Acórdão nº 83/15.9GILRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Maio de 2017
Magistrado Responsável | ISABEL SÃO MARCOS |
Data da Resolução | 04 de Maio de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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Relatório 1.
Na Comarca de Lisboa Norte - Instância Central - Secção Criminal – J1, e no âmbito do processo comum colectivo n.º 83/15.9GILRS, o arguido AA foi julgado e, no que para o que ora releva, por acórdão de 29.04.2016: - Absolvido da prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, e 132.º, números 1, e 2, alíneas c), e e) todos do Código Penal, bem como da pena acessória de expulsão do território nacional prevista nos artigos 151º e 144.º, ambos da Lei n.º 23/2007; - Condenado, como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, número 1, alínea d), e número 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão – vítima BB; - Condenado, por via da convolação da qualificação jurídica decorrente da acusação, como autor material de um crime de violência doméstica, agravado pelo resultado, previsto e punido pelo artigo 152.º, números 1, alínea d), 2, e 3, alínea a), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão – vítima CC; Em cúmulo jurídico, foi o arguido AA condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Mais foi o arguido AA condenado a pagar aos demandantes: - DD a quantia de €20.000 (vinte mil euros), acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a data da prolação do acórdão proferido em 1.ª Instância até efectivo e integral pagamento; - Centro Hospitalar de Lisboa Norte (EPE) a quantia de €4.725,81 (quatro mil setecentos e vinte e cinco euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a data da prolação do acórdão proferido em 1.ª Instância até efectivo e integral pagamento.
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Inconformado com esta decisão, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, limitado à questão da qualificação jurídica dos factos dados como assentes e integradores do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, números 1, alínea d), 2, e 3, alínea a), do Código Penal, perpetrados na pessoa da menor CC, e bem assim à questão relativa à condenação do arguido na pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão, com reflexos no cúmulo jurídico efectuado, e por via do qual foi o arguido AA condenado na pena conjunta de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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Por acórdão de 09.11.2016 do Tribunal da Relação de Lisboa, foi decidido dar provimento ao recurso e, em resultado disso: - Excluir-se do facto provado descrito no ponto 30 o uso do cabo da vassoura bem como outras referências que no acórdão recorrido vêm feitas a tal propósito e relativas à vítima Isabel; - Alterar, nos termos sobreditos, o ponto 31 dos factos provados e, em consequência, condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º, e 132 números 1 e 2, alíneas c), e e), do Código Penal (de que foi vítima menor CC), na pena de 13 anos de prisão.
- Em cúmulo jurídico dessa pena com a pena de 3 (três) anos de prisão, cominada pelo crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigoº 152º, números 1, alínea d), e 2, do Código Penal (de que foi ofendido o menor BB), condenar o arguido na pena conjunta de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- Manter, no mais, o acórdão recorrido.
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Irresignado com o assim decidido, o arguido AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo da motivação apresentada extraído as seguintes conclusões[1]: “1- O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa pelo qual, dando provimento ao Recurso interposto pelo MP, procedeu à alteração dos factos provados, pontos 30 e 31 do douto acórdão da 1ª Inst., elevando a pena aplicada de 7 anos e 6 meses para 14 anos de prisão.
2- Isto por se considerar que, a conclusão a que chegou o tribunal recorrido no tocante à não conformação com o resultado morte (ponto 31) não se adequa às circunstâncias concretas e efectivamente apuradas, pelo que...
verificando-se o vicio previsto no art.º 410º/2, al. b) do CPP, pelo que deve o recurso proceder, o que implica a modificação da matéria de facto dada como provada no ponto 31, no sentido seguinte:" O arguido agiu com o propósito conseguido de molestar a integridade física da CC, o que quis e conseguiu, bem sabendo que a mesma, devido à sua idade e compleição física, era especialmente vulnerável tendo representado como possível resultado da sua conduta, mormente dos socos que desferiu na cabeça da ofendida, que poderia atingir órgãos vitais, o que aconteceu, sendo que foi de tal agressão que sobreveio a morte da CC, resultado com o qual se conformou.
3- Decisão com a qual o ora recorrente não pode concordar. Senão vejamos: 4- No recurso interposto da matéria de facto, o MP não deu cumprimento ao disposto no art.º 412º n.º 3 e 4 do CPP (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa), razão porque e em consequência com a jurisprudência dominante e o disposto nos artigos 419º n.º 4 a) e 420º do CPP, deveria/deve julgar-se improcedente a impugnação da matéria de facto, rejeitando-se o recurso.
