Acórdão nº 407/15.9PVLSB.L1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, com os sinais dos autos, foi condenado no Juízo Central Criminal da comarca de ..., por acórdão de 16.9.2016, como autor material dos seguintes crimes: - um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do Código Penal (CP), na pena de 2 anos de prisão (Proc. n.º 507/15.5PBCSC); - um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (Proc. n.º 619/15.5PSLSB); - um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do CP, na pena de 2 anos de prisão (Proc. n.º 847/15.3PBCSC); - um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do CP, na pena de 2 anos de prisão (Proc. n.º 56/15.1SULSB); - um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (Proc. n.º 878/15.3PBSNT); - um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão (Proc. n.º 744/15.2PASNT); - um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do CP, na pena de 2 anos de prisão (Proc. n.º 768/15.0S6LSB); - um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (Proc. n.º 407/15.9PVLSB).

Em cúmulo jurídico destas penas, por se encontrarem em concurso, foi o arguido condenado na pena única de 7 anos de prisão.

Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de ..., concluindo: (i) Por inexistir uma mesma situação exterior ao agente facilitadora das sucessivas condutas delituosas, por o tipo incriminador primário em causa – roubo – proteger não só bens patrimoniais mas também eminentemente pessoais e, ainda, por as perturbações psíquicas do arguido – distúrbio obsessivo compulsivo e a adição ao jogo – serem circunstâncias internas do agente e não externa o acórdão recorrido decidiu não ser aplicável a figura do crime continuado, condenando, em concurso real, pela prática de 8 crimes de roubo.

(ii) No que respeita aos pressupostos do crime continuado dos factos julgados provados no acórdão resulta que a conduta do arguido foi enquadrada no mesmo tipo legal – 8 crimes de roubo na forma simples – pelo que é pacífica a realização plúrima do mesmo tipo incriminador.

(iii) Quanto à homogeneidade da execução também existe no caso, o que o acórdão admite, porque não só o modus operandi seguido – o arguido actua sempre sozinho, usa o mesmo tipo de roupa socorre-se da ameaça de uma pistola de plástico para forçar a entrega dos valores – é idêntico em todas os roubos, como também a distância temporal em que as mesmas têm lugar é relativamente próxima.

(iv) Como também existe no caso vertente a unidade de dolo porque o agente não formou em cada momento uma resolução absolutamente autónoma das demais, mas antes na execução de um intuito contínuo, na medida em que o intento criminoso não se renova autonomamente sendo todos os roubos praticados na sombra de uma primeira resolução que determina todas as demais.

(v) No que interessa ao requisito fulcral da existência de uma solicitação externa que atenua consideravelmente a culpa do agente, ao contrário da doutrina dominante, que o entende como sendo um convite à prática do crime que se corporiza num evento físico que se depara inadvertidamente ao agente, o recorrente entende que aquela pode ser também e apenas o sucesso da primeira conduta e que impele o agente à repetição desta, o que sucedeu no caso vertente: o arguido repete a conduta porque surpreso com a facilidade com que executou a primeira resolução, a seguinte lhe aparece como muito mais fácil e assim sucessivamente.

(vi) Este sucesso em cada roubo, realizados no quadro de um distúrbio obsessivo compulsivo e de uma adição ao jogo, que impele o arguido à prática de novo roubo é não uma circunstância endógena mas exógena: é uma disposição das coisas que ele não domina, não sendo tanto uma circunstância facilitadora mas, mais propriamente, incentivadora da prática dos roubos subsequentes e que determina a diminuição da culpa do agente.

(vii) Finalmente quanto à exclusão do crime continuado decorrente do n.º 3 do artigo 30.º do CP, o recorrente discorda da posição dominante plasmada no acórdão por entender que a expressão “bens eminentemente pessoais” empregue no normativo citado quer referir especificamente os crimes tipificados sob a epígrafe “Dos crimes contra as pessoas” no título I do Livro II do CP, sob pena de se estar a restringir injustificadamente o âmbito de aplicação do instituto.

(viii) Embora também proteja a vida, a integridade física etc., o bem jurídico que a incriminação do roubo visa, em primeira mão, proteger é a propriedade donde a sua inserção no Titulo II Dos crimes contra o património, Capitulo II dos Crimes contra a Propriedade e não no título I Dos crimes contra a pessoa em que o objecto da protecção da norma é em primeira linha a pessoa.

(ix) Colhendo este entendimento (crime continuado) e tendo presente o referido nos pontos 13 a 19 deste, julga-se que, atenta a culpa diminuída do arguido, as necessidades de prevenção especial (baixas) e geral (medianas), a pena de 2 anos e 6 meses de prisão se mostra justa e adequada, suspensa na sua execução, mediante a imposição da obrigatoriedade de acompanhamento psiquiátrico e a proibição de existência de qualquer meio informático na habitação que possa permitir a regressão da perturbação de jogo compulsivo, sujeita à fiscalização dos Serviços de Reinserção Social.

