Acórdão nº 804/10.6PBVIS.C1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução23 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório Por acórdão de 21.10.2016, proferido pela Instância Central Criminal da Comarca de ..., foi realizado cúmulo jurídico de penas aplicadas ao arguido AA (concurso de conhecimento superveniente), em razão do qual este foi condenado na pena única de 7 anos de prisão, pena esta que englobou as penas aplicadas no âmbito dos seguintes processos: - nº 804/10.6PBVIS (presentes autos): factos praticados em 13.6.2010; decisão de 10.10.2012, transitada em 22.1.2013, que aplicou duas penas parcelares, ambas de 1 ano e 4 meses de prisão, pela prática de dois crimes de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do Código Penal (CP); estas penas foram englobadas, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na execução por igual período, a qual veio subsequentemente a ser revogada, por decisão transitada em julgado em 19.1.2016; - nº 111/09.2PBVIS: factos praticados entre 28.1.2009 e 9.10.2009; decisão de 3.11.2010, transitada em 30.5.2011, que aplicou as seguintes penas parcelares: três penas de 2 anos e 4 meses de prisão, pela prática de três crimes de roubo simples; oito penas de 1 ano e 2 meses de prisão, pela prática de oito crimes de roubo simples; também estas penas foram então englobadas, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na execução por igual período, cuja suspensão veio subsequentemente a ser revogada, por decisão transitada em julgado em 19.5.2016; - n.º 772/09.7PBVIS: factos praticados em 21.5.2009 e 24.10.2009; decisão de 9.5.2012, transitada em 3.6.2013, que aplicou as seguintes penas parcelares: duas penas de 1 ano e 4 meses de prisão, pela prática de dois crimes de roubo simples; uma pena de 4 meses de prisão, pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º do CP; uma pena de 3 meses de prisão, pela prática de um crime de dano qualificado, p. e p. pelos arts. 212º, nº 1 e 213º, nº 1, c), do CP; também estas penas foram englobadas, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na execução por igual período, suspensão essa que veio subsequentemente a ser revogada por decisão transitada em julgado em 26.11.2012.

O arguido foi ainda condenado no âmbito do processo nº 44/14.5GCTND, da Instância Local de ... da Comarca de ..., por decisão de 30.6.2015, transitada em julgado em 15.9.2015, pela prática, em 1.2.2014, de um crime de roubo simples, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; esta pena foi, no entanto, excluída da pena conjunta, por se encontrar numa relação de sucessão, e não de concurso, com as demais.

Daquele acórdão recorreu o arguido, concluindo: 1 – O acórdão de que se recorre peca (salvo melhor opinião) por excessivamente severo pois que a medida da pena aplicada é manifestamente desproporcionada tendo em conta a prova produzida.

2 – A pena aplicada revela-se excessiva, considerando os contornos do caso concreto como se passará a explicar.

3 - De acordo com o disposto no artigo 77 n.º 1 CP aplicável ex vi do disposto no artigo 78.º do mesmo diploma, são considerados, no cálculo da pena a aplicar em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

4 - Não se mostra de todo adequada e até se mostra contraproducente, quer para as exigências de prevenção geral quer para as exigências de prevenção especial, a aplicação ao recorrente de pena tão elevada.

5 - O artigo 40.º do Código Penal estabelece que a aplicação da pena visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do delinquente na sociedade.

6 - Por seu turno, dispõe o artigo 71.º n.º 2 do mesmo diploma, que devem ser tidas em consideração todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, assumam relevância para favorecer ou desfavorecer o arguido.

7 - Assim, devem relevar a favor do recorrente todas e quaisquer circunstâncias atenuantes que se verifiquem. 8 - É um facto que o arguido praticou vários crimes.

9 - No entanto, todos eles, crimes de pequena monta: - tendo em consideração os valores que roubava (1,00€, 3,00€ 10,00€, um telemóvel), - tendo em conta os meios utilizados (o arguido ameaçava sem ter sequer arma), e - tendo em conta o motivo por que o fazia, sendo por isso, o grau de ilicitude dos factos diminuto.

10 - Recorde-se que o arguido foi condenado na pena de sete anos de prisão efetiva por ter roubado, ao todo, cerca de 150,00€ e dois telemóveis.

11 - Foram pequenos roubos, um crime de resistência e coação a funcionário e um crime de dano qualificado por se tratar de colchão da cela pertencente ao Estado.

