Acórdão nº 401/15.0T8BRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Março de 2017
Magistrado Responsável | CHAMBEL MOURISCO |
Data da Resolução | 09 de Março de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Proc.º 401/15.0T8BRG.G1.S1 (Revista) - 4ª Secção Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.
O Sindicato da Indústria Transformadora Energia e Atividades do Ambiente do ... -Site-...- (A.) instaurou a presente ação de processo comum contra AA, S.A.
(R.) pedindo que se reconheça a ilicitude da decisão de retirar aos trabalhadores o direito ao gozo da terça-feira de Carnaval, sem perda de retribuição, ou seja o direito a não trabalharem nesse dia, sem que tal conduta possa ter efeitos desfavoráveis nestes e a manter este direito para o futuro.
Para o efeito, alegou em síntese: Tem legitimidade para a presente ação, nos termos do art.º 5.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, por se tratar de um direito coletivo de todos os trabalhadores vinculados à R., incluindo dos seus associados; Desde a data de admissão de cada um dos trabalhadores da R. e até ao ano de 2013, inclusive, sempre lhes foi concedido o gozo da terça-feira de Carnaval, permitindo assim aos trabalhadores não terem de trabalhar nesse dia, sem perda de retribuição; Ao retirar aquele direito aos seus trabalhadores, em 2014, a R. agiu em violação do princípio da irredutibilidade dos direitos adquiridos pelos seus trabalhadores.
Realizou-se a audiência de partes sem que se lograsse obter a conciliação das mesmas.
A R. contestou negando a existência de qualquer direito adquirido, referindo ainda que não existiu por parte da empresa qualquer prática reiterada e suficientemente duradoura para preencher o conceito de uso laboral como fonte de direito legalmente reconhecida.
Concluiu assim que a ação deve improceder com a sua consequente absolvição dos pedidos formulados pelo Autor.
Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu julgar a presente ação improcedente, por não provada, com a absolvição da R. do pedido.
-
Inconformado com esta decisão, o A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de ..., que decidiu julgar a apelação procedente, condenando a R. a reconhecer a ilicitude da decisão de retirar aos trabalhadores o direito ao gozo da terça--feira de Carnaval sem perda de retribuição, devendo manter-se tal direito para o futuro.
3.
Perante esta decisão a R. interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de ... - que julgou procedente o recurso interposto pelo A. e condenou a R. "a reconhecer a ilicitude da decisão de retirar aos trabalhadores o direito ao gozo da terça-feira de Carnaval, sem perda de retribuição, devendo manter-se tal direito para futuro" - por entender a R. que o mesmo, para além de violar - por incorreta interpretação e aplicação - os artigos 3.º do Código Civil; 1.º, 3.º, 234.º e 235.º do Código do Trabalho e 412.º do Código de Processo Civil, é nulo, nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 dos artigos 674.º e 615.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, conforme infra se demonstra.
-
Começa desde logo por se dizer que, em face da factualidade provada, e da documentação junta aos autos, o sentido da decisão do Venerando Tribunal da Relação de ... teria necessariamente de ter sido ser outro, designadamente, no sentido da não verificação de uma prática /conduta da R. (ainda que generalizada e reiterada) sem convicção da sua obrigatoriedade, considerando que a atribuição do gozo da terça-feira de Carnaval aos seus trabalhadores da R. resultou da aplicação do regime previsto na lei e nos Instrumentos de Regulamentação Coletiva aplicáveis na empresa.
-
Assim, e considerando desde logo que a "atendibilidade" de uma conduta geral, espontânea e reiterada, constitutiva de um uso, pressupõe uma ausência de disposição imperativa ou supletiva da lei ou da regulamentação coletiva sobre determinado aspeto da relação de trabalho - cf. Monteiro, Fernandes, in Direito do Trabalho, 12.ª Edição, pág. 115), não se entende como pôde o Venerando Tribunal da Relação de ... concluir pela existência de um uso no caso dos autos.
