Acórdão nº 428/12.3TCFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelOLINDO GERALDES
Data da Resolução12 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA e mulher, BB, instauraram, em 20 de junho de 2012, na então Vara Mista da Comarca do Funchal (Juízo Central Cível do Funchal, Comarca da Madeira), contra Banco CC, S.A., e DD, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que os Réus fossem condenados, solidariamente, a pagar-lhes a quantia de € 578 249,74, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegaram, em síntese, que, sendo titulares de contas bancárias no R. Banco, onde o outro R. é funcionário, foram aliciados por este, em 2006, para um certo produto financeiro, com uma taxa de cerca de 6 %, que correspondia a um depósito a prazo de cinco anos; aderindo, depositaram, nesse ano, a quantia de € 250 000,00, e, em 2007, igual quantia; trimestralmente, foram-lhes sendo pagas certas quantias, mas desde o princípio de 2009, o R. Banco deixou de lhes liquidar quaisquer juros remuneratórios; interpelados os RR., foram então informados de que tinham realizado aplicações estrangeiras, através da aquisição de obrigações muito subordinadas EFG Hellas – emissão 65154… PERP e Kaupthing Bank – emissão 651 58… PERP, no montante de € 500 000,00, e que por via da crise financeira mundial fora suspenso o pagamento dos juros; com perplexidade, sentiram-se ludibriados, nunca tendo tido a noção do risco de perda total do capital depositado, sendo pessoas simples, com poucos conhecimentos e instrução; em consequências, perderam os depósitos no valor de € 500 000,00 e juros remuneratórios no montante de € 63 249,74, e tiveram ainda um dano não patrimonial, estimado em € 15 000,00.

Contestaram os RR., por exceção, arguindo a ilegitimidade do R. DD e a prescrição, por já terem decorrido mais de dois anos desde a data do conhecimento dos termos do negócio, e também por impugnação, concluindo, em suma, pela improcedência da ação.

Replicaram os AA., respondendo à matéria de exceção e pedindo a declaração de nulidade, por vício de forma, das transações financeiras, por falta de redução a escrito das declarações negociais no sentido da subscrição das referidas obrigações.

A requerimento dos RR., foi ainda admitida a intervenção principal de EE, que fez seus os articulados dos AA.

Os RR., na audiência prévia, deduziram articulado superveniente, alegando os levantamentos realizados pela A., em 15 de janeiro de 2013, 11 de abril de 2013 e 12 de julho de 2013, dos rendimentos referentes a 250 obrigações EFG-Hellas.

Foi proferido o despacho saneador, julgando-se, designadamente, improcedente a exceção de ilegitimidade passiva invocada, e foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Prosseguindo o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 15 de dezembro de 2014, a sentença, julgando-se procedente a exceção de prescrição e a ação totalmente improcedente.

Inconformados, os AA. apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 28 de abril de 2016, julgando improcedente o recurso, confirmou a sentença.

Inconformados, os AA. recorreram, em revista excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam essencialmente as conclusões:

  1. Quanto ao dever de informação, deve ser considerado que foi prestada aos Recorrentes uma informação incompleta, inexata, incorreta, a qual não correspondia à verdade, e consequentemente violado o estabelecido nos arts. 7.º, n.º 1, e 312.º, n.º 1, do CVM, quer na versão do DL n.º 61/2002, de 20 de março, DL n.º 38/2003, de 8 de março, DL n.º 107/2003, de 4 de junho, DL n.º 183/2003, de 19 de agosto DL n.º 66/2004, de 24 de março, DL n.º 52/2006, de 15 de março, quer na sua versão atual.

  2. O Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido e os juros.

  3. Não se pode aceitar que o risco decorrente do não reembolso do capital investido seja suportado pelos clientes do banco, um vez que este risco não constava da informação prestada aos subscritores do produto financeiro. d) Os Recorrentes, enquanto investidores não qualificados, que o R. Banco bem conhecia, caso conhecessem as reais características do produto financeiro, não teriam procedido à sua subscrição.

  4. Há uma flagrante violação por parte dos Recorridos não só dos princípios orientadores da atividade de intermediação financeira consagrados no art. 304.º do CVM, como também dos mais elementares deveres de informação, referenciados nos arts. 7.º, n.º 1, e 312.º, n.º 1, do CVM.

  5. Aliado ao facto de ter sido realizado à revelia de qualquer ordem escrita dos Recorrentes.

  6. Para desencadear o início da prescrição não basta o conhecimento do negócio pelos Recorrentes, sendo igualmente necessário que o negócio já estivesse integralmente executado.

  7. Não deve ser aplicado o prazo previsto no n.º 2 do art. 324.º do CVM.

  8. Estando em causa a responsabilidade obrigacional, o prazo de prescrição é o ordinário previsto no art. 309.º do CC, que, sendo de vinte anos, não decorreu ainda.

