Acórdão nº 153/04.9TYLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista 153/04.9TYLSB.L1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA, Lda propôs esta acção contra 1) BB, 2) CC, 3) DD e mulher EE, 4) FF e mulher GG, 5) HH e marido II e 6) JJ, S.A., pedindo que: - se reconheça o seu direito de preferência na cessão efectuada para a 6ª R por escritura de 19-12-2002 da quota que os 1º a 5º RR detinham no capital social da A e, em consequência, se ordene a substituição pela A da R cessionária, com efeitos à data da outorga de tal escritura, mediante pagamento do preço da cessão no montante de € 63.862, e se ordene o cancelamento de qualquer inscrição da titularidade da referida quota no capital social da A a favor da 6ª R; - quando assim não se entenda, sejam os 1º a 5º RR condenados a pagar-lhe a indemnização no montante de € 63.862, ou outro mais elevado que se venha a apurar em liquidação de sentença, pelos prejuízos causados com a violação do direito de preferência na cessão de quota a favor da 6ª R.

Alegou, em síntese: os 1º a 5º RR eram seus sócios, cotitulares de uma quota no valor nominal de € 4.987,98 deixada por óbito de KK; por carta recebida pela A em 6-01-2003, o 1º R deu conhecimento à A que essa quota havia sido transferida para a 6ª R pelo montante de € 63.862,00, pago em acções do capital social da 6ª R; nos termos do artigo 4º do contrato de sociedade da A, em caso de cessão de quotas a estranhos, a sociedade tem direito de preferência, com eficácia real; o exercício do direito de preferência foi deliberado na assembleia geral da A de 26-02-2003. E, quanto ao pedido indemnizatório, alegou que é uma sociedade familiar e que a entrada da 6ª R, uma sociedade anónima, se traduz na possibilidade de um estranho interferir na sua vida societária e na perda do seu direito de controlar e impedir a entrada de terceiros na sociedade, avaliando o prejuízo daí decorrente no valor atribuído pelos RR à quota cedida (€ 63.862).

Os RR contestaram, sustentando, além do mais, que o invocado artigo 4º do contrato de sociedade não é válido, por violar o disposto no artigo 229º, nº 5 do CSC, que apenas efectuaram a transferência da quota para uma sociedade que pertence à sua família, que não receberam qualquer preço mas acções da 6ª R e que daí não advieram prejuízos para a A.

Foi proferida sentença considerando a acção improcedente, com os argumentos de que o invocado direito de preferência tem mera eficácia obrigacional e inexiste fungibilidade entre as acções dadas em troca pela 6ª R e a quantia pecuniária que a A pode dar em troca, pelo que os RR não estavam obrigados a dar preferência à A, não havendo assim direito a qualquer indemnização.

A Relação de …, julgando procedente a apelação interposta pela A, reconheceu o direito de preferência desta na referida cessão da quota e, em consequência, ordenou a substituição da 6ª R pela A na posição de cessionária e titular da referida quota, com efeitos retroactivos à data da outorga da escritura, mediante pagamento do respectivo preço da cessão, no montante de € 63.862, e o cancelamento de toda e qualquer inscrição da titularidade da referida quota no capital social da A a favor da 6ª R.

Os RR interpuseram recurso de revista dessa decisão, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões, com que suscitam a questão de saber se não deve reconhecer-se o direito invocado pela A de lançar mão da acção de preferência: «1. É ilegal a cláusula existente num pacto social em que se estabelece que as cessões de quotas entre os sócios são livres, no todo ou em parte, e que a estranhos só depois de ser dada preferência primeiro à sociedade e depois aos sócios não cedentes; 2. O artigo 4° do pacto social estabelece o seguinte: “É livre a cessão de quotas à sociedade ou a outros sócios, mas a cessão a estranhos dependerá sempre do consentimento da sociedade, à qual caberá o direito de preferência em primeiro lugar, passando tal direito, em segundo lugar, para os sócios não cedentes”. Ressalta claramente a ilegalidade desta cláusula e que a mesma está a subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente de consentimento da sociedade, o que o artigo 229.º, n.º 5 do C.S.C. proíbe.

