e a omissão de uma formalidade essencial, a audiência prévia dos denunciantes, bem como a violação do art. 9.º, do CPA ex vi art 19.º citado por omissão de diligências probatórias, e ainda o vício de insuficiência e contradição da fundamentação, em violação do disposto no art. 125.º, do CPA — e vieram ainda requerer a condenação da AdC a instaurar processo contra-ordenacional pela adoção de práticas restritivas da concorrência pela CC e DD em violação do art. 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

2.1.

Devida e legalmente notificadas, a CC, S. A.

e a DD, S.A.

contestaram sustentando, em súmula, que não houve qualquer violação do direito da concorrência, nem sequer a adoção de práticas restritivas da concorrência, em violação do direito português ou do disposto o art. 102.º, do TFUE; alegaram ainda que a AdC tem o poder-dever de não abrir processo contraordenacional sempre que a partir da denúncia seja manifesta a inexistência de indícios da prática de infrações (“a AdC tem mesmo o poder-dever de não abrir um processo contraordenacional quando for manifesto, na sequência de uma análise preliminar da denúncia, que a mesma não aponta para factos que possam fazer perigar os bens jurídicos, que têm natureza pública, protegidos pelo direito da concorrência” — conclusão c) da contestação, fls. 80/verso), constituindo uma decorrência do princípio da legalidade (“Esta delimitação dos poderes da AdC é uma decorrência do princípio da legalidade, sendo imposta quer pela atual Lei da Concorrência, quer pela anterior Lei da Concorrência” — conclusão d) da Contestação, fls. 80/verso), pelo que a decisão de arquivamento da denúncia sem abertura de inquérito não constituiria uma violação daquele princípio; consideraram ainda que não existe falta de fundamentação desta decisão.

Alegaram ainda que a denúncia não apresentava factos novos relativamente a outras denúncias prévias e que correram os seus termos, naquela AdC, no âmbito dos processos contra-ordenacionais PRC 04/08 e PRC 07/10, pelo que a decisão de arquivamento da denúncia, prévia à abertura de inquérito, não constitui uma violação do disposto no art. 6.º, do CPA.

Para além disto, entenderam ainda que o direito de audiência prévia foi respeitado e foram fornecidos os elementos necessários.

Neste contexto, cabe relatar que a AdC não disponibilizou algumas informações consideradas confidenciais, porém o Tribunal Central Administrativo do Sul, por decisão de 31.08.2015, confirmou a decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que — após ação (ação de intimação para a prestação de informações, ao abrigo do art. 104.º, do CPA) intentada pela AA e a BB Lda —, por decisão de 12.06.2015, havia declarado a inutilidade superveniente da lide relativamente aos pedidos realizados na pendência do processo, e absolveu a AdC relativamente aos restantes.

2.2.

Devida e legalmente notificada, também a Autoridade da Concorrência contestou sustentando, em súmula, que deve “ser rejeitado o pedido de condenação da AdC a instaurar contra a Tabaqueira processo de contraordenação pela adoção de práticas restritivas da concorrência, prosseguido a investigação da matéria constante da denúncia e subsequentes pronúncias dos denunciantes, através de inquérito e subsequente instrução, realizando todas as diligências probatórias requeridas pelos denunciantes” e deve “ser julgada totalmente improcedente, por não provada porque é manifesta a legalidade da decisão de arquivamento relativa à denúncia sob referência DA/2011/271 adotada pelo Conselho da AdC em 3 de setembro de 2015” (cf. fls. 120/verso.

  1. Foi mais tarde apensado o processo administrativo que correu os seus termos na AdC sob o n.º DA/2011/276; as Autoras, ao abrigo do disposto no art. 87.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPTA, aperfeiçoaram a petição inicial tendo sido exercido o direito ao contraditório.

    4.

    O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, 1.º juízo, por sentença de 14.06. 2016, decidiu “julgar totalmente improcedente a presente acção administrativa de impugnação de acto administrativo e condenação à prática de acto devido, e, em consequência, absolvo a Ré Autoridade da Concorrência e as Contra-Interessadas CC, S.A. e DD, S.A. do pedido de declaração de nulidade da decisão da AdC proferida no processo DA/2011/276; e do pedido de condenação da Ré condenada a instaurar contra as Contra-Interessadas processo de contra-ordenação pela adoptação de práticas restritivas da concorrência, prosseguindo a investigação da matéria constante da denúncia e subsequentes pronúncias dos denunciantes, através de inquérito e subsequente instrução, realizando todas as diligências probatórias requeridas pelos denunciantes.” (cf. fls. 1010 e ss).

