Acórdão nº 11/14.9GAVFR.P1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução02 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: O tribunal de 1ª instância decidiu, além do mais que aqui não releva, condenar o arguido AA, como reincidente, em: - 7 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico do artº 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro; -1 ano e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal do artº 3º, nºs 1 e 2, do DL nº 2/98, de 30 de Janeiro; -2 anos de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida dos artºs 86º, nº 1, alínea c), 2º, nº 1, alínea v), 3º, nº 2, alínea a), e 4º, nº 1, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro; e -em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos de prisão.

Interpuseram recurso dessa decisão para a Relação do Porto o arguido AA e o MP.

A Relação, por decisão, sumária rejeitou o recurso do arguido, por manifesta improcedência, e, por acórdão de 28/09/2016, dando provimento parcial ao recurso do MP, alterou a decisão de 1ª instância, decidindo: -que o crime de tráfico era agravado, nos termos do artº 24º, alínea b), do DL nº 15/93, condenando o referido arguido, pela prática deste crime, na pena de 9 anos de prisão; -declarar perdido a favor do Estado o veículo automóvel do arguido, de matrícula 00-00-00, ao abrigo do artº 35º, nº 1, do DL nº 15/93; Aplicar ao mesmo arguido, no cúmulo jurídico dessa pena com as penas que lhe foram impostas em 1ª instância pelos crimes de condução sem habilitação legal e de detenção de arma proibida, a pena única de 10 anos de prisão.

O arguido interpôs recurso desse acórdão para este Supremo Tribunal, concluindo nos termos que se transcrevem: «1- A factualidade apurada pelo tribunal de 1ª instância não permite o enquadramento da conduta do recorrente na disposição do artigo 24º al. b) do DL 15/93 de 22-01. E, nessa medida, discorda da posição assumida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, quando alterou a qualificação jurídico-penal.

2- As razões da discordância são as indicadas nos pontos 3 a 7 do Item - diferente qualificação jurídica, que aqui se dão por reproduzidas, designadamente, o facto de no caso concreto, apesar de ter ficado demonstrado que o arguido AA vendia ou cedeu as substâncias estupefacientes a um número já significativo de pessoas, o facto é que essa distribuição não assume aquela organização normalmente associada ao grande traficante que vende ao revendedor, nem o leque da sua "clientela" apurado nos autos é tão vasto que preencha aquele conceito de distribuição por um grande número de pessoas, ambos pressupostos pela agravante em apreço.

3- Por conseguinte, a sua conduta também não preenche a agravante prevista na aI. b) do artigo 24º do DL supra citado.

4- Violou-se o disposto nos artigos 21º e 24º al. b) do DL 15/93 de 22-01.

5- A determinação da medida da pena parte do postulado de que as finalidades de aplicação das penas são, em primeiro lugar, a tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, constituindo a medida da culpa o limite inultrapassável da medida da pena.

6- Na determinação concreta da medida da pena, o julgador atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art. 71º do C.P.), ou seja, as circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a prevenção e para a culpa.

7 - Ponderada a globalidade da matéria factual provada, o arguido discorda da qualificação jurídica operada pelo Tribunal da Relação do Porto, quanto ao crime de tráfico, pelas razões enunciadas nos pontos anteriores e, nessa medida, entende excessiva a medida concreta que foi determinada para o referido crime.

8- Face aos critérios legais (arts. 70º e 71º do C.P.) o recorrente deveria ser punido pela prática, em autoria material, em concurso efectivo e real e como reincidente, nos termos dos artigos 14º, nº 1, 26º, 75º, nºs 1 e 2, e 76º, nº 1, do Código Penal, de: a) um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22.01, na pena de 7 (sete) anos de prisão; b) um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º nºs 1 e 2, do DL nº 2/98, de 3.01, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão; e c) um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 86º, nº 1, aI. c), 2º, nº 1, aI. v), 3º, nº 2, aI. a), e 4º, nº 1, da Lei nº 5/06, de 23.02, na pena de 2 (dois) anos de prisão; 9- No caso em apreço, o arguido contesta a medida concreta da pena fixada pelo Tribunal da Relação do Porto, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, na medida em que entende dever manter-se a qualificação feita pelo tribunal de 1ª instância.

10- Por outro lado, atendendo à sua postura processual, confessando de forma relevante os factos, forma de execução da actividade ilícita, desprovida de meios sofisticados, o facto de ser ele próprio a proceder à venda directa, num espaço geográfico delimitado, ter-se apurado que o grosso das vendas era de haxixe e cannabis, conjugado com o enquadramento pessoal e familiar, postura em relação ao crime cometido e abstinência do consumo de produtos estupefacientes, considera adequada a pena de 7 anos de prisão, fixada pelo tribunal de 1ª instância.

Quanto aos demais crimes, as penas face à moldura penal fixada, não admitem recurso, pelo que estão fixadas.

Assim, em cúmulo, nos termos dos artigos 30º, nº 1, 77º do Código Penal, deveria o arguido ser condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

11- Pena que considera justa, proporcional e adequada em relação à que foi fixada para outros arguidos no mesmo processo.