  1. Os verbos “subordinar” e “depender” são normalmente sinónimos, como pode ver-se em qualquer dicionário e deduzir dos artigos 486.º e 493.º do C.S.C..

  2. Na falta de convenção expressa ou de registo, uma cláusula de preferência não tem eficácia real, sendo evidente que do art. 4.º dos estatutos da Sociedade não consta uma estipulação “expressa” da eficácia real da preferência.

  3. A preferência contemplada no artigo 4º do pacto social não tem eficácia real pois a mesma não está expressamente estipulada no seu texto.

  4. Não é igual um montante em dinheiro líquido a um conjunto de acções de uma sociedade anónima (sem cotação em bolsa) pois o seu valor depende da avaliação do património social, das expectativas de lucros futuros da sociedade anónima, da percentagem (dominante ou não) a adquirir na dita sociedade.

  5. Importa atender também ao interesse dos sócios cedentes, quando não pretendem simplesmente alienar a quota, mas apenas restruturar o modo de exercício da sua participação na sociedade, passando de directa a indirecta e passando as decisões dos contitulares das quotas a ser tomadas de modo mais expedito pelos administradores da JJ.

  6. Quando a cessão da quota se efectua mediante uma troca por acções, não existe um “preço”; mesmo que à quota e às acções seja atribuído um valor, este não tem a natureza de um preço, visto que, na hipótese de troca, ninguém entrega moeda corrente.

  7. Não pode haver preferência no normal contrato de escambo, porque e na medida em que o titular desse direito não pode exercê-lo em condições iguais (“tanto por tanto”) às do adquirente: a coisa dada por este em troca da coisa recebida do alienante não lhe poderá ser dada pelo preferente, razão por que este não se poderá fazer substituir ao adquirente.

  8. O que os sócios cedentes quiseram e está inequivocamente provado foi “trocar” a sua quota por acções da JJ familiar, numa reorganização concentrada de todas as suas participações sociais que a lei abertamente lhe permite.

  9. O interesse dos cedentes não reside na percepção do preço (ainda que o preço justo) da quota; reside, sim na percepção em espécie das acções do cessionário que lhe facultem continuar a gerir (indirectamente) a quota na sociedade participada.

  10. Ver nos 63.862 euros a contrapartida da quota transferida para a JJ (como se fez no acórdão da Relação) não capta fielmente a realidade do negócio efectivamente concluído pelo cedente (contitulares da quota).

  11. Não é passível de extensão a alegada preferência estatutária dos restantes sócios à cessão de quota “por troca” com acções infungíveis da holding familiar, por definição insubstituíveis por outros bens ou equivalente em dinheiro, constituída pelos RR. para nela concentrar as suas participações sociais e através dela continuar a gerir (indírectamente) essas mesmas participações.».

    * A Relação considerou assente a seguinte factualidade: 1. A Autora intentou, em 04.07.2003, no Tribunal Cível da Comarca de …, acção declarativa, com processo comum ordinário, contra os Réus, que correu os seus termos pela 2.ª Secção da 12.ª Vara Cível do Tribunal Cível da Comarca de … sob o n.º 5978/03.0TVLSB, na qual alegou em síntese que: (i) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de artigos religiosos e regionais; (ii) O capital social da Autora é de 24.939,00 €, encontrando-se integralmente realizado, e é representado por cinco quotas iguais, cada uma no valor nominal de 4.987,98 € (quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos), correspondente a 20% do montante total do referido capital social, uma das quais, até 19 de Dezembro de 2002, pertencente em comum, sem determinação de parte ou direito, a BB, CC, DD, FF e HH, - os ora 1.º a 5.º Réus.

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