  2. Inconformadas, a AA e a BB Lda. interpuseram recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito a matéria de direito, ao abrigo do disposto no art. 55.º, n.º 3, do anterior regime da concorrência — Lei n.º 18/2003, de 11.06 —, ou nos termos do art. 93.º, n.º 2, da nova Lei da Concorrência, Lei n.º 19/2012, de 08.05 (NRJC), apresentando as seguintes conclusões: 1.

    O presente recurso respeita apenas a questões de direito, subsumindo-se assim ao regime do artigo 55.º, n.º 3, do regime jurídico da concorrência aprovado pela Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho ou, caso assim não se entenda, do artigo 93.º, n.º 2, do novo regime jurídico da concorrência aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio.

  3. Tendo a denúncia das Recorrentes e demais denunciantes sido apresentada à AdC antes da entrada em vigor do NRJC, este regime não lhe é aplicável, em virtude do que dispõe o seu artigo 100.º, n.º 1, alínea d), que foi erradamente interpretado pelo Tribunal a quo, devendo concluir-se que à apreciação e tramitação da denúncia apresentada junto da AdC em 11 de Novembro de 2011 se aplica o anterior regime jurídico da concorrência, aprovado pela Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho. O Tribunal a quo aplicou erradamente o artigo 5.º do Código do Processo Penal) ao caso vertente e errou, em todo o julgamento a que procede da acção proposta, na aplicação do NRJC em lugar da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho.

  4. O projecto de decisão de arquivamento notificado às Autoras em 4 de Setembro de 2014 não continha os elementos necessários a que os denunciantes pudessem pronunciar-se em sede de audiência prévia com conhecimento cabal dos fundamentos da projectada decisão da AdC.

  5. Poucos elementos foram disponibilizados aos denunciantes para verificarem essa alegada coincidência entre as matérias apreciadas nesses dois processos e Estudo anteriores e na sua denúncia e, os poucos que foram disponibilizados, encontravam-se truncados e expurgados de elementos essenciais para a sua compreensão.

  6. Os dois ficheiros notificados às Recorrentes juntamente com o projecto de arquivamento eram parciais e truncados. Faziam referência, por sua vez, a outros processos, decisões e despachos da Autoridade da Concorrência ou das entidades que lhe antecederam (DGCC e DGCP), nenhum deles junto com a notificação do projecto de arquivamento.

  7. Os elementos que necessariamente haveriam de ser facultados às Autoras e demais denunciantes, em sede de exercício do direito de audiência prévia, eram aqueles que lhes permitissem, cabalmente, averiguar em que medida os factos objecto da sua denúncia haviam já sido abordados naqueles outros dois processos e no já referido estudo interno.

  8. Foi o projecto de decisão de arquivamento e os dois documentos anexos em CD-rom que elencaram como aspectos relevantes para a decisão o Estudo interno sobre o Mercado do Tabaco e diversas diligências de inquirição, decisões e despachos anteriores da AdC, comunicações e compromissos assumidos pela EE, alterações verificadas, etc.

  9. A posição processual das Recorrentes enquanto denunciantes no âmbito da DA/2011/276 e a sua qualidade de distribuidoras dos produtos da EE (ou, no caso da Associação, de representante dos seus interesses) conferia-lhes a legitimidade e o interesse processual bastantes para o acesso aos PRC 04/08, PRC 07/10 e o PRÉ-PRC 16/07 (o Estudo), bem como aos documentos e diligências para os quais as respectivas decisões finais, por sua vez, remetiam.

  10. Só assim poderiam as Recorrentes escrutinar, verdadeiramente, se aquilo que a AdC afirmava no seu projecto de arquivamento – que já tinha apreciado exactamente a mesma matéria e que já tinha “desenvolvido todas as diligências necessárias e adequadas para a análise de todas as questões jusconcorrenciais” – era ou não verdade, para exercerem o seu direito de audiência prévia na posse de todos os elementos essenciais à sua pronúncia.

  11. De todos os elementos requeridos pelos denunciantes em 13 de Outubro de 2014, ficou a faltar a sua maioria, nada dizendo a AdC, na maioria dos casos, e, noutros, justificando a recusa em alegações de confidencialidade (“segredo de negócio”). A maioria dos elementos em falta não foi assinalada como confidencial pela AdC.

  12. A decisão final de arquivamento...

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