Acórdão nº 258/10.7TCGMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelJÚLIO GOMES
Data da Resolução31 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 268/10.7TCGMR.G1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6.ª Secção) Relatório (Transcrição) I- Relatório AA instaurou contra BB, CC e DD a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que sejam declaradas nulas e não escritas as condições da deixa testamentária identificada no artigo 14° da petição inicial sob as alíneas a), b) e c) e os RR. sejam condenados a reconhecê-lo.

Alegou, para tanto, que em 24 de Setembro de 2009 faleceu EE (pai da A. e dos RR.) que outorgou testamento, no qual fez deixa testamentária contendo condições legalmente impossíveis e contrárias à lei.

A deixa testamentária é a seguinte: "Que vive no Paço de ..., na freguesia de ..., concelho de ..., a quem sempre dedicou especial afeição e cuidado, composto por uma casa de habitação denominada Paço de ... e por todas as casas e terrenos envolventes, os quais se encontram inscritos na matriz urbana a freguesia de ..., sob os artigos 22, 23, 24, 27, 28, 29, 46, 47, 48, 49, 50, 88, 89, 90 e 157 e na matriz rústica da mesma freguesia de ..., sob os artigos 88, 91, 158, 160, 350 e 357, não os identificando mais perfeitamente por neste momento não possuir de outros elementos.

Que institui herdeiros da sua quota disponível, em partes iguais, os seus filhos BB, CC, AA e DD, quota disponível essa que deverá começar a ser preenchida pelo referido Paço de ... com todos os bens imóveis e bens móveis que nele se encontram, subordinando ele testador esta deixa testamentária às seguintes condições: a)No prazo de um ano a contar da data do falecimento do testador, os seus referidos filhos deverão constituir uma sociedade comercial por quotas, com o capital inicial de cinco mil euros, correspondendo a cada quota o valor nominal de mil duzentos e cinquenta euros, em cujo pacto social será estabelecida uma gerência exercida por dois gerentes e por períodos de três anos, sempre rotativa, salvo recusa dos próprios e agrupando os gerentes por ordem das suas idades, sociedade essa que se destinará a proceder à gestão daquele Paço de ..., e cujo pacto social, no que aqui não fica determinado será objecto de negociação entre eles, decidindo por maioria as divergências que porventura surgirem, conferindo votos de qualidade, em caso de empate em votação, à filha BB; b) O património da sociedade será constituído pelos bens móveis e imóveis que constituem o Paço de ... que para ela devem ser transmitidos por cada um dos seus filhos, atrás referidos.

  1. Se algum sócio pretender abandonar a sociedade ficará obrigado a ceder a sua quota à própria sociedade ou se ela não a quiser, a qualquer dos sócios que nisso mostrar interesse pelo valor mínimo que resultar de uma peritagem feita especialmente para o efeito através de três peritos ou árbitros, sendo o valor a pagar o que corresponder à média aritmética dos dois laudos mais próximos; Que se algum dos herdeiros instituídos não cumprir as obrigações atrás referidas, não se verificará relativamente a ele a instituição de herdeiro da quota disponível, acrescendo a sua parte à dos restantes herdeiros instituídos.

    Que esta deixa testamentária é feita com vista a procurar realizar o seu desejo de não ver vendido ou dividido o Paço de ... que considera parte nuclear e sagrada que já pertenceu aos seus antepassados.

    Que sem pretender impor qualquer encargo à legítima de sua mulher, de modo a que seja violado o art. 2163º do Código Civil, declara unicamente que gostaria que a legítima da mesma não fosse preenchida por qualquer bem móvel ou imóvel que componham o Paço de ... .” Alegou a A. que todas as condições impostas à referida deixa testamentária são legalmente impossíveis de cumprir no prazo previsto, devido ao pedido de redução por inoficiosidade da mencionada deixa testamentária, formulado por FF ( viúva do falecido e mãe de Autora e Réus) em acção judicial que corre termos sob o n.º 140/10.8TCGMR da 2ª Vara Mista de ..., de cuja apreciação está dependente a execução do testamento.