12 – Os Excelentíssimos Senhores Doutores Juízes que compõem o Coletivo não consideraram suficientemente, por forma a reduzir a medida da pena: - Que o arguido era muito jovem; - Que tinha sido trazido para Portugal pelo Director de uma Instituição de Solidariedade Social das Ruas de ...; - Que viveu até aos 18 anos Institucionalizado, de onde saiu para trabalhar; - Que perdeu o emprego e que naquela altura passou a viver na rua; - Que usava o dinheiro roubado para comer; - Que não tinha família ou apoio; - Que era muito jovem; - Que padecia de doença de dependência de álcool; - Que todos os crimes foram praticados num período temporal muito curto, entre 2009 e 2010; - Que o grau de ilicitude dos factos foi diminuto; - Que após este factos teve acolhimento na Fundação ..., tendo reiniciado os estudos e realizado tratamento de desabituação alcoólica; - Que em março de 2015 teve diferendos com a instituição pois pretendia ter uma vida autónoma e saiu; - Que mantém uma conduta estável no EP, que já solicitou trabalho e que se inscreveu para fazer o 12.º ano; - Que já não bebe; - Que a vivência no EP o abalou psicologicamente pelo que o mesmo demonstrou em audiência o firme propósito de não mais prevaricar.

13 - Todos os crimes praticados pelo arguido se deveram à sua necessidade de sustento e à sua doença.

14 - Era com o fito de granjear meios para subsistir e para satisfazer a dependência que praticava os crimes.

15 - Note-se que o arguido não tem ou granjeou qualquer património em resultado dos crimes praticados.

16 - Ele não adquiriu quaisquer bens materiais ou de conforto ou usou os bens roubados.

17- O arguido é uma vítima das circunstâncias.

18 - É filho sem pais ou retaguarda familiar.

19 - Provém de um meio social muito pobre e passou a maior parte da vida institucionalizado.

20 - As Instituições em Portugal não conseguem, muitas vezes, dada a sua lotação e aos poucos funcionários, realizar uma verdadeira obra de educação como sucederia se de uma família estruturada se tratasse.

21 - E, além disso, a crise económica ocorrida de 2008 em diante, trouxe muito desemprego.

22 - Tal circunstância, num jovem com retaguarda familiar, pouca mossa faz, mas num jovem sem qualquer retaguarda, fá-lo ir para a rua, sem meios de subsistir.

23 - Cotejando os factos dados como provados, constatamos que as duas épocas em que o arguido chocou contra a ordem jurídica ocorreram quando ele estava sozinho, sem retaguarda, sem apoio, sem casa e sem meios de subsistência.

24 - Nestas alturas em que parece não haver saída, é comum o refúgio no consumo de bebidas alcoólicas que ajudam a esquecer a miséria.

25 - Entre a prática destes crimes e os próximos que determinaram a revogação das suspensões, decorreram 5 anos.

26 - Cinco anos em que o arguido tentou criar condições para se autonomizar, para arranjar trabalho, mas as circunstâncias e a conjuntura económica não lhe deram tréguas e, mais uma vez, o arguido se viu desamparado, sem emprego e sem perspectivas.

27 - Os crimes praticados em 2014 e 2015 foram já também motivados pela miséria e pela necessidade de subsistir.

28 - Decorre ainda do espaço temporal em que decorreram os factos e da sua vida em sociedade entre 2010 e 2014 que o arguido não é delinquente por tendência.

29 - Apenas praticava crimes para subsistir.

30 - Não agia premeditadamente.

31 - Dispõe o artigo 40.º CP, que o fim das penas é a proteger a sociedade da prática de futuros crimes pelo arguido mas também reintegrá-lo na Sociedade.

32 - O Arguido tem 28 anos e está preso ininterruptamente desde 1 de abril de 2015.

33 - Mantém-se abstinente.

34 - Pediu trabalho, quer continuar a estudar, mantém bom comportamento, mostra-se arrependido, está disposto a mudar de vida e tem amigos e a Fundação ..., dispostos a ajudá-lo na sua reinserção, pelo que quando sair terá já formação profissional e quem o ajude a arranjar trabalho e a estruturar a sua vida.

35 - De onde se conclui que está cumprido o fim da pena.

36 – A pena já cumprida pelo arguido, cumpriu já a sua função - proteção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.

37 - Encontram-se os bens jurídicos protegidos porque o arguido aprendeu a sua lição e vem percorrendo o caminho da ressocialização.

38 - Está pronto para reiniciar a sua vida.

39 - Apesar de terem sido vários os crimes praticados, foram motivados pela necessidade de subsistência e pela dependência alcoólica.

40 - E, na verdade, os valores patrimoniais que granjeou e os prejuízos que causou, com a prática criminosa, foram de pouca monta.

41 - A realização do Cúmulo Jurídico é feita em benefício do arguido.

42 - O que deve relevar e interessa considerar é a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente de forma a avaliar se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime ou é antes expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido.

43 - O arguido roubava para comer e para beber; não o fazia como modo de vida (atente-se as datas dos factos).

44 - Importa diligenciar para que a pena de prisão excessivamente longa não constitua um obstáculo à reinserção que o arguido já alcançou por si mesmo, pois apesar de se tratar de um jovem que, a dada altura, colidiu com a lei penal ainda pode arrepiar caminho e iniciar um percurso de acordo com o direito.

45 - A condenação numa pena tão elevada não só não é exigida como pode...

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