Acórdão nº 3336/15.2T8MTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | GABRIEL CATARINO |
Data da Resolução | 22 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Processo nº 3336/15.2T8MTS.P1.S1 Recorrente: “BANCO AA (Portugal), S.A.” Recorrida: Conservatória do Registo Predial de ....
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Relatório BANCO AA (Portugal), S.A., com sede na Avenida ..., n.º 000, em …, impugnou judicialmente o despacho de indeferimento dos recursos hierárquicos por si interpostos contra a Conservatória do Registo Predial de …, correspondentes às Apresentações n.ºs 0082, 0109, 0127 e 0129, de 2015-03-13, quanto aos despachos de recusa de cancelamento de hipotecas/penhora referente às Apresentações n.ºs 37, 38, 39 e 40, de 2015-02-08, pedindo que, na procedência da impugnação, sejam cancelados, oficiosamente, os seguintes ónus/encargos registados sobre os prédios com os n.ºs 0735, 0736 e 0738, todos da freguesia de ..., concretamente: - Quanto ao prédio descrito sob o n.º 0735: a) cancelamento de duas hipotecas a favor do BANCO AA (Portugal), S.A,. nos termos das inscrições Ap. 17, de 21/07/2005 e Ap. 0581, de 21/09/2009; b) cancelamento de uma hipoteca a favor da BB, S.A., nos termos da inscrição Ap. 0128, de 04/12/2009.
- Quanto ao prédio descrito sob o n.º 0736: a) cancelamento de duas hipotecas a favor do BANCO AA (Portugal), S.A., nos termos das inscrições Ap. 17, de 21/07/2005 e Ap. 0581, de 21/09/2009; b) cancelamento de uma hipoteca a favor da BB, S.A. ,nos termos da inscrição Ap. 0128, de 04/12/2009.
- Quanto ao prédio descrito sob o n.º 0737: a) cancelamento de duas hipotecas a favor do BANCO AA (Portugal), S.A., nos termos das inscrições Ap. 17, de 21/07/2005 e Ap. 0581, de 21/09/2009; b) cancelamento de uma hipoteca a favor da BB, S.A., nos termos da inscrição Ap. 0128, de 04/12/2009; e, c) cancelamento de uma penhora a favor da AT – Autoridade Tributária Aduaneira, nos termos da inscrição correspondente à Ap. 0357, de 19/06/2014.
- Quanto ao prédio descrito sob o n.º 0738: a) cancelamento de duas hipotecas a favor do BANCO AA (Portugal), S.A., nos termos das inscrições Ap. 17, de 21/07/2005 e Ap. 0581, de 21/09/2009; b) cancelamento de uma hipoteca a favor da BB, S.A. nos termos da inscrição Ap. 0128, de 04/12/2009.
Para os pedidos que impetra, alega, em síntese apertada, que: - celebrou com a sociedade “CC, Ld.ª”, um contrato de mútuo, com hipoteca e fiança, outorgado por escritura pública, em 29.09.2005, mediante o qual lhe concedeu um empréstimo no montante global de € 14.600.000,00, destinado a financiar a construção de um projecto imobiliário composto por um edifício destinado a habitação e comércio, pelo prazo de 48 meses, com início na data da outorga da escritura e termo em 29.09.2009, no qual os juros compensatórios deveriam ser liquidados e pagos em prestações postecipadas, sucessivas e trimestrais, vencidas no dia 29 de cada mês e o capital, por sua vez, seria reembolsado à impugnante, na sua totalidade, em 29.09.2009; - Como garantia do bom e integral cumprimento de todas as obrigações assumidas na referida escritura pública, a CC constituiu a favor da impugnante hipoteca voluntária sobre os seguintes prédios: Lotes 5, 6, 7 e 8, compostos por terreno destinado a construção urbana, sitos no Lugar ... ou ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscritos na matriz, respectivamente, sob os artigos 0212, 0213, 0214 e 0215 e descritos na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob os números, respectivamente, 0735, 0736, 0737 e 0738, abrangendo todas as construções e benfeitorias, presentes e futuras; - A firma mutuária apresentou um processo especial de revitalização que correu termos no 4.º juízo cível do Tribunal do Comércio de …, com o n.º 484/13.7TYLSB, no âmbito do qual a impugnante apresentou reclamação de créditos, tendo reclamado o valor global de € 2.521.363,30, crédito esse que integra a categoria de créditos garantidos e que foi reconhecido; - No plano de recuperação aprovado e homologado por sentença consta, no que aos créditos garantidos diz respeito, que os mesmos “sejam pagos na íntegra através da dação em cumprimento a seu favor”, determinando ainda que “as sobreditas dações serão realizadas livres de ónus ou encargos”.
- No cumprimento do aprovado e homologado plano de recuperação, a CC deu à impugnante, livres de ónus ou encargos, os prédios acima descritos, mediante escritura de dação em cumprimento outorgada em 15.10.2014; - O registo da aquisição a favor da impugnante foi concedido em conformidade; - Não obstante, não se procedeu ao cancelamento dos demais ónus incidentes sobre os prédios objecto da dação em cumprimento.
