Acórdão nº 144/11.3TYLSB.L2.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução20 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA - COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE SAÚDE, S.A.

, intentou acção declarativa contra BB - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A.

, e pediu a anulação do registo da marca Rentimedis Mediação de Seguros, S.A., invocando, em suma, a confusão entre esta marca, titulada pela ré, e as marcas Médis, tituladas pela autora, registadas anteriormente e reportadas a seguros, e a concorrência desleal da ré por se aproveitar da elevada notoriedade e do valor económico das marcas da autora.

A ré contestou e pediu a improcedência da acção, alegando não ocorrer confusão entre as marcas, e excepcionando o registo anterior da firma “Rentimedis – Mediação de Seguros, S.A.,” em relação ao registo da firma e das marcas da autora.

Na devida oportunidade, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e anulou o registo da marca Rentimedis Mediação de Seguros, S.A.

A ré interpôs recurso de apelação e o Tribunal da Relação, por acórdão, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.

Continuando inconformada, a ré interpôs recurso de revista excepcional, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. O objecto da presente revista excepcional é o douto acórdão do Tribunal da Relação de … de 12.01.2017, que julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.

  1. O acórdão recorrido confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na l.a Instância, pela qual foi anulado o registo da marca nacional n.° 453572, "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, SA", entendo a Recorrente que cabe recurso de revista excepcional desse acórdão, pelo seguinte: a) por estar em causa resolver uma dúvida sobre a aplicação do direito, cuja dilucidação pelo Supremo Tribunal de Justiça, pela sua relevância jurídica, ineditismo e novidade é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, e, b) por estarem em causa interesses de particular relevância social -cf. art.° 672.°, n.° 1, alíneas a) e b) do CPG 3. A questão que, pela sua relevância jurídica, ineditismo e novidade é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pode ser descrita do modo seguinte: a titular de marcas que foram registadas (MEDIS), quando um terceiro já tinha registada uma certa firma (RENTIMEDIS - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S A), tem o direito de pedir a anulação do registo de uma marca posterior (RENUMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A), que é igual à firma da própria titular, com fundamento em imitação das suas marcas (MEDIS)? 4. A questão é se quem adquiriu um direito sobre uma marca (MEDIS), quando já existia anteriormente o direito sobre uma firma (RENUMEDIS - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A), tem o direito de pedir a anulação de uma marca igual a essa firma (RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A), invocando a imitação da sua marca (MEDIS).

  2. Trata-se, pois, de questionar se a prioridade da marca (MEDIS), que foi adquirido em tais circunstâncias, será operante e oponível à nova marca (RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, SA, da RENTIMEDIS - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, SA), ou, diversamente, se tal invocação constituirá abuso de direito (Venire contra Factum Proprium).

  3. Cumpre referir que, pese embora a Recorrente tenha efectuado aturadas pesquisas na Doutrina e Jurisprudência, não encontrou nenhuma alusão a questão acima colocada, em nenhum sentido, o que, salvo melhor opinião, comprova o carácter inédito e a novidade da mesma.

  4. A Recorrente considera que a descrita questão, nos precisos termos em que é colocada, tem uma enorme relevância jurídica e repercussão social, por existirem milhares de sociedades comerciais que só anos depois da sua constituição resolvem pedir o registo de uma marca constituída pela sua própria firma ou pela parte característica da mesma (chamemos- lhes «marca-firma»), e se vêem confrontadas com marcas entretanto registadas por terceiros, que não obstante serem uma imitação da sua própria firma, são posteriormente invocadas para a anulação da marca-firma, com fundamento em imitação da marca posterior à firma.

  5. Em tais casos, a prioridade da marca registada (MEDIS) é ou não operante em relação à marca-firma posterior (RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, SA), da titularidade da RENTIMEDIS - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, SA? 9. A Recorrente considera que, em tais casos, a invocação do direito de prioridade da marca (MEDIS), constitui um abuso do direito (Venire contra Factum Proprium) e uma ofensa à chamada «teoria da distância», estando até ferida de uma ilegitimidade subjectiva.