-
Com efeito, conforme resulta da documentação junta aos autos, desde 1990 (data da constituição da Ré) até 2013 (ano em que esta deixou de atribuir o gozo da terça-feira de Carnaval aos seus trabalhadores) sempre existiu norma legal e de regulamentação coletiva sobre esta matéria, cujo regime a R. aplicou, como se impunha, aos respetivos trabalhadores.
-
Concretamente: o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANIMEE (atualmente, Associação Portuguesa das Empresas do Sector Elétrico e Eletrónico), de que a R. é associada, e o Sindicato dos Eletricistas do Norte e outros, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1.ª série n.º 26 de 15/07/1977 (CCT/77), o qual foi objeto de revisões parciais publicadas nos Boletins de Trabalho e Emprego n.º 47 de 22/12/1978, n.º 8 de 28/02/1980, n.º 15 de 22/04/1982, n.º 27 de 22/07/1983, n.º 23 de 22/06/1985, n.º 24 de 29/06/1988, n.º 22 de 15/06/1989, n.º 23 de 22/06/1990, n.º 27 de 22/07/1991 e n.º 41 de 08/11/1999, aplicável aos trabalhadores da R. filiados no sindicato aqui Autor (que integra a federação denominada FIEQUIMETAL), pelo menos, até 2009, data em que veio a caducar, conforme respetivo aviso de caducidade junto aos autos com a contestação como doc. 1, o qual vigorou até 2009, e previa na sua cláusula 47.ª, o feriado de Carnaval como "obrigatório" (cfr. doc. 2 junto aos autos com contestação).
-
O Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANIMEE e o SIMA e outro, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1.ª série n.º 29 de 08/08/1996 e Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANIMEE e a FETESE e outros, publicado no BTE, 1.ª série n.º 39 de 22/10/2002, os quais foram substituídos pelo Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANIMEE e a FETESE e outros (Revisão - Global) publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1.ª série n.º 17 de 08/05/2006 (CCT/FETESE), o qual foi objeto de sucessivas alterações, nomeadamente as publicadas nos Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 37 de 08/10/2008, n.º 24 de 29/06/2010, n.º 24 de 29/06/2011 e n.º 23 de 22/06/2013, aplicável aos restantes trabalhadores da R., isto é, aos trabalhadores filiados nos sindicatos subscritores e aos trabalhadores não sindicalizados, de acordo com as respetivas Portarias de Extensão (que previam expressamente a não aplicação do CCT/FETESE aos trabalhadores filiados em sindicatos representados pela FIEQUIMETAL, como é o caso do sindicato aqui A.- cfr., entre outras, Portaria n.º 924/2006, de 6 de Setembro, Portaria n.º 456/2009, de 29 de abril, Portaria n.º 932/2010 de 20 de setembro, Portaria n.º 131/2013 de 28 de março e Portaria n.º 94/2014 de 30 de abril).
-
Não corresponde por isso à verdade, a afirmação do Venerando Tribunal da Relação de ..., de que "desde de sempre e até 2013 inclusive quer os trabalhadores estivessem ou não abrangidos pela aplicação de convenção coletiva de trabalho tinham direito ao gozo da terça-feira de Carnaval" (pág. 14 do douto acórdão recorrido), 8. Porquanto, desde 1990 e até 2009, todos os trabalhadores da Ré estavam abrangidos pelas CCT acima identificadas, mesmo os não sindicalizados, abrangidos pelas mesmas por força das respetivas portarias de extensão.
-
A atribuição do gozo da terça-feira de Carnaval pela R. aos seus trabalhadores resultou pois, apenas e tão só, da aplicação do regime previsto, em cada momento, nos Instrumentos de Regulamentação Coletiva do Trabalho em vigor na empresa, e no próprio regime legal (CT).
