Acórdão nº 280/13.1TBCDN.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra Construções BB, Lda., CC, e Banco DD, S.A.

, pedindo: - Que se julgue definitivamente incumprido o contrato promessa celebrado entre a A. e a 1ª R., por motivo a esta imputável, condenando-se a mesma a pagar-lhe a quantia de € 58.910, compreendendo o montante de € 50.000 a título de sinal em dobro e a quantia de € 8.910 referente a benfeitorias realizadas no prédio prometido vender, mais se julgando que, com respeito a esse mesmo crédito, a A. é titular de direito de retenção sobre o dito prédio; - Subsidiariamente, a entender-se não existir incumprimento definitivo, que se considere resolvido por incumprimento definitivo imputável à 1ª R., condenando-se esta última a pagar-lhe a quantia de € 58.910, mais se julgando que, com respeito a esse mesmo crédito, a A. é titular de direito de retenção sobre o prédio prometido vender; - Subsidiariamente, a considerar-se que o contrato promessa se mantém em vigor, deverá o mesmo ser considerado denunciado pela A., sendo a 1ª R. condenada a restituir a quantia de € 25.000, recebida a título de sinal, e a pagar o montante de € 5.930, correspondente a despesas tidas com o imóvel prometido vender, julgando-se o crédito da A. decorrente da cessação do contrato garantido por direito de retenção sobre o imóvel prometido vender.

Alegou, em síntese, que: celebrou com a 1ª R. um contrato promessa de compra e venda de um lote de terreno com moradia em construção pela 1ª R., a ser entregue “devidamente acabada e concluída” à A., tendo esta pago €25.000, a título de sinal, convencionando-se a celebração do contrato definitivo nos 30 dias posteriores à obtenção do alvará de licença de utilização; posteriormente, a A. entregou à 1ª R. a quantia de € 5.930, destinada à instalação de portas de segurança e de chão radiante; quando pronta a habitação, a 1ª R. permitiu a sua utilização pela A., que aí se instalou com a família, tendo efectuado obras de instalação de bens que, tal como aqueles, não são susceptíveis de remoção; não só a promitente vendedora não obteve ainda a licença de utilização, como o imóvel prometido foi, entretanto, objecto de penhora pelo 2º R. em processo onde o 3º R. é credor reclamante; tal penhora torna impossível a obtenção de crédito pela A., condição prevista negocialmente para concretização do contrato prometido; por carta datada de Abril de 2013, a A. comunicou à 1ª R. a resolução do contrato por incumprimento imputável a esta.

O R. Banco DD contestou, alegando, em síntese: inexiste fundamento para a resolução contratual por não se verificar incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprimento da promessa, existindo apenas mora, não tendo sido fixado prazo certo para cumprimento da obrigação de obtenção da licença e inexistindo fundamento objectivo para eventual perda de interesse da A., não tendo existido, ademais, interpelação admonitória; a existência de uma penhora sobre o imóvel não constitui impossibilidade de venda; quanto à impossibilidade de obtenção de crédito, quando muito, a A. poderia denunciar o contrato, solicitando as quantias pagas, mas sem direito de retenção por não ser a extinção do negócio imputável a culpa da promitente vendedora.

A R. Construções BB, Lda., contestou, negando ter recebido qualquer comunicação de resolução do contrato. Mais afirmou, quanto aos pagamentos alegados pela A. para alterações da moradia, ter recebido nunca mais de € 4.930; considera não estarem devidamente alegados os factos relativos a benfeitorias e à compensação pelo respectivo valor; quanto à promessa de venda, não constitui incumprimento a existência da penhora que pode ser levantada a qualquer momento, nomeadamente com o pagamento do preço pela A., que a R. canalizaria para o cumprimento da obrigação executiva; ademais, não existe prazo para cumprimento da obrigação emergente da promessa para a promitente vendedora; não é verdade que a A. tenha deixado de poder obter empréstimo pela existência de ónus sobre o imóvel, o qual sempre esteve hipotecado, como a A. sabia, tendo sido esta, todavia, quem se desinteressou pela obtenção do empréstimo quando emigrou para o estrangeiro, sendo abusivo pretender ver extinto o negócio depois de tal procedimento de sua parte; é abusiva a pretensão da A. ao reembolso de benfeitorias, que, estando para além das autorizadas em contrato, foram efectuadas na vigência de promessa quando a promissária não informou a promitente vendedora e não diligenciou pela obtenção do empréstimo bancário; ademais, deve a A. à R. a quantia de € 1.000, relativa ao clausulado em 3º do contrato, contra crédito que deverá extinguir parcialmente o alegado pela A..