12- A decisão recorrida violou, nessa parte, os arts. 70º, 71º e 77º do C. P e 13º da CRP.

Sem prescindir: 13- Ainda que se entenda manter a decisão recorrida nos precisos termos, face ao aduzido no Item B- Medida da Pena- nºs 5 a 11, que aqui se dão por reproduzidos a pena fixada para o crime de tráfico agravado – artigos 14º, nº 1, 26º, 75º, nºs 1 e 2, e 76º, nº 1, do Código Penal, 21º, nº 1, e 24º al. b) do DL nº 15/93, de 22.01, não poderia ser superior 7 (sete) anos e 8 meses de prisão; 14- Em cúmulo, na pena única de 9 anos de prisão.

Pelo que, deve ser revogada nos termos sobreditos».

O recurso foi admitido.

Respondendo, o MP junto do tribunal recorrido defendeu a sua improcedência.

No Supremo Tribunal de Justiça, a senhora Procurador-Geral-Adjunta afirmou concordar com os termos daquela resposta.

Foi cumprido o nº 2 do artº 417º do CPP.

Não foi requerida a realização de audiência.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação: Foram considerados provados os factos seguintes (transcrição): 1. O arguido AA, após sair de estabelecimento prisional, em 21 de Junho de 2013, em liberdade condicional, voltou a dedicar-se, nas localidades de Argoncilhe, Vila Maior, Canedo, Lourosa, São João de Ver e Santa Maria de Lamas, em Santa Maria da Feira, à venda de diversos tipos de produtos estupefacientes, nomeadamente Ecstasy, MDMA, LSD, anfetaminas, entre outros produtos estupefacientes de natureza sintética, cannabis em folha, cannabis em resina, heroína e cocaína, a quem, para esse efeito, o procurava.

  1. O arguido AA é um distribuidor de produtos estupefacientes do concelho de Santa Maria da Feira, ao qual outros distribuidores e consumidores se socorriam para comprar as sobreditas substâncias ilícitas para revenda a terceiros e/ou para consumo.

  2. O arguido AA, desde data que não foi possível apurar em concreto, mas anterior a 29 de Agosto de 2014, comprava heroína e cocaína ao arguido BB, para posterior revenda, designadamente a CC, DD, EE e FF, entre outros.

  3. O arguido AA vendia ao arguido GG, desde data que não foi possível apurar em concreto, mas anterior a 4 de Janeiro de 2014, produtos estupefacientes.

  4. O arguido AA vendia, desde momento que não foi possível apurar em concreto, mas anterior a 4 de Janeiro de 2014, a quem, para esse efeito, o procurava, diversos tipos de estupefacientes, tais como cannabis em resina, cannabis em folha, drogas de natureza sintética e cocaína e heroína, apelidando-os de "S...", de "....r", de "B....", de "O...s", de "e...", de "C.....s", de "ca........", de "F....", de "M....", de "P.....", de "C....", de "B....", de "R...", de "J...", de "T..", de "U...", de "q....", entre outras designações.

  5. O arguido AA, durante grande parte do dia, mas primacialmente após as 21.00 horas, procedia à maior parte das vendas de produtos estupefacientes no parque de estacionamento da Vergada, em Argoncilhe, efectuando-as também noutros locais, tais como no "Café ....", em Ar..., no "Centro Comercial Chafariz", em Lourosa, no "Café ....", em Argoncilhe, no "Bar P...", em Santa Maria de Lamas, na "Urbanização....", em Argoncilhe, no parque do "Mac Donalds", em Lo...., no Largo da Feira dos dez, em Lourosa, no "Café ....as", em Fiães, no exterior junto do seu domicílio, entre outros locais.

  6. Nesse contexto, o arguido AA vendeu e cedeu produtos estupefacientes a vários consumidores, entre os quais: a. HH, consumidor de cannabis e de cocaína, que comprou, pelo menos uma a duas vezes por semana, ao arguido AA, entre Junho de 2014 e Janeiro de 2015, em datas que não foi possível apurar em concreto, cannabis em resina, pelo preço de € 5,00 ou de € 10,00, e comprou ainda, pelo menos, por uma vez, no referido período, um grama de cocaína pelo preço de € 60,00; b. II, consumidor de cannabis e de MDMA, que comprou um número de vezes que não foi possível apurar em concreto ao arguido AA, entre Abril de 2014 e Janeiro de 2015, em datas que não foi possível apurar em concreto, um número não contabilizado de patelas de cannabis em resina, cada uma pelo preço de € 10,00, e comprou, pelo menos, por uma vez, no mês de Outubro de 2014, 100 gramas de cannabis em resina, pelo preço de € 120, e comprou, pelo menos, duas ou três vezes MDMA, pagando por cada pacote € 15,00; c. JJ, consumidor de cannabis, comprou, pelo menos, 15 vezes, ao arguido AA, no ano de 2014, em datas que não foi...

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