Acórdão nº 519/10.5TYLSB-CE.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução31 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Procº 519/10.5TYLSB-CE.L1 Relator: Nuno Cameira Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório Por apenso ao processo de liquidação judicial do BANCO AA, SA, os credores vieram reclamar os seus créditos.

A Comissão Liquidatária apresentou a lista de créditos reconhecidos a que alude o artº 129º, do CIRE, bem como a dos não reconhecidos, tendo sido impugnada a lista apresentada.

Foi proferido despacho saneador, no qual, além do mais, e face aos elementos de prova constantes do processo, se julgaram reconhecidos e/ou não reconhecidos determinados créditos, em conformidade com o disposto no artº 136°, nº 5, do CIRE, nos termos constantes das páginas 1591 a 1614 daquela decisão.

O crédito do Estado Português, concretamente, foi reconhecido nos seguintes termos (transcrição): “ Em conclusão: Devem ser reconhecidos e verificados: 1.

Estado Português: 1.1. Os créditos da Direcção Geral do Tesouro e Finanças, pelas seguintes quantias: - € 447.809.967,7072, a qual corresponde ao valor reduzido da obrigação, (€ 446.632.941,030) acrescido de juros moratórios vencidos, contados de 16 de Abril de 2010 a 10 de Maio de 2010, à taxa de 3,953% ao ano.

- € 2.206.925,0198, que corresponde a juros de mora vencidos, contabilizados desde 11 de Maio de 2010 até 24 de Junho de 2010 (termo do prazo para a reclamação de créditos, à taxa de 3,953% ao ano), sobre o capital de € 446.632.941,030.

- € 122.500,00, que corresponde a taxas de garantia vencidas no período compreendido entre 26 de Fevereiro de 2010 e 16 de Abril de 2010.

- € 3.675,00, que corresponde a juros de mora, à taxa legal, desde a data da declaração de insolvência até ao termo do prazo para reclamar créditos, sobre as taxas de garantia vencidas.

Ao crédito reconhecido à Direcção Geral do Tesouro e Finanças deve ser deduzido o valor recebido por esta entidade, resultante do produto da venda do imóvel indicado em 1.34) dos factos assentes, em sede de execução fiscal.

1.2.

O crédito da Fazenda Nacional pelas seguintes quantias: - € 747.664,84, correspondente a retenção de IRS de 2006; - € 1.144.842,95, correspondente a retenção de IRS de 2007; - € 62.361,19, correspondente a tributação autónoma de IRC de 2009; - € 503,50, correspondente a Coima/Substituição 2008, agravada; - € 51,00, correspondente a coima; - € 199.143,45, correspondente a juros de mora calculados até à declaração de insolvência, sobre as quantias correspondentes a retenção de IRS de 2006 e 2007; - € 14.517,87, correspondente a juros de mora calculados desde a declaração de insolvência, até ao termo do prazo para reclamar, sobre as quantias correspondentes a retenção de IRS de 2006 e 2007; - € 2,04, correspondente a juros de mora sobre a quantia de €51,00; - € 1.247,20, correspondente a juros moratórios sobre a quantia de €62.361,19, pelo período compreendido entre Junho e Julho de 2010; - € 107.499,86, relativo a juros compensatórios sobre a quantia de €747.664,84, pelo período compreendido entre 21 de Janeiro de 2007 e 26 de Agosto de 2010 (data da apresentação da rectificação dos valores devidos em sede de retenção na fonte do ano de 2006); - € 118.938,20, relativo a juros compensatórios sobre a quantia de € 1.144.842,95, pelo período compreendido entre 21 de Janeiro de 2008 e 26 de Agosto de 2010 (data da apresentação da rectificação dos valores devidos em sede de retenção na fonte do ano de 2007); - € 3.225,00, a título de juros moratórios sobre a quantia de €747.664,84, contados desde 28 de Outubro de 2010 até 28 de Janeiro de 2011; - € 3.568,14, a título de juros moratórios sobre a quantia de €1.144.842,95, contados desde 28 de Outubro de 2010 até 28 de Janeiro de 2011; - € 1.280,84, a título de custas do processo de execução fiscal n.º 3247201001186000; - € 1.380,60, a título de custas do processo de execução fiscal n.º 3247201001186019.

Inconformados com o saneador-sentença, interpuseram recurso diversos credores, entre os quais se contam o Estado Português e a Comissão Liquidatária.

Por acórdão de 1/2/16 a Relação, no que se refere ao recurso do Estado Português - o único que agora interessa considerar - julgou-o parcialmente procedente, nos seguintes termos: “ -Ao crédito reconhecido à Direção Geral do Tesouro e Finanças deve ser deduzido o valor resultante do produto da venda do imóvel indicado em 1.34) dos factos assentes, depois de abatido o montante das custas contadas na execução; - Reconhece-se o crédito da Direção Geral das Contribuições e Impostos relativo a custas emergentes do processo nº 3247201001146050, no valor de EUR 17,07”.

Inconformado, o Estado Português interpôs recurso de revista excepcional, que por decisão da formação a que alude o artº 672º, nº 3, do CPC, foi admitido com fundamento no nº 1, a), daquele preceito – “relevância jurídica da questão sob recurso”.