A A. apresentou novo articulado no qual requereu a condenação da 1ª R. promitente vendedora como litigante de má-fé.

A fls. 335 foi proferida sentença, que, julgando a acção improcedente, absolveu os RR. do pedido.

Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pretendendo a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto, e impugnado a decisão de direito.

Por acórdão de fls. 565, foi alterada a decisão relativa à matéria de facto e reapreciada a decisão de direito, decidindo-se, a final, nos seguinte termos: Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e considerando-se validamente resolvido o contrato promessa, condenando a Ré Construções BB, Lda., a devolver à autora o sinal em dobro, no montante de 50.000 €, e a pagar-lhe o valor das benfeitorias realizadas, no montante de 4.930,00 €, reconhecendo à autora o direito de retenção sobre o imóvel prometido vender relativamente a tais créditos.

2.

Vem o R. Banco DD, S.A. interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: A - Não estão reunidos os requisitos que permitam à Autora resolver o contrato promessa.

B - Nos termos do artigo 410.° n.°1 do Código Civil, o contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, e portanto, como qualquer outro contrato, está sujeito a resolução que corporiza um direito potestativo extintivo que deve ser fundamentado.

C - Segundo doutrina e jurisprudência, hoje, quase uniformes, só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato-promessa bem como a exigência do sinal em dobro ou a perda do sinal, pois a simples mora não pode ter tal consequência, D - Nos termos do artigo 808.° do Código Civil, a mora converte-se em incumprimento definitivo quando o credor, em consequência da mora, perde o interesse na prestação, ou, quando a prestação não é realizada dentro do prazo fixado pelo credor.

E - No contrato promessa outorgado pelas partes não foi estipulado qualquer prazo para cumprimento da aludida obrigação (vide ponto 4 da matéria provada), pelo que, se o devedor não for interpelado judicial ou extrajudicialmente para cumprir, a sua obrigação a constituição em mora não se verificará (cfr art°805°, 1 do CC).

F - Competia à Autora proceder à interpelação admonitória, da primeira Ré, intimando-a [a] outorgar o contrato prometido dentro de um peremptório razoável.

G - Conforme resulta dos factos provados (vide ponto 22) a comunicação efectuada pela Autora à primeira Ré não a intima a cumprir o contrato prometido, resolvendo de imediato o mesmo com fundamento na existência da penhora.

H - A Ré Construções BB, Lda, nem sequer se constitui em mora e, muito menos, em incumprimento definitivo.

I - O art. 808.°, n.°1 do Código Civil pressupõe, em primeira linha, a existência de mora, de onde o credor pode vir a obter a resolução do contrato, caso em consequência daquela perca o seu interesse na prestação, acrescentando o seu n°2 que tal perda de interesse é apreciada objectivamente.

J - Competia à Autora demonstrar essa perda de interesse o que, no entanto, não logrou fazer.

K - Desde logo, porque nunca interpelou a Ré Construções para a marcação da escritura.

L - A existência de penhora não configura, por si só, uma "declaração antecipada de não cumprir".

M - [A] Ré Construções poderia ainda, até à data da celebração do contrato prometido, remover esse ónus.

N - O regime legal do CIRE possibilita o cumprimento pelo Exm° Senhor Administrador de Insolvência dos contratos promessa outorgados pelo insolvente, sendo os bens vendidos livres de ónus e encargos.

O - Do supra exposto resulta que, não existe incumprimento imputável ao promitente-vendedor, uma vez que a existência de ónus sobre o bem prometido não impede o cumprimento da promessa e não constitui indício de intenção de não cumprir.

P - Pelo que, salvo o devido respeito, não estavam reunidas as condições para a resolução contratual por incumprimento culposo.

Q - O direito de retenção só é conferido ao promitente-comprador quando haja incumprimento culposo por parte do promitente-vendedor - neste sentido, nomeadamente, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.12.2007, relator Fonseca Ramos e acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26.02.2013, relator Márcia Portela, disponíveis em www.dgsi.pt.

R - Ora, conforme supra se disse e aqui se dá por reproduzido, não concebemos que exista incumprimento definitivo e culposo da Ré construtora.

S - Pelo que, face ao exposto, não assistindo razão à Apelante, não poderá proceder o seu pedido.

T - A decisão recorrida viola o disposto nos arts. 442°, n° 2, 801°, 808° do Código Civil.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: 1) A presente ação foi instaurada nos termos e para os efeitos do disposto no...

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