(x) As condutas ilícitas cometidas pelo arguido, que aliás as confessou e sobre as quais mostrou profundo e verdadeiro arrependimento, são resultantes da perturbação psiquiátrica que limita a vontade do mesmo.

(xi) O que resulta das conclusões produzidas pelos peritos médicos psiquiatras do Hospital ... (Relatório Pericial Psiquiátrico de fls. 1242 a 1253 dos autos), Drs. BB e CC) (xii) Pois, segundo os mesmos peritos, os crimes de roubo qualificado de que está indiciado foram cometidos em estreita relação com uma perturbação mental (jogo patológico). Esta perturbação está intimamente ligada a sintomas depressivos, ansiosos e consumo de álcool, estando igualmente associado a períodos de desespero e pânico (pág.12 e última do relatório de fls. 1242 a 1253 dos autos).

(xiii) O Tribunal a quo ultrapassando a limitação à sua liberdade de apreciação da prova imposta pelo artigo 163º nº 1 do CPP e sem qualquer motivação nos termos do nº 2 do mesmo aresto, considera que o arguido “No cometimento destes ilícitos o arguido revelou uma personalidade fria e calculista (…).” (acórdão recorrido, pág. 36).

(xiv) Sendo que no relatório pericial constante dos autos os peritos concluem que, “O protótipo do doente afecto de perturbação por jogo patológico, necessariamente simplificado para clareza expositiva, segue um padrão de três etapas… Uma terceira fase, apelidada de “desespero”, é caracterizada por níveis aumentados de sintomas de ansiedade, depressão e isolamento social. Nesta última fase ocorrem com frequência episódios depressivos, ideação ou tentativa de suicídio, sendo igualmente comum o uso de substâncias (v.g. álcool). É precisamente nesta fase que há maior probabilidade de cometer ilícitos criminais de natureza aquisitiva que, nalgumas instâncias, até pode ser percebido pelo próprio como um “empréstimo” que irá pagar futuramente.” (xv) Motivações essas que imporiam (por força do citado nº 1 do artigo 163º do CPP) outras conclusões ao Tribunal, o que não aconteceu e deve ser agora considerado na graduação da culpa do arguido.

(xvi) O Tribunal a quo limitou-se a seleccionar partes das conclusões dos Senhores Peritos para aferir da inexistência de qualquer inimputabilidade. Não para aferir do grau de culpa, da intencionalidade do arguido no momento da prática dos factos criminosos.

(xvii) Perpassa por todo o acórdão, quer na análise crítica da prova, quer na determinação da pena concreta que o tribunal a quo diverge das conclusões dos peritos! (xviii) Como se deixou bem patente supra, os peritos concluem que o arguido se encontrava numa fase de desespero, a qual inibe por completo a racionalidade e a frieza de ânimo que o mesmo tribunal atribui ao arguido! Porém, o acórdão não fundamenta essa divergência do ponto de vista científico (o único possível) mas, antes sim e só, socorrendo-se de uma interpretação que faz dos factos e do aparente comportamento do arguido, para retirar conclusões que não encontram arrimo nos factos provados (vg. o mesmo relatório).

(xix) Pois, o acórdão recorrido abusivamente concluiu que (…) “o arguido AA tinha perfeito conhecimento da ilicitude dos seus comportamentos delituosos, na medida em que, caso assim não fosse, nunca teria tido a preocupação de preparar com todo o cuidado e de executar friamente estes crimes, de procurar impedir a sua identificação por parte das pessoas, com as quais teve que privar e ainda teve a preocupação de dificultar ao máximo a investigação destes crimes, actuando sempre com o intuito de não deixar rasto e de não abrir pistas que o levassem ao seu reconhecimento como autor dos factos.” (págs. 21-22 do acórdão) (xx) E que “No cometimento destes delitos o arguido revelou uma personalidade fria e calculista escolhendo indiscriminadamente as farmácias entre diversas localidades (Lisboa, Cascais, Mem-Martins e Queluz) não cometeu os factos em dias seguidos, soube esperar as oportunidades e acima de tudo procurou ocultar o seu rosto e não deixar no local elementos que podiam conduzir à sua identificação por parte das autoridades policiais.

(xxi) Esta personalidade fria e calculista transparece também de, por regra, ter actuado junto da hora de fecho das farmácias, de modo a obter maiores proveitos económicos.” (pág. 36) (xxii) Repita-se nada disto se compadece com o resultado da perícia constante dos autos e do que consideram os peritos ser uma fase de desespero do arguido.

(xxiii) Por outro lado, entende o tribunal a quo que o arguido tentou ocultar a sua identidade e não deixou rastos que...

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