  6. Para além disso, o pedido de anulação de um registo de marca, em tais circunstâncias, consubstancia um abuso de direito de acção e culpa in agendo, que raia a fronteira da litigância de má fé.

  7. A Recorrente não se conforma com a decisão recorrida, por considerar que, embora douta, assenta, desde logo, mas não só, numa errada interpretação e aplicação ao caso do direito de prioridade registal - previsto nos art.°s 11.° e 245.°, n.° 1, alínea a) do Código da Propriedade Industrial (CP.I.) -, o qual, como qualquer outro direito, não pode ser exercido ou oposto com abuso de direito.

  8. No caso, e com base na matéria de facto dada por provada pelas Instâncias, a situação descrita é temporalmente a seguinte: Firma "RENTIMEDIS - MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A", da Ré Constituída em 06/04/1995, com Certificado de Admissibilidade emitido em 17/02/1995.

    Marcas MEDIS", da Autora Marca Nacional a° 309185, MEDIS, pedida em 13/04/1995 e concedida em 01/04/1996. Marca Nacional n.° 309187, MEDIS, pedida em 13/04/1995 e concedida em 03/06/1996.

    Marca "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A", da Ré Marca nacional n.° 453572, «RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS, S.A", pedida em 25/08/2009 e concedida em 23/02/2010.

  9. A decisão tomada pelo Colendo Tribunal a quo, embora douta, causa o maior espanto, por não permitir o registo de uma marca, que é constituída, precisamente, por uma expressão (firma) que poderá continuar a ser utilizada pela Recorrente.

  10. Tem a Recorrida MEDIS legitimidade substantiva e pode prevalecer-se da prioridade das suas marcas, para invocar a imitação das mesmas pela marca "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS SA", quando essas marcas, antes, também teriam imitado a firma "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS SA", que é o direito prioritário entre todos? 15. Ainda que a Recorrente não tenha exercido o direito de anulação das marcas "MEDIS" com fundamento em confusão com a sua firma, consubstancia um abuso do direito, a invocação posterior da marca "MEDIS" (que é posterior à firma "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS S A"), como fundamento de anulação da marca "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS SA", quando esta é igual a essa mesma firma, que é o sinal distintivo com direito de prioridade entre todos os referidos.

  11. Assumindo que os requerentes de registos de marca estão obrigados a exercer esse direito de boa-fé, se a MEDIS, ao pedir o registo das suas marcas, considerou que "MEDIS" não imitava o sinal distintivo (firma) "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS SA", não tem legitimidade (substantiva) para mais tarde invocar o contrário, contra o sinal distintivo (marca) "RENTIMEDIS MEDIAÇÃO DE SEGUROS S A".

  12. Um tal comportamento consubstancia "venire contra factum proprium" ou abuso do direito, que se verifica quando alguém exerce uma posição jurídica em contradição com o comportamento que assumiu anteriormente - cf. art.° 334.° do Código Civil: «E ilegítimo o exercido de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

  13. Por outro lado, no exame da eventual confusão entre marcas, a Doutrina e a Jurisprudência têm considerado aplicável a designada "teoria da distância", cujo fundamento decorre dos princípios gerais da equidade e da igualdade, senão também do instituto do abuso do direito, segundo a qual o titular de uma marca não poderá exigir que a marca concorrente tenha maior distância distintiva em relação à sua do que a distância que ele mesmo estabelece relativamente a marcas anteriores.

  14. No caso sub judice, a distância a manter pela Recorrida em relação a sinais distintivos anteriores aos seus, reporta-se, mesmo, a um sinal anterior que é da própria requerente (e ora Recorrente) do registo da marca nova.

  15. O exercício do direito de anulação da marca em apreço, nas circunstâncias em causa, constitui um manifesto abuso desse direito, que os tribunais não podem admitir.

  16. ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT