Acórdão nº 1083/15.4T8MTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução12 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

N.º 29/2016 (PH) GR / LD Processo n.º 1083/15.4T8MTS.P1.S1 (Revista) – 4.ª Secção Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 4 de março de 2015, na Comarca do …, …, Instância Central, 3.ª Secção do Trabalho – J2, AA instaurou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nos termos dos artigos 98.º-B e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra BB, S. A., manifestando a oposição ao despedimento efetuado pela empregadora, em 18 de fevereiro de 2015, e requerendo que fosse declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências, sendo que, frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, a empregadora foi notificada para apresentar o articulado motivador do despedimento e juntar o respetivo procedimento disciplinar, o que fez, tendo sustentado a existência de justa causa para o despedimento operado.

A trabalhadora apresentou contestação e reconvenção, articulado que não foi admitido, e requereu, subsequentemente, o reconhecimento da verificação de justo impedimento no ato de apresentação a juízo daquele articulado, o que foi indeferido.

Tendo a causa prosseguido os seus termos, proferiu-se sentença, que julgou a ação improcedente e decidiu absolver a ré do pedido.

  1. Irresignada, a trabalhadora interpôs recurso da sentença e dos despachos interlocutórios que não admitiram o seu articulado e o justo impedimento, e arguiu nulidades, tendo o Tribunal da Relação julgado parcialmente procedente o recurso, revogado a sentença recorrida e deliberado: «1.

    declara-se ilícito o despedimento de que foi alvo a trabalhadora AA; 2.

    condena-se a empregadora BB, Lda., a pagar à trabalhadora AA uma indemnização em substituição da reintegração, que se fixa em 20 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, devendo atender-se a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial e as retribuições que a mesma deixou de auferir desde a data do despedimento (18/02/2015) até ao trânsito em julgado da presente decisão, incluindo as férias e os subsídios de férias e de Natal que se venceram, aquela indemnização e estas retribuições, no que vier a ser liquidado no respetivo incidente, quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data dos respetivos vencimentos e até integral e efetivo pagamento. A estas retribuições deve ser deduzido o eventual subsídio de desemprego auferido pela trabalhadora.» É contra o assim deliberado que a empregadora agora se insurge, mediante recurso de revista, no qual formulou as seguintes conclusões, alinhadas na sequência de convite que lhe foi dirigido pelo relator no sentido de as sintetizar: «A) DA LICITUDE DO DESPEDIMENTO a) O douto Tribunal a quo — cuja posição adotada é inaceitável — menosprezando a relevância do comportamento reiteradamente incumpridor da Recorrida espelhado nos factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª instância, entendeu que: “Todos os restantes factos como as advertências da administração de fevereiro, maio e novembro de 2014, por si só, ou seja, sem qualquer apoio em factos concretos praticados pela trabalhadora, não consubstanciam a violação de deveres que impendem sobre a mesma. Acresce que não resultam provados (nem foram alegados) quaisquer prejuízos para a empregadora decorrentes da atuação [da] trabalhadora, sendo certo que a matéria constante do ponto 16 foi considerada como não escrita.” b) [Dos] factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª instância e dados por reproduzidos pelo Tribunal a quo resulta, por si só, que a ora Recorrida foi despedida com processo disciplinar, cumprindo todas as formas legais e estando totalmente verificada a justa causa para o despedimento, pelo que terá que ser dado como regular e lícito o despedimento da ora Recorrida, revogando-se em conformidade a decisão proferida no douto Acórdão; c) O artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho, doravante CT, define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, estabelecendo-se depois um quadro exemplificativo de comportamentos justificativos desse despedimento; d) A doutrina e jurisprudência pacíficas consideram que a existência de justa causa de despedimento nos termos do citado preceito exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: 1) um, de natureza subjetiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador; 2) outro, de natureza objetiva, que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho; 3) e, ainda, a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral; e) Conforme bem referido no douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, constitui justa causa de despedimento, entre o mais, o “desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto” (conforme art. 351.º, n.º 2, al.

    d), do CT); f) Conforme resulta (e bem) da Sentença proferida em 1.ª Instância, é patente em relação à ora Recorrida “(...) a sua falta de interesse relativamente ao cumprimento das suas obrigações e aos interesses da sua entidade empregadora que não podia ignorar na medida do cumprimento pela autora das suas obrigações laborais, sobretudo num momento em que estava já ultrapassado o prazo limite para a entrega do trabalho. Tal falta de interesse e de zelo está bem patente no facto de apesar de estar doente a autora não se ter sequer preocupado em responder às inúmeras tentativas de contacto por parte da ré, para o que certamente não estava incapaz. De resto, no dia 10 de Dezembro, dia em que estava doente a autora, logrou entrar em contacto com um cliente para desmarcar uma reunião que tinha aprazada para esse dia, demonstrando que se quisesse também poderia ter contactado a ré, fosse por telefone, fosse por email”; g) Encontra-se bem fundamentado o despedimento da Recorrida, dado que se verifica o comportamento culposo da mesma, nomeadamente na violação do dever de zelo e diligência a que estava obrigada; h) A Recorrida, exercendo a função de estilista, estava responsável pela coleção de homem, cuja entrega estava sujeita a determinados prazos específicos, sob pena da coleção não poder ser lançada no tempo devido nas lojas, com todos os prejuízos daí advenientes — conforme resulta dos factos dados como provados; i) Os factos provados, nomeadamente os factos 14), 16), 21), 22), 24), 25), 28) e 29), são manifestamente demonstrativos de que a ora Recorrida, ao não entregar atempadamente — como bem sabia que estava obrigada — o seu trabalho respeitante à coleção de homem, para além de denotar o incumprimento dos deveres que lhe estão impostos, era suscetível de provocar grandes danos financeiros à ora Recorrente; j) Bem andou o Tribunal de 1.ª instância ao considerar, perante os factos dados como provados “Os problemas da autora com a chefia a que se refere mais tarde o administrador delegado da empresa, no mail de 02/01/2015, culminaram, pois, numa postura de total alheamento da autora relativamente aos interesses da ré, sua entidade empregadora, atrasando a entrega da coleção outono/inverno 2015, da qual era responsável como estilista, sem que para o efeito desse qualquer explicação ou justificação”; k) Os comportamentos culposos e desobedientes reiterados da Recorrida — dados igualmente como integralmente provados na douta Sentença — atestam a prática de atos totalmente culposos e lesivos dos deveres que impendem sobre a mesma, enquanto trabalhadora; l) A ora Recorrida não se escusou de prosseguir com os comportamentos culposos, não obstante ter sido diversas vezes alertada para o efeito, nomeadamente pelo administrador da ora Recorrida (Vide particularmente Factos 12), 13), 15), 19), 20) e 21) dos Factos Provados); m) Atentas as situações de incumprimento reiterado da ora Recorrida encontra-se minada irremediavelmente, pela sua gravidade intrínseca, a relação de confiança que existia antes da ocorrência de tais episódios entre as partes como pressuposto de manutenção da relação de trabalho; n) A ora Recorrente encontrava-se totalmente constituída no direito, que exerceu, de despedir a ora Recorrida por justa causa; o) Os factos provados são manifestamente reveladores da violação de deveres a que a ora Recorrida estava vinculada e portanto, da ilicitude do comportamento da mesma, pois a mesma prosseguiu um comportamento disciplinarmente censurável que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; p) Pelo todo exposto, é manifesto o nexo causal existente entre o comportamento culposo da trabalhadora e a impossibilidade de subsistência da relação laboral; q) Ainda que não se tenham comprovado nos autos quaisquer prejuízos monetários para a ora Recorrente, o que no entender da mesma não é indispensável para ser considerado lícito o despedimento; r) Dado que, para além de como ensina Júlio Gomes (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 951), no tocante às consequências da conduta do trabalhador, “...estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer ‘organizacional’. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador” (negrito e sublinhado nosso) — entendimento que é acompanhado pela ora Recorrente; s) Não aceita a Recorrente que o Facto 16) dos factos provados “O facto de a autora não ter apresentado a documentação e fichas técnicas de acordo com as...

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