  9. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado deve ser analisado através da demonstração de que tais deveres de informação tivessem sido cumprido, os Recorrentes não teriam investido na aplicação financeira, mas noutra que garantisse o retorno do capital investido.

  10. O acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, entre outros, os arts. 227.º, 236.º, n.º 1, 309.º, 342.º, n.º 2, 487.º, n.º 2, 512.º, 513.º, 563.º, 762.º, 798.º e 799.º, do CC, 7.º, n.º 1, 304.º, 312.º, 314.º, 324.º, n.º 2, do CVM, 1.º, n.º 1, do DL n.º 69/2004, de 25 de março, e arts. 73.º a 77.º do RJI.

Com a revista excecional, os Recorrentes pretendem a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por decisão, que julgue ação totalmente procedente e, em consequência, condene os Réus nos pedidos formulados.

Contra-alegaram os RR., no sentido da improcedência do recurso.

Por acórdão de 20 de outubro de 2016, a Formação a que alude o art.672.º, n.º 3, do CPC admitiu a revista excecional, nomeadamente ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do mesmo art. 672.º, de modo a satisfazer “uma exigência particularmente intensa de clarificação jurisprudencial”, em particular sobre os deveres de informação do intermediário financeiro (fls. 1184).

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em discussão a responsabilidade civil por intermediação financeira, em resultado da violação do dever de informação, assim como a prescrição do direito.

II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos: 1.

Os AA. contraíram entre si matrimónio no dia 26 de dezembro de 1959.

  1. Os AA. tornaram-se clientes do Banco R., em 30 de dezembro de 1993, data em que foi celebrado um contrato de abertura de conta, no Banco FF, que deu origem à conta de depósitos à ordem n.º 153… sujeita ao regime de solidariedade.

  2. Para além dessa conta, foram abertas outras, como a conta de depósitos à ordem n.º 452….

  3. O R. DD exerce a sua atividade profissional na sucursal do R. Banco, no …, sita à …, n.º ….

  4. Encontrando-se a conta domiciliada na sucursal do …, o R. DD, funcionário daquela sucursal, foi nomeado “gestor de conta”, em 2004, sendo a pessoa, dentro do R. Banco, com que os AA. contactavam diretamente.

  5. Da constituição de depósitos a prazo com taxas de remuneração que, em média, se situavam entre 0,6 % e 2 %, os AA. passaram para outra categoria de investimentos, com taxas de remuneração mais elevadas, de que são exemplo as obrigações Banco CC Finance, com uma taxa de remuneração de 5,40 %, e os seguros de poupança U…L…, com uma taxa de cerca de 3,25 %.

  6. Desde 23 de março de 2005, a filha dos AA., a Interveniente, que exerce a profissão de contabilista, na GG, é co-titular da conta de depósitos à ordem n.º 153…, aberta por aqueles no Banco R., onde se encontram registados os valores mobiliários.

  7. Os AA. receberam, na morada por si indicada, os extratos relativos à conta n.º 1534..., onde estavam registadas as obrigações EFG Hellas e Kaupthing Bank, referentes ao período no qual foram realizados os investimentos, nomeadamente ao período compreendido entre 01-02-2006 e 27-02-2006, no que respeita às 250 obrigações EFG Hellas e ao período compreendido entre 01-08-2007 e 31-08-2007, no que respeita às 250 obrigações Kaupthing Bank.

  8. A A. deslocava-se à sucursal do R. Banco, no ..., com uma periodicidade média trimestral e com vista a proceder ao levantamento dos juros remuneratórios emergentes das obrigações EFG Hellas.

  9. Além dos extratos, os AA. receberam ainda notas de lançamento referentes aos pagamentos dos rendimentos afetos às obrigações EFG Hellas e obrigações Kaupthing Bank, constando de tais documentos, enviados para a morada indicada pelos AA., as informações relativas à origem de tais rendimentos, bem assim como a indicação do número de obrigações por si tituladas.

  10. A A., desde 2006, procedeu ao levantamento dos montantes relativos aos pagamentos trimestrais de juros inerentes às obrigações EFG Hellas, em numerário, na sucursal ... Golden Gate (e, posteriormente, ... Sé) do R. Banco, sita no ..., tendo assinado os talões de levantamento.

  11. No decurso de 2009, os AA. reclamaram créditos, no âmbito do processo de liquidação do Kaupthing Bank.

  12. Associada à conta bancária dos AA., referida em 2., estava a conta de depósitos à ordem n.º 46…, que tinha como moeda de base uma divisa estrangeira (dólares americanos) e que foi, entretanto, encerrada.

  13. Os AA., bem como a sua filha, residiam, à data da abertura de conta n.º 153…, na África do Sul e, por vezes, tratavam dos assuntos relacionados com a conta através do escritório de representação do R. Banco, sito em Joanesburgo, fazendo-o também através da sucursal do Funchal, quando se deslocavam a Portugal.

  14. Atualmente, os AA. residem na … e a filha na ….

  15. Os AA. procederam à abertura da conta n.º 452…, de que eram co-titulares...

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