    Mais alegou a A. que não é possível cumprir a obrigação de constituir uma sociedade para gerir o Paço de ..., dado que os prédios incluídos na deixa testamentária se encontram já onerados por contrato de arrendamento outorgados entre o falecido e a sociedade "GG, lda." pertencente ao Réu CC e, por outro lado, tal sociedade não disporia de fundos necessários para prosseguir a sua actividade, sendo também impossível adquirir os bens do Paço de ... com o capital social previsto de € 5.000,00.

    Na perspectiva da A., foi ainda violado o disposto no artigo 2182°, n.º 1 do Código Civil (ao conferir à filha BB voto de qualidade em caso de empate de votação sobre os assuntos da sociedade), o direito à partilha e a requerer inventário e a legítima de Autora e Réus porque o seu valor esgota a quase totalidade do acervo hereditário.

    Por último alegou a A. : -O testamento não define o modo, o preço ou o valor pelos quais a sociedade a constituir adquirirá a propriedade do Paço de ..., sendo, consequentemente uma prestação indeterminada e nula (art.º 280°, n.º 1 do Código Civil); - Ao estabelecer "se algum sócio pretender abandonar a sociedade ficará obrigado a ceder a sua quota à própria sociedade", o testador consignou condição legalmente impossível, porque os bens a adquirir são de montante muitíssimo superior ao capital da sociedade (cfr. art.º 220°, n.º 2 do Código das Sociedade Comerciais). Os RR. BB e CC apresentaram contestação.

    O R. DD não contestou.

    Os RR. BB e CC invocaram conflito de interesses do Ilustre Mandatário da Autora, na medida em que representa a sua mãe na ação de redução da deixa testamentária que esta intentou contra os filhos, aqui Autora e Réus e excepcionaram que na acção referida no parágrafo anterior foi já proferida decisão, absolvendo os Réus da instância, por nulidade do processado decorrente de erro na forma do processo.

    Os RR. contestantes alegaram : -Nada impede que a "GG" subarrende à sociedade comercial constituída em obediência ao testamento as propriedades que tomou de arrendamento ao de cujus, ou que denuncie tais contratos de arrendamento, caso essa seja a única forma de cumprir a disposição de última vontade do testador; -A sociedade constituída não está impedida de adquirir os bens com recurso a crédito bancário, nem de os adquirir por um valor simbólico, inferior ao real; -O voto de qualidade da Ré BB limita-se à definição dos termos do pacto social da sociedade; -A deixa testamentária em apreço é feita por conta da quota disponível do autor da herança, encontrando-se em curso processo de inventário, sede própria para apurar se ofende a legítima de algum herdeiro.

    -Não é nula a condição prevista na alínea c) do testamento.

    Concluíram pela improcedência da acção.

    A A. replicou, sustentando que não há conflito de interesses no mandato exercido pelo seu ilustre advogado, já que a posição da mãe de Autora e Réus é consonante com a da Autora nos interesses em litígio em cada uma das duas acções judiciais em apreço.

    Proferiu-se despacho saneador, no qual se reputou não verificado o conflito de interesses do ilustre mandatário da Autora e se seleccionou a matéria de facto controvertida.

    Por despacho proferido a fls. 463 e ss. dos autos, foi julgada improcedente a suspensão da instância requerida pelos RR. contestantes.

    Procedeu-se à realização da audiência de julgamento.

    O Tribunal de 1.ª Instância proferiu decisão, declarando nulas e não escritas as condições inscritas sob as alíneas a), b) e c) da deixa testamentária identificada no facto provado número 3 (infra) e condenando os Réus a reconhecê-lo.

    A R. BB recorreu desta sentença, tanto da matéria de facto, como da matéria de direito. Relativamente a esta última sustentou, designadamente, a validade da deixa testamentária e das referidas condições a que a mesma está sujeita, mencionadas no facto provado n.º 3.

    O Tribunal da Relação decidiu, no entanto, que as condições insertas na deixa testamentária sob as alíneas a), b) e c) eram nulas, por violarem disposições legais imperativas e de acordo com o disposto no artigo 2230º, nº2 do Código Civil, tais condições dever-se-iam considerar não escritas, pelo que julgou improcedentes o recurso de apelação da decisão que indeferiu a suspensão da instância e o recurso de apelação da sentença, confirmando as decisões recorridas.

    Novamente inconformada a R. BB interpôs recurso, desta feita de revista excepcional, nos termos do artigo 672.º...

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