Acórdão nº 2/15.2JAPTM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução30 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório AA, natural [...], ora detido no ..., foi julgado e condenado no processo comum n.º 2/15.2JAPTM da ...ª Secção Criminal-..., da Instância Central de ..., Comarca de ..., por acórdão do tribunal colectivo de 28 de Janeiro de 2016, na pena única de 25 anos de prisão, resultante de cúmulo jurídico efectuado com as seguintes penas parcelares: a) – 22 anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado dos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b), e) e j); b) - 1 ano e 10 meses de prisão, por um crime de profanação de cadáver do art.º 254.º, n.º 1, alín. a); c) - 2 anos de prisão, por um crime de furto simples do art.º 203.º, n.º 1 do Código Penal; d) - 2 anos de prisão, por um crime de abuso de cartão de crédito do art.º 225.º, n.º 1; e) - 2 anos de prisão, por mais um crime de abuso de cartão de crédito do art.º 225.º, n.º 1; f) - 2 anos de prisão, por um crime de burla informática do art.º 221.º, n.º 1, todos do Código Penal.

Desse acórdão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 13 de Setembro de 2016, negou total provimento ao recurso, confirmando na íntegra a decisão recorrida.

Ainda inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “A - AA, arguido no processo à margem referenciado, onde se encontra devidamente identificado, submetido a julgamento, foi condenado, em cúmulo jurídico, numa pena única de 25 anos de prisão.

B - Inconformado com essa decisão e com o acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, que lhe manteve essa anterior decisão, vem agora o recorrente interpor recurso para o STJ.

C - A audiência foi documentada, pelo que, nos termos do disposto nos art.º 363º e 364º do CPP, não existe qualquer limitação aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, que, nos termos do disposto no art.º 434º do CPP, deverá conhecer tanto da matéria de facto como de direito.

D - Com o presente recurso o arguido pretende ver discutidos três pontos essenciais sobre matéria de facto provada pelo tribunal; prova indiciária versus violação do princípio in dubio pro reo e reapreciação da atenuação das penas parcelares aplicadas ao recorrente, bem como do cúmulo jurídico.

E - O recorrente impugna a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal “a quo” nos pontos 1.4, 1.5, 1.6, 1.7, 1.8, 1.9, 1.10, 1.11, 1.15, 1.16, 1.21, 1.22 e 1.23 dos factos assentes, conforme consta mais detalhadamente da respectiva motivação supra desenvolvida. F - A falta de prova directa no caso do homicídio qualificado que é imputado ao arguido conduziu o tribunal recorrido a fazer uso da prova indiciária.

G - A prova indiciária mais não é que uma prova indirecta ou mesmo uma ausência de prova concreta. De acordo com essa prova, o tribunal parte de uma simples presunções e, portanto, de um facto conhecido para alcançar ou concluir pela existência de um facto desconhecido, mas presumido e portanto não seguramente certo, baseado nas regras da experiência comum da vida. A prova indiciária resulta, assim, de uma incerteza quanto à prova e de uma inexactidão que necessitam de ser colmatadas.

H - O arguido entende que a prova indiciária e o modo como foi aplicada no presente processo, à revelia da realidade e das declarações prestadas pelo arguido, não deve permitir fundamentar uma semelhante convicção no tribunal recorrido como a que lhe permitiu, sem provas directas, condenar o arguido pela prática de um homicídio.

I - O recorrente pretende colocar à superior análise do tribunal “ad quem” a questão de, neste caso concreto, ter sido utilizada e o modo como foi aplicada a prova indiciária. A prova indiciária ao permitir passar de um facto conhecido para alcançar ou concluir pela existência de um facto desconhecido, mas presumido e, portanto, não seguramente certo, não encerra também em si uma incerteza e uma dúvida, por menor que seja, violadora do princípio in dubio pro reo.

J - No caso do crime de homicídio qualificado imputado ao arguido, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão em depoimentos essencialmente indirectos e no relatório da autópsia, mas a autópsia nada refere sobre quem matou a vítima, pelo que esse juízo assenta por vezes em factos também eles duvidosos.

K - A prova directa exige que existam uma pluralidade de factos ou indícios, que esses indícios sejam precisos e assentes em prova directa, que apesar de periféricos, esses indícios têm de ser periféricos ou exteriores ao facto a provar, mas que estejam com ele relacionado.

L - No caso concreto, o tribunal recorrido tomou como ponto de partida ou indícios os factos provados da morte da vítima e da ocultação do cadáver, obtidos por prova directa.

M - O Tribunal “a quo” tomou ainda em conta outro facto que foi o da autópsia realizada pelo gabinete de medicina legal e das respectivas conclusões, que considerou prova pericial, subtraída à livre apreciação do julgador, mas que, por sinal, não foi examinada verdadeiramente em audiência de julgamento, nem o perito médico-legal compareceu no tribunal para esclarecer dúvidas sobre questões supra referidos, conforme foi requerido pelo arguido.

N - Mas o juízo de valor científico constante da autópsia e formulado pelo perito médico e respectivas conclusões, conclui que a vítima faleceu de morte violenta, por oposição a morte natural, concluindo que a causa da morte foi o derrame interno causado pelo rompimento da artéria carótida esquerda, na zona do pescoço e não qualquer outra lesão na cabeça.

O - Segundo o acórdão recorrido, a vítima não podia infligir, a si própria, as lesões que ostentava na parte posterior da cabeça, mas a autópsia é omissa relativamente ao facto de essas lesões poderem ou não resultar de eventuais quedas provocadas pelas vertigens de que já acima se falou, de que a vítima padecia, ou de outras quedas no transporte da mesma para o local onde foi enterrada e que o arguido pretendeu ver esclarecidas, mas não obteve o consentimento do tribunal.

P - Se existiu uma luta e morte violenta da vítima, não parece verosímil que tenha existido essa luta sem que tenham ficado algumas marcas dessa luta quer nas mãos, para proteger a cabeça tantas vezes atingida, quer nos braços ou noutra parte do corpo.

Q - Se de facto o recorrente pretendesse tirar a vida à vítima BB sempre poderia ter utilizado um meio menos violento, como por exemplo o recurso a medicamentos, sem necessitar de utilizar violência.

R - Por outro lado, que vantagens teria o recorrente com a morte da vítima BB? O tribunal dirá que desse modo poderia passar a viver com a CC. Mas o arguido já passava mais tempo com esta do que com a vítima BB.

S - Dito de outra forma, a morte da vítima BB trazia-lhe mais desvantagens do que vantagens, ou seja, perdia muito mais com a morte de BB do que na realidade ganhava, por isso a sepultou no jardim, porque além de respeitar a última vontade de ambos, a morte desta não lhe trazia vantagem nenhuma.

T - O tribunal “a quo” conclui que o recorrente era a pessoa que mais vantagens obteve com a morte de BB e a pessoa que melhor capacidade tinha, pela sua proximidade, de cometer o crime de homicídio. Mas isso, além de não ser verdade, como se acabou de referir, não trouxe nenhumas vantagens ao arguido, pois a morte de BB obrigava-o a perder a casa, dinheiro, carro e tudo mais, acabando por não ter nenhuma vantagem patrimonial de médio prazo.

U - Quanto à proximidade para com a vítima, é verdade que era ele que mais proximidade tinha com a BB, mas também era ele que tinha mais dificuldade em praticar esse tipo de agressões por lhe ser mais próximo, pelo que sempre poderia recorrer a medicamentos e dizer que foi a vítima que os tomou, se de facto fosse sua intenção matá-la, sem necessitar de ser violento.

V - Quem praticou estes factos não podia ter qualquer tipo de relacionamento com a...

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