Acórdão nº 503/14.OTBAMT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução02 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA, BB e CC propuseram a presente ação, com processo comum, contra “DD - Sucursal em Portugal”, todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhes uma indemnização, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor global de €247.396,47, sendo €77.465,48 para a autora AA, €77.465,48 para a autora BB, e €92.465,48 para o autor CC, acrescida de juros de mora legais, contados desde a citação, alegando, para tanto, e, em síntese, que, no dia 22 de abril de 2011, na Rua ..., ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ...-SN, conduzido por EE, segurado na ré, e, pelo menos, cem peões, entre os quais, FF, mãe dos autores, que se encontrava na berma da estrada, e na qual, entre muitas outras, o referido veículo, por culpa exclusiva do seu condutor, embateu, causando-lhe vários ferimentos, que lhe determinaram a morte, no dia 23 de dezembro de 2011.

Na contestação, a ré conclui pela improcedência da ação, defendendo a exclusão da responsabilidade do seu segurado pela ocorrência do acidente, não aceitando a extensão dos danos invocados pelos autores, o direito destes a alguns dos que reclamam, bem como o valor dos mesmos, que reputa de exagerados.

A sentença julgou “a ação, parcialmente, procedente por parcialmente provada e em consequência, condenou a ré seguradora a pagar à Autora AA a quantia de €45.457,06, acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €45.000, a contar da presente data em que foi proferida a presente sentença até integral e efectivo pagamento e acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €457,06 a partir da citação até integral e efectivo pagamento – a); condenou a Ré Seguradora a pagar á Autora BB a quantia de €45.457,06, acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €45.000 a contar da presente data em que foi proferida a presente sentença até integral e efectivo pagamento e acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €457,06 a partir da citação até integral e efectivo pagamento – b); e condenou a ré seguradora a pagar ao Autor CC a quantia de €55.457,05, acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €55.000 a contar da presente data em que foi proferida a presente sentença até integral e efetivo pagamento e acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €457,05 a partir da citação até integral e efectivo pagamento – c); absolvendo a Ré Seguradora do demais contra si peticionado pelos Autores nos presentes autos” – d)”.

Dessa sentença, a ré “DD-Sucursal em Portugal” interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação “julgado parcialmente procedente a presente apelação, pelo que, mantendo no mais o que ficou decidido, se altera a sentença recorrida na parte em que determinou a compensação pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima FF, cujo montante, em substituição do anteriormente definido, se fixa agora na quantia de 30.000,00 € (trinta mil euros)”.

Do acórdão da Relação do Porto, a ré interpôs recurso de revista independente e os autores interpuseram recurso de revista subordinado, formulando as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem: RECURSO INDEPENDENTE DA RÉ DD: 1ª – O presente recurso centra-se sobre a apreciação da culpa na eclosão do sinistro.

  1. - O entendimento de que este ocorreu devido à culpa exclusiva do condutor do veículo não se deve manter, devendo antes entender-se que a culpa de todos os peões, incluindo a da vítima, concorreu, na proporção de 60% para a eclosão do evento.

  2. – Prima facie – a matéria, acima elencada, constante dos pontos 8, 10 e 13 dos factos provados configura um conjunto de conclusões que não pode ser considerada matéria de facto, devendo, por conseguinte, ser declarada não escrita - cfr. Ac. do STJ de 24 de Fevereiro de 1999 (in www.stj.pt, Proc. 905/97, nº JST00035969, Rel. Ferreira Ramos) e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, p. 312.

  3. - O condutor do “SN” não seguia distraído ou sem atenção, pois, caso contrário, teria embatido no veículo que se encontrava parado à sua direita, a ocupar parte da faixa de rodagem, o que não sucedeu. Provou-se que contornou esse veículo.

  4. - No que respeita à questão da culpa na produção do sinistro importa verificar, em concreto, qual o comportamento de cada um dos intervenientes, face ao critério de culpa enunciado no art.º 487º nº 2 do Código Civil, ou seja, o da diligência de um bom pai de família - cfr. Ac. do S.T.J. de 3 de Junho de 2008 (Revista n.º 880/08 - 6.ª Secção).

  5. – A “visão” dos factos de que o sinistro se deveu a exclusiva do condutor do “SN”, constante do douto Acordão recorrido mostra-se redutora, segmentada e incompleta.

  6. - A vítima, mesmo seguindo pela berma, não deixava de ser uma das integrantes e componentes da via sacra, pois foi por causa de participar na procissão que a vitima estava no local, tendo-se provado, aliás, que era uma das participantes da via sacra.

  7. - Como bem se referiu no voto de vencido de fls. . “(a) culpa da mãe dos autores não pode ser desintegrada da culpa de todos os outros intervenientes apeados da procissão, sendo tão culpada pelos danos de que ela própria e os seus três filhos foram vítimas como todos os outros intervenientes apeados”.

  8. – A vítima integrava uma procissão composta por mais de cem pessoas que caminhavam em plena faixa de rodagem, sem dispositivos luminosos, sem coletes reflectores, sem qualquer sinalização, a ocuparem por completo a via, de noite e a seguir a uma curva de aldeia, sem visibilidade – tudo factos provados !!!!!! 10ª – Este conjunto de peões constituía um OBSTÁCULO IMPREVISÍVEL para qualquer condutor e é no interior deste obstáculo que seguia a vítima.

  9. - O douto acórdão recorrido abre a porta a decisões completamente díspares, consoante seja a posição do peão no interior da procissão, o que não se pode aceitar.

  10. - O peão (vítima do atropelamento) integrava de livre vontade uma procissão nocturna que ocupava TODA A VIA, sem qualquer licenciamento ou sinalização.

  11. - Sendo a incúria colectiva o principal factor de culpa do CONJUNTO DE PEÕES DENOMINADO PROCISSÃO, não faz sentido afirmar que este ou aquele peão integrante da procissão tem mais ou menos culpa, ou até nenhuma culpa.

  12. - Foi a ocupação de toda a via – bermas incluídas – que configurou um obstáculo impossível de evitar ou contornar.

  13. - A vítima dos presentes autos tem de ser considerada culpada, pois INTEGRAVA UMA PROCISSÃO QUE OCUPAVA TODA A VIA, DE NOITE, E A SEGUIR A UMA CURVA SEM VISIBILIDADE.

  14. - Os peões encontravam-se conscientes de que integravam o cortejo e ocupavam toda a via, bermas incluídas, o que resultou do depoimento de todas as testemunhas.

  15. - Os peões sabiam que o cortejo não era regulado por autoridades policiais e sabiam que o mesmo não se encontrava sinalizado, fosse através de luzes, fosse através de um veículo de sinalização, fosse através do uso de coletes retrorrefletores.

  16. - Por via da posição e da falta de sinalização dos peões o sinistro tinha sempre de ocorrer (cfr. cópia do relatório do I.M.T.T. de fls), por causa e por culpa dos peões, e independentemente da velocidade do veículo.

  17. - O comportamento dos peões do cortejo concorreu também, de forma causal e culposa para a produção do sinistro – cfr. art.ºs 563º e 570.º n.º 1 do Código Civil.

  18. - A tese, constante do douto acórdão recorrido, de que um veículo a sinalizar a procissão nada resolvia é igualmente FALSA e DESMENTIDA pelos factos provados.

  19. - Se o condutor do “SN” contornou o tal veículo parado e se travou bruscamente ao avistar os peões, mister é concluir que teria parado ao avistar um veículo EM SENTIDO CONTRÁRIO a sinalizar a procissão, pois esse veículo era impossível de contornar.

  20. - Bastava que existisse um veículo com os faróis ligados, ou até com os quatro piscas a sinalizar o cortejo para que toda esta tragédia fosse evitada, até porque tal veículo teria de ser posicionado à frente da procissão e a uma distância de segurança dos peões.

  21. - Aos peões integrantes da via-sacra impunha-se o cumprimento de todos estes cuidados e obrigações legais. Contudo, nenhuma das obrigações legais foi cumprida.

  22. - OS PEÕES tiveram um comportamento totalmente desconforme à prática habitual, às regras do bom senso, e, decisivamente, às normas consagradas no Código da Estrada – vidé art.º 8.º n.º 1 e art.º 102.º n.º 1 do Código da Estrada.

  23. - A realização do cortejo não se encontrava devidamente autorizada, o que acentua a ilicitude do comportamento e, em consequência, a culpa na produção dos danos.

  24. - Causal do sinistro foi o facto dos peões não se encontrarem sinalizados, ou seja, o cortejo não assinalou a sua presença na via através de, PELO MENOS, uma luz branca dirigida para a frente e uma luz vermelha para a retaguarda e também não foram utilizados os coletes retrorrefletores, no início e no fim da formação.

  25. - A sinalização do cortejo, por veículo ligeiro ou por autoridades policiais, o uso de luzes de sinalização e o uso de coletes retrorreflectores teria evitado esta tragédia.

  26. - O condutor do “SN” não poderia prever a presença “de, pelo menos, cem peões” na via, a seguir a uma curva à direita, de má visibilidade, a ocuparem toda a faixa de rodagem, de noite e sem qualquer sinalização, mesmo que circulasse a 50 km/h.

  27. - O dever de previsibilidade não pode ir para além do normal – cfr. Ac. do S.T.J. de 03-05-2012, Revista n.º 136/07.7TBVLSB - 2.ª Secção e muitos outros.

  28. – Nunca por nunca poderá assim ficcionar-se a culpa única e exclusiva do condutor do “SN” na produção do sinistro en cause.

  29. – O sinistro ocorreu de noite e a condução nocturna rege-se, acima de tudo, pelas luzes dos outros veículos.

  30. - O condutor do “SN” só era obrigado a regular-se por essas luzes, no essencial.

  31. – Mesmo a existir iluminação pública, a mesma não se destina a substituir a iluminação dos veículos ou a...

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