5- Pelo que, infundada se mostra a decisão ora recorrida perante ausência de tais elementos de prova, desde logo na parte da referida matéria de facto constante dos pontos 30 e 31 dos factos provados. Com efeito, 6- Resultou, ademais, como matéria de facto provada, quer pelas declarações das testemunhas inquiridas em audiência, incluindo as da acusação, que o arguido jamais maltratou os menores BB e CC que era quem tomava conta delas uma vez que a mãe trabalhava durante o dia todo, cuidava delas, dava-lhes refeições banhos, leva-os a creche, entre outros cuidados do dia-a-dia (CD1).
7 - Por sua vez, em audiência de julgamento, o arguido negou, por não corresponder à realidade, que tenha violentado os menores, CC e BB e, asseverou ante o tribunal da 1.ª instância que sempre procurou dar-lhes o maior conforto possível, pois não tinha filhos e os considerava como tais. Pelo que, 8- Jamais quis ou tenha representado, sequer, como possível que da sua conduta proviesse a morte de CC.
9- Aliás, o próprio MP recorrente, embora discordando da pena de 7 anos e 6 meses aplicada ao ora recorrente, pediu que a pena fosse alterada de 7 anos e 6 meses, para 9 anos de prisão, porém, jamais os 14 anos ora imposta. Isto porque, 10- A senhora procuradora da república recorrente, percepcionou a forma clara, sincera e credível, como o ora recorrente relatou os factos ocorridos, bem como a forma não tão menos sincera e credível como as 8 testemunhas que presenciaram os factos depuseram em audiência de julgamento; 11- Tanto assim é que, a própria mãe das crianças (com quem o recorrente continua mantendo relacionamento normal e que o visita nos EPs), no decurso das audiências, escutou as declarações deste, em silêncio, sem que as tenha desmentido, em alguma momento, não obstante ter-lhe sido dada essa oportunidade de o fazer caso quisesse. Pelo que, 12- O Tribunal da 1.ª instância fez uma correcta análise e interpretação da prova, apreciando-a segundo os ditames legais do artigo 127º do CPP, ou seja, segundo as regras da experiência comum e a lógica do homem médio, sempre na procura da verdade material.
13- Atento que o princípio da livre apreciação da prova atribui ao julgador uma liberdade que visa exclusivamente a descoberta da verdade devendo obediência a critérios de objectividade e às regras da vida, formulando conclusões subordinadas apenas à razão e á lógica.
14- Aliás, baseando-se em tal princípio, o Tribunal em 1ª instância, pôde formar a sua convicção optando pelos depoimentos das testemunhas de acusação e da defesa, bem como outros meios de prova que considerou verdadeiros e isentos.
15- Aliás, toda a factualidade se encontra descrita de forma suficiente, clara e escorreita sem qualquer obscuridade, erros ou contradições, correspondendo de forma fidedigna à prova produzida em julgamento ou obtida no decurso do processo, não se verificando no douto Acórdão, quaisquer dos vícios a que se reporta o artigo 410º nº 2 do CPP, mantendo a fundamentação colhida de que o arguido não se conformou (ponto 31), com o resultado morte.
16- Sendo certo que qualquer dos apontados vícios só pode ocorrer se resultasse do texto do Acórdão por si só ou conjugado com as regras da experiência.
17 - Pelo que, inexiste em nossa opinião qualquer erro notório na apreciação da matéria de facto provada e não provada no douto acórdão da la instância (art.º 410º/ CPP).
18- O qual só "Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrada a partir do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum». (Ac. STJ de 17.12.97, BMJ, 472,407).
19- O que não é o caso, a nosso ver.
20- Acresce que, o acórdão recorrido padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no que se refere aos pontos 30 e 31 dos factos considerados provados pelo tribunal a quo.
21- Mostrando-se também violados nessa parte, os comandos legais contidos nos artºs 283º/3 al. b) e 374º/2 do CPP e 32º/1 da CRP.
22- De resto a interpretação do disposto nos artºs 283/3 al. b), 374º/2 ambos do CPP, no sentido de que é permitido o uso de formas verbais condicionais e conceitos vagos na imputação dos factos ao recorrente, constitui violação do princípio constitucional da tipicidade, da proibição do recurso à antologia e do in dubio pro reo, consagrados nos art.º 29º/1 e 3 e 32º/2 ambos da CRP.
23- O acórdão sob censura padece ainda do vício de contradição insanável entre a sua fundamentação e a decisão, quanto à matéria de facto provada art.º 410/2 al. b) do CPP.
24- Igualmente enferma o acórdão, ora recorrido do vício de omissão de fundamentação, no que concerne à qualificação jurídica operada e á consequente medida concreta da...
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