-
Nesse sentido, vejam-se as cláusulas dos Contratos Coletivos de Trabalho aplicáveis, sobre a matéria do feriado de Carnaval, as quais previam o seguinte: - Contrato Coletivo de Trabalho/77 (Cláusula 47º) - Previa o Feriado de Carnaval como "obrigatório" (cfr. doc. 2 junto aos autos com contestação); - Contrato Coletivo de Trabalho entre ANIMEE e SIMA de 1996 (Cláusula 42°) - Previa o Feriado de Carnaval como "obrigatório" (cfr. doc. 3 junto aos autos com contestação); - Contrato Coletivo de Trabalho/FETESE de 2002 (Cláusula 42°) - Previa o Feriado de Carnaval como "obrigatório" (cfr. doc. 4 junto aos autos com contestação); - Contrato Coletivo de Trabalho/FETESE na versão de 2010 (Cláusula 52º-A°) - Previa a possibilidade de a empresa, querendo, atribuir o Feriado de Carnaval, como feriado facultativo ("pode ser observado...") (cfr. doc. 5 junto aos autos com contestação); - Contrato Coletivo de Trabalho/FETESE na versão de 2013, atualmente em vigor (Cláusula 62.ª) - Prevê a possibilidade de a empresa, querendo, atribuir o Feriado de Carnaval, como feriado facultativo ("pode ser observado...") (cfr. doc. 6 junto aos autos com contestação).
-
Quanto ao regime legal (relativo aos feriados facultativos), vigente ao longo do tempo (1990 a 2013) previa: - DL 874/76 de 28/12 (lei das férias, feriados e faltas): "Art. 19.º (Feriados Facultativos) 3. Além dos feriados obrigatórios, apenas podem ser observados: o feriado municipal da localidade ou, quando este não existir, o feriado distrital; a terça-feira de Carnaval, (sublinhado nosso) 4. (...) " - Código do Trabalho (CT/2003): Art. 209.º (Feriados Facultativos) 3. Além dos feriados obrigatórios, apenas podem ser observados a terça-feira de Carnaval e o feriado municipal da localidade, (sublinhado nosso) 4. (...)» - Código do Trabalho (CT/2009): Art. 235.º (Feriados Facultativos) 3. Além dos feriados obrigatórios, apenas podem ser observados a título de feriado, mediante instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou contrato de trabalho, a terça-feira de Carnaval e o feriado municipal da localidade, (sublinhado nosso) 4- (...) " 12. Ora tal factualidade parece não ter sido relevada pelo Venerando Tribunal da Relação de ... para efeitos de decisão, como se impunha, desde logo em violação do disposto no art. 412° do CPC.
-
De 1990 a 2009 a atribuição do gozo da terça-feira de Carnaval pela Ré a todos os seus trabalhadores (filiados no sindicato A., filiados noutros sindicatos, e não...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 5227/19.9T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2020
...Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho I – Dogmática Geral, 2012, 3ª edição, Almedina. [7] Ac. do STJ, de 09/03/2017, processo n.º 401/15.0T8BRG.G1.S1 (Revista) - 4ª Secção. [8] Ac. do STJ, de 17/11/2017, processo n.º [9] A este propósito, cfr. o Ac. do STJ, de 05/07/2007, disponível em......
-
Acórdão nº 18047/16.3T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Março de 2019
...consolidada como um uso laboral. No já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de março de 2017, proferido no PROC. n.º 401/15.0T8BRG.G1.S1 (Revista) - 4ª Secção, foi sumariado «Quatro anos é tempo insuficiente para que se configure a existência de uma regra subjacente ao comport......
-
Acórdão nº 5227/19.9T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2020
...Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho I – Dogmática Geral, 2012, 3ª edição, Almedina. [7] Ac. do STJ, de 09/03/2017, processo n.º 401/15.0T8BRG.G1.S1 (Revista) - 4ª Secção. [8] Ac. do STJ, de 17/11/2017, processo n.º [9] A este propósito, cfr. o Ac. do STJ, de 05/07/2007, disponível em......
-
Acórdão nº 18047/16.3T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Março de 2019
...consolidada como um uso laboral. No já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de março de 2017, proferido no PROC. n.º 401/15.0T8BRG.G1.S1 (Revista) - 4ª Secção, foi sumariado «Quatro anos é tempo insuficiente para que se configure a existência de uma regra subjacente ao comport......