- Em 08.02.2015 a impugnante requereu o cancelamento dos ónus com base na sentença homologatória do plano de recuperação e do respectivo plano; O pedido foi distribuído à CRP de …, a qual, relativamente a tal pedido de registo, proferiu o seguinte despacho: “Recusado o registo do cancelamento de hipoteca, nos termos do artigo 69º nº 1 al. b) do Código do Registo Predial – manifesta falta de título. Os documentos juntos não permitem efectuar o cancelamento, pois não estamos no âmbito de uma aquisição decorrente de um processo de insolvência em que os cancelamentos são efectuados oficiosa e gratuitamente, nos termos do nº 5 do artigo 101º do referido Código, estamos, antes, perante uma aquisição por dação em cumprimento tomada no âmbito de um processo especial de revitalização, e como tal não há título e ainda que houvesse, o registo não poderia ser efectuado, pois não foi paga qualquer quantia.”; - A impugnante, não se conformando com tal despacho, apresentou recurso hierárquico para o Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariado, IP, com os fundamentos seguintes: a) Primeiramente, em virtude de a Lei prever a aplicação subsidiária das normas referentes ao plano de insolvência ao plano de recuperação aprovado em sede de processo especial de revitalização, conforme resulta do disposto no artigo 17-F, n.º 5, do CIRE, o que sempre levaria à aplicação, no caso vertente, do disposto no artigo 101.º, n.º 5, do CRP.
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Mesmo que assim não fosse, os títulos que servem de suporte ao registo de cancelamento sempre seriam suficientes para efectivação do registo. Na verdade, do plano de revitalização aprovado e homologado por sentença consta, no que aos créditos garantidos concerne, que os mesmos “sejam pagos na íntegra através da dação em cumprimento a seu favor”, determinando ainda que “as sobreditas dações serão realizadas livres de ónus ou encargos”. Por seu lado, da escritura de aquisição da propriedade a favor da impugnante resulta que a mesma é feita “livre de ónus ou encargos”; c) No que à questão da falta de pagamento de emolumentos diz respeito, é do conhecimento do serviço que proferiu o despacho em crise que, procedendo-se ao registo através da plataforma informática, o sistema não gera qualquer documento para efectivação de qualquer pagamento, emitindo um documento do qual consta a seguinte indicação: “valor do preparo: 0 €”. Desse documento resulta ainda a seguinte indicação: “Isenções, Reduções e Agravamentos Emolumentares: Actos de registos exigidos para execução de providências integradoras ou decorrentes de plano de insolvência judicialmente homologado que visem o saneamento da empresa, através da recuperação do seu titular ou da sua transmissão, total ou parcial, a outra ou outras entidades.” Assim, ficou a impugnante, por um lado, impedida de efectuar qualquer pagamento e, por outro, com a percepção de que tal pagamento não seria devido. Não obstante, caso entendesse que havia lugar ao pagamento de qualquer emolumento, deveria a entidade recorrida proceder à notificação da impugnante para efectuar o pagamento em falta; - Não obstante os fundamentos invocados, o Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariado, IP não concedeu provimento e proferiu despacho com a seguinte conclusão: “A dação em cumprimento realizada em execução de processo especial de revitalização não produz os efeitos do artigo 824.º do Código Civil, pelo que o registo respectivo não suscita a aplicação do artigo 101.º, n.º 5, do Código de Registo Predial”.
- Acresce que os créditos da impugnante foram reconhecidos na categoria de créditos garantidos, em virtude das hipotecas sobre os bens supra identificados, registadas a favor da impugnante em momento anterior às demais hipotecas e penhoras registadas sobre os mesmos prédios; - Tal facto determina que o crédito da impugnante goza de garantia real sobre o bem penhorado e de prioridade no que aos ónus ou encargos posteriormente registados sobre os mesmos prédios concerne; - Conclui no sentido de dever o despacho proferido pelo Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariado, IP ser revogado e substituído por um outro que, reconhecendo razão à impugnante, determine o cancelamento dos ónus e encargos registados sobre os prédios supra identificados.
O M.P. pronunciou-se a fls. 235, declarando subscrever a posição assumida pelo Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariado, IP.
Na sentença constante de fls. 248 a 266 foi decidido julgar a impugnação judicial totalmente improcedente.
Na apelação interposta da sentença denegatória – cfr. fls. 327 a 372 –, veio a ser decidido julgar: “(…) julgando a apelação parcialmente procedente, altera-se a decisão recorrida no segmento relativo às hipotecas de que é titular a apelante e, em consequência, determina-se o cancelamento das duas hipotecas a favor da apelante, nos termos das inscrições Ap. 17, de 21/07/2005 e Ap. 0581, de 21/09/2009, sobre cada um dos seguintes prédios: a) Lote 5, composto por terreno destinado a construção urbana sito no lugar ... ou ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo 0212 e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 0735, abrangendo todas as construções e benfeitorias, presentes e futuras; b) Lote 6, composto por terreno destinado a construção urbana sito no lugar ... ou ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo 0213 e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o número...
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