Acórdão nº 2886/12.7TBBCL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelTAVARES DE PAIVA
Data da Resolução04 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório AA intentou em Setembro de 2012 acção de investigação de paternidade contra BB pedindo que se declare que o Réu é seu pai e consequentemente o reconhecimento da respectiva paternidade.

O R contestou e no que ora releva, o réu excepcionou a caducidade do direito que a autora pretende fazer valer através da presente acção.

A Autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência da invocada excepção de caducidade, invocando a inconstitucionalidade das normas que seriam aplicáveis ao caso.

O Réu treplicou, reiterando a alegada caducidade e sustentando que, tendo a acção sido instaurada em Setembro de 2012, ao caso se aplica a lei nº 14/2009 de 01.04, que entrou em vigor em 2.04.2009.

Procedeu-se ao saneamento e à condensação do processo, com a selecção da matéria de facto assente e controvertida, e, após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição do réu do pedido.

De tal decisão apelou a autora, tendo, porém, o Tribunal da Relação de Guimarães confirmado a decisão recorrida.

Inconformada, interpôs recurso a autora recurso de revista ao abrigo do art. 672 nºs 1 e 2, alínea b) do CPC, invocando, para tanto, que o acórdão recorrido está em oposição como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.05.2008, cuja cópia juntou aos autos.

Por acórdão de 2.06.2016, este Supremo Tribunal, considerando ter ocorrido omissão de pronúncia que não era susceptível de ser suprida e concedendo, assim, a revista, anulou a decisão recorrida e ordenou que os autos voltassem à Relação a fim de que procedesse à reforma daquela no que toca à matéria de facto que a apelante havia impugnado- em concreto, a referente ao facto de a mãe da autor lhe ter dito, um ano antes de ter sido intentada a acção, que o réu era o seu pai- já que estando tal matéria relacionada com a caducidade, atento o condicionalismo previsto no art. 1817 nº3 do C. Civil, o seu conhecimento não era inútil.

Em cumprimento do decidido, foi proferido no acórdão no qual o Tribunal da Relação de Guimarães, mantendo a matéria de facto que havia sido fixada pela 1ª instância, confirmou a decisão recorrida.

Novamente inconformada, interpôs agora a autora recurso de revista excecpional, que foi admitido, por decisão da formação de apreciação preliminar, com fundamento na previsão contida na alínea a) do9 nº1 do art. 672 do CPC.

II - Fundamentação: Questões que cumpre conhecer: a) Erro de julgamento no que toca à matéria de facto impugnada pela recorrente que foi reapreciada pela Relação (pontos 1. a 3. das conclusões); b) Nulidade do acórdão recorrido por insuficiência ou por omissão de pronúncia (ponto 4. das conclusões); c) Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04 (pontos 5. a 15. das conclusões); d) Interpretação do artigo 1817.º, n.º 3, do Código Civil no que concerne à repartição do ónus da prova dos factos contidos nesta previsão normativa (pontos 16. a 18. das conclusões).

  1. Do erro de julgamento no que concerne à matéria de facto impugnada pela apelante que foi reapreciada pela Relação (pontos 1. a 3. das conclusões): Sustenta a recorrente, nas conclusões da sua alegação recursória, que, tendo impugnado a decisão da matéria de facto no que concerne à matéria contida no artigo 4.º da base instrutória – “A mãe da autora, um ano antes de ter sido intentada a presente acção, disse-lhe que o réu era o pai dela” –, matéria essa que o tribunal de 1.ª instância deu como não provada, a Relação incorreu em erro de julgamento ao ter mantido essa resposta negativa já que a prova documental constante dos autos e a prova testemunhal produzida impunham que tal matéria tivesse sido dada como provada.

    Vejamos: Dispõe o artigo o artigo 682.º, n.º 1, do referido diploma legal que aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado; acrescentando o n.º 2 do mesmo normativo que A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674.º.

    Preceitua, por sua vez, este último normativo que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

    Vê-se, assim, claramente destes preceitos que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, em regra, apenas conhece de matéria de direito, não lhe cabendo sindicar a matéria de facto apurada pelas instâncias, a não ser que se verifique algum dos casos excepcionais expressamente previstos na lei.