As conclusões da revista do Estado são as seguintes [1]: 12ª - Sob o ponto 13.4 do Acórdão recorrido (p. 667) enunciou o Venerando Tribunal a quo, como questão que cumpriria apreciar a decidir no âmbito do recurso de Apelação interposto pelo Estado Português, a “qualificação da garantia pessoal prestada pelo Estado Português”, tratada no ponto 13.6 do mesmo (p. 668 a 674), decidindo o Tribunal que a fiança concedida pelo Estado Português para garantia das obrigações do BANCO AA perante o Sindicato Bancário é uma fiança pura e não uma fiança ao primeiro pedido, ou à primeira solicitação, contrariamente ao que havia decidido o Tribunal de Primeira Instância.

  1. - Tal questão não constitui objecto do recurso interposto pelo Estado Português (nem, aliás, de qualquer dos demais recursos decididos no presente Apenso), não tendo sido posta em causa neste particular pelo Estado Português a decisão proferida em sede de Despacho Saneador-Sentença – cfr. pontos 79 e 80 e Conclusões 28ª e 29ª do Recurso de Apelação –, uma vez que sufraga integralmente tal qualificação (apenas não sufragando as consequências (ou falta delas) retiradas pelo Tribunal de Primeira Instância dessa circunstância no que toca à figura da sub-rogação.

  2. - Sendo o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente (cfr. artigo 635º do CPC), e não podendo o Venerando Tribunal da Relação conhecer além do que lhe foi solicitado (cfr. artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 666º do mesmo diploma e do artigo 17º do CIRE), é inequívoco que ocorre no Acórdão revidendo excesso de pronúncia no que à questão em causa concerne.

  3. - Deve, em consequência, ser declarada por Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, a nulidade do Acórdão recorrido, por violação do disposto no artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 666º do mesmo diploma e do artigo 17º do CIRE, com todas as legais consequências.

  4. - Sem prejuízo da (inadmissível, como se viu) operação de distinção entre fiança à primeira solicitação e fiança pura realizada pelo Venerando Tribunal a quo, este conclui decisoriamente de forma semelhante ao Tribunal de Primeira Instância, julgando que o quadro da acessoriedade presente em ambos os tipos de fiança não afastaria o disposto no artigo 644º do Código Civil quanto à sub-rogação do fiador nos direitos do credor.

  5. - Como se deixou já sobejamente exposto, e foi reconhecido pelo Tribunal de Primeira Instância, a garantia concedida pelo Estado Português é uma verdadeira fiança à primeira solicitação, caracterizada por o fiador ter de cumprir face ao pedido do credor sem que lhe possa opor, num primeiro momento, como é natural à fiança e uma das principais manifestações do seu carácter acessório, os meios de defesa que cabem ao devedor.

  6. - A distinção entre a fiança à primeira solicitação e a fiança pura tem, contrariamente ao que decidiram o Tribunal de Primeira Instância e o Venerando Tribunal a quo, importantes diferenças no regime aplicável, designadamente em sede de sub-rogação, não sendo admissível a conclusão, tão-só, que a distinção entre este tipo de fiança e o tipo-regra se cinge apenas à relegação do momento de oposição ao credor das excepções atinentes ao devedor, não tendo tal dilação temporal a virtualidade de alterar o regime base da fiança, no que às suas características essenciais diz respeito.

  7. - Não é esse, todavia, e salvo o devido respeito, o entendimento correcto, nem o entendimento da nossa melhor Doutrina, já que o especial carácter da fiança ao primeiro pedido, com a inerente automaticidade no pagamento, obriga a uma adaptação do regime da sub-rogação, em sentido distinto do previsto no artigo 644º do Código Civil.

  8. - O fiador ao primeiro pedido, que pagou ao credor o montante que lhe foi por este solicitado, pode reclamar depois do credor ou do devedor a prestação “indevidamente” efectuada, sendo que, neste último caso, o devedor que tem conhecimento do carácter de “ao primeiro pedido” da fiança que lhe foi concedida, é obrigado a suportar as consequências desse pagamento automático, entregando ao fiador o montante despendido em cumprimento da fiança, e reagindo posteriormente, se assim o entender, contra o credor, para repetição daquilo que indevidamente pagou, a este podendo opor todos os meios de defesa relevantes.

  9. - In casu, o BANCO AA não só conhecia o carácter de “ao primeiro pedido” da fiança em apreço, como não ignorava que tal garantia tinha sido essencial à concessão do empréstimo pelo Sindicato Bancário.

  10. - O Estado Português não podia opor ao Sindicato Bancário qualquer abuso (quer abuso de direito stricto sensu, quer abuso da sua posição formal por inexistência do próprio direito), já que inexistiu qualquer abuso (ou aparência de) no acionamento da fiança, na medida em que o artigo 91º, nº 2 do CIRE era inaplicável, 23ª - Razão pela qual o Estado Português não podia recusar o pagamento solicitado. Por outro lado, 24ª - Ainda que assim não fosse, no que se não concede, a verdade é que o pagamento de juros remuneratórios pelo período que medeia entre a interpelação pelo Sindicato Bancário e o pagamento pelo...

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