    Com efeito, tal como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª edição, p. 398), a actividade do Supremo não se preocupa com as possíveis alternativas sobre o julgamento dos factos relevantes, mas exclusivamente com a determinação da solução jurídica adequada para os factos apurados pelas instâncias, já que na função atribuída ao Supremo prevalecem os interesses gerais de harmonização na aplicação do direito sobre a averiguação dos factos relativos ao caso concreto e a concentração dos seus esforços na determinação da norma aplicável e no controlo da sua interpretação e aplicação pelas instâncias.

    Também Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, p. 270) afirma, em sentido coincidente, que, em regra, o Supremo não se pronuncia sobre a verdade dos factos em que se baseia a invocada infracção à lei. Compete-lhe antes apurar se foi exacta a aplicação da lei, no pressuposto de que os factos aos quais a aplicou o tribunal a quo são verdadeiros tal como ele os considerou provados.

    Ou seja, ainda que, face ao disposto no artigo 674º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o Supremo não fique totalmente paralisado no que concerne ao controlo da decisão da matéria de facto, a verdade é que a sua intervenção se circunscreve a aspectos em que se tenha verificado a violação de normas de direito probatório material (por, nessa hipótese, estarem em causa verdadeiros erros de direito), já não abrangendo, porém, questões inerentes à decisão da matéria de facto quando esta foi precedida da formulação de um juízo assente na livre apreciação da prova formulado pela 1.ª instância ou até pela Relação (vide, neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, p. 337 e ss.).

    Trata-se, de resto, de orientação que é igualmente pacífica na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, podendo ver-se, a título exemplificativo, as seguintes decisões: Acórdão de 15-01-2015 (proc. 266/10.8TBBRG.G1.S1, Relator Tavares de Paiva, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Cvel2015.pdf) - Acórdão de 22-01-2015 (proc. 24/09.2TBMDA.C2.S1, Relatora Maria dos Prazeres Beleza, disponível em www.dgsi.pt): - Acórdão de 19-01-2016 (proc. 871/07.0TCSNT-A.L1.S1, Relator Gregório Silva Jesus, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf): - Acórdão de 05-04-2016 (proc. 415/07.3TBMMV.C1.S1, Relator João Camilo, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf): - Acórdão de 07-04-2016 (proc. 397/09.7TBPVL.G1.S1, Relator Orlando Afonso, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf): - Acórdão de 19-04-2016 (proc. 5654/13.5TBMTS-A.P1.S1, Relator Garcia Calejo, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf): - Acórdão de 19-10-2016 (proc. 3285/05.2TVPRT.P1.S1, Relator Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt): 2.

    Da nulidade do acórdão recorrido por insuficiência ou por omissão de pronúncia (ponto 4. das conclusões): Invoca a recorrente, ademais, que o acórdão recorrido é nulo, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por o Tribunal da Relação não ter apreciado ou julgado como é que se conta o prazo ou qual foi o prazo concedido pelo artigo 1.º da Lei n.º 14/2009 aos investigantes que, tal como a autora, à data da sua entrada em vigor, já tinham mais de 18 ou mais de 28 anos de idade.

    Afigura-se, porém, que não lhe assiste razão.

    Dispõe, no que ora releva, o artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (aplicável aos acórdãos ex vi do disposto no artigo 666.º do mesmo diploma legal) que É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).

    Conforme se colhe dos ensinamentos de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, volume V, 3ª edição, 1952, reimpressão, Coimbra Editora, 2007, p. 141), que mantêm inteira actualidade, ocorrerá o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam, logicamente, a um resultado, mas o resultado expresso na decisão é exactamente o oposto.

    Por sua vez, a sentença será obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos (cf. Alberto dos Reis, ob cit., p. 151).

    Já no que concerne à omissão de pronúncia, trata-se de nulidade que está em correspondência directa com o dever imposto ao juiz, ínsito no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, no sentido de o mesmo ter de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra.

    Tal não significa, porém, que o juiz se...

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