Acórdão nº 185/12.3TBBBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA, S.A., sociedade comercial anónima de nacionalidade espanhola, instaurou contra Adega Cooperativa de …, acção declarativa de condenação, que iniciou os seus termos sob a forma de processo ordinário, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 41.610,94, acrescida, quanto à parcela de € 32.668,34, dos juros moratórios vincendos às taxas legais em vigor para créditos de empresas comerciais.

Fundou a sua pretensão no facto de a R., na sequência de relações comerciais anteriores entre ambas, ter encomendado à A. 24.760 Kg de “mosto concentrado rectificado” que ela lhe forneceu tendo emitido a respectiva factura, que a R. não pagou, no valor de € 32.668,34.

Contestou a R., alegando nunca ter celebrado qualquer contrato de compra de “mosto concentrado” com a A., nem qualquer outro contrato, tendo adquirido aquela quantidade de mosto à sociedade “BB - Vinhos de Portugal, S.A..”, através de contrato para tal celebrado em 25 de Agosto de 2008, à qual satisfez o respectivo preço, mediante “acerto de contas” efectuado entre ambas.

Pelo que, conclui, não tem qualquer prestação em incumprimento, devendo ser absolvida do pedido formulado.

Replicando, a A., reitera o já alegado na petição inicial, designadamente que a mencionada “BB” teve intervenção no negócio como sua agente, mas foi a A. que vendeu à R. o referido “mosto”, nas condições alegadas na petição inicial, o que a R. aceitou, bem como a factura emitida, sem reclamar, mas não pagou.

Por sentença de fls. 359, a acção foi julgada improcedente, absolvendo-se a R. do pedido.

Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de …, pedindo a modificação da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 406, foi alterada a matéria de facto e, a final, foi decidido: Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida e, consequentemente, condena-se a ré Adega Cooperativa do … a pagar à autora, AA, SA, a quantia de 32.668,34 € (trinta e dois mil seiscentos e sessenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos), de capital em dívida, a que acrescem juros de mora, desde 31/01/2009, às taxas previstas no artigo 102.º, Parágrafo 3.º, do Código Comercial, para as transacções comerciais, até efectivo e integral pagamento, sempre, sobre o capital em dívida.

  1. Vem a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

    1. A Autora AA fundamentou a presente acção que propôs contra a recorrente Adega Cooperativa de …, CRL, no contrato de compra e venda celebrado entre a BB - Vinhos de Portugal, SA e a Adega Cooperativa de …, CRL, celebrado em 25.08.2008 e que juntou com a sua petição inicial como Doc. n° 1.

    2. Acrescentando que tal contrato terá sido celebrado pela BB - Vinhos de Portugal, SA na qualidade de agente da AA em Portugal.

    3. Ora, do aludido contrato nada consta em como a BB - Vinhos de Portugal, SA tenha intervindo no contrato nessa invocada qualidade.

    4. E como resulta dos factos assentes e provados a AA não conseguiu provar a existência desse contrato de agência com a BB - Vinhos de Portugal, SA., prova esta que lhe incumbia fazer nos termos do n° 1 do artigo 342° do Código Civil.

    5. A AA aceita a existência do contrato de compra e venda de mosto, na sua literalidade e conteúdo, nos precisos termos que constam dos documentos que o formalizam e juntos aos autos por ela própria e pela recorrente.

    6. Da prova produzida nos autos resulta claramente que nenhuns contactos foram estabelecidos entre a Recorrente e a Ré para a compra e venda do mosto concentrado referido no contrato em análise.

    7. Ora, não tendo sido dada como provada a existência de quaisquer contactos directos entre a AA e a Recorrente, não foram emitidas as correspondentes declarações de vontade para a venda e para a compra do mencionado mosto concentrado.

    8. Inexistindo tais declarações de vontade não existe contrato.

    9. E daí que não se possa dizer que "No exercício da sua actividade e destinado à mesma, a Ré Adega Cooperativa do …, encomendou à Autora, em Agosto de 2008, 24.760 Kg de mosto concentrado rectificado.", conforme se decidiu no acórdão recorrido ao alterar a matéria de facto apurada em primeira instância, passando "a considerar-se como provada a matéria de facto dada como não provada e constante do item 1º dos factos não provados, por referência à quantidade de mosto que a autora refere ter vendido à ré." J) O contrato de compra e venda de mosto concentrado em que a AA fundamentou a sua pretensão nos presentes autos é um documento particular cuja autoria se encontra reconhecida nos termos dos artigos 373° e 374° do Código Civil e faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento - n° 1 do artigo 376° do Código Civil.

    10. Tal contrato é o único que foi celebrado para a aquisição do mosto concentrado, não tendo a AA conseguido provar que a BB - Vinhos de Portugal, SA., agia na qualidade de sua agente.

    11. A Recorrida AA não celebrou qualquer contrato de compra e venda de mosto rectificado com a recorrente Adega Cooperativa do …, CRL, pelo que inexiste a relação jurídica que sustenta o seu alegado direito de crédito.

    12. Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido errou na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, violando no disposto nos artigos 342°, n°s 1 e 3, 373°, 374° e 376°, todos do CC O) Termos em que deverá ser revogada a decisão do Tribunal da Relação e manter-se a decisão de 1ª instância com a reposição da absolvição nos precisos termos nela consignados.

    13. Por cautela de patrocínio, para a hipótese de não ser revogada a decisão do Tribunal da Relação de …, quanto à alteração da matéria de facto, importa ainda alegar o seguinte: Q) A alteração da matéria de facto conduziu a que se tivesse revogada a decisão absolutória de 1ª instância e em condenar a Ré, aqui recorrente, a pagar à autora AA, S.A. a quantia de 32.668,34 (trinta e dois mil seiscentos e sessenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos), de capital em dívida, a que acrescem juros de mora, desde 31/01/2009, às taxas previstas no artigo 102°, Parágrafo 3°, do Código Comercial, para as transacções comerciais, até efectivo e integrai pagamento, sempre, sobre o capital em dívida.

    14. Sucede que a Ré é uma cooperativa agrícola, do ramo agrícola, que tem como objecto efectivar operações de vinificação, conservação, embalagem e colocação das uvas provenientes das explorações dos cooperadores - al. A) dos factos assentes.

    15. A taxa de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais não é aplicável às cooperativas.

    16. À luz dos art.°s 2° do Código Cooperativo e do Regime Jurídico das Cooperativas de Agrícolas, deve aplicar-se in casu a taxa de juros civis do art.° 559° do Código Civil e não a taxa de juros comerciais do parágrafo 3° do art.° 102° do Código Comercial, porquanto a recorrente não é uma sociedade comercial, não faz do comércio profissão e desenvolve a sua actividade sem escopo lucrativo.

    17. O Acórdão sob censura violou tais normativos legais, devendo ser alterado, determinando-se a aplicação da taxa de juros civis, actualmente de 4%, do art.° 559° do Código Civil, à situação vertente.

    A A. contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: I) Quanto à primeira questão (que se pode ter como prévia): 1. Como se alcança da primeira parte da respectiva alegação, a recorrente manifesta a sua discordância relativamente à fixação da matéria de facto (factos materiais) da causa tal como foi operada pelo Tribunal «a quo».

  2. Na verdade, constata-se da minuta da recorrente que ela constantemente faz alusão à «prova produzida», ao que se teria «provado» ou «não provado» (na perspectiva dela, recorrente), intentando a alteração dos factos dados por provados no Tribunal recorrido.

  3. O que traduz que ela recorrente se insurge contra matéria de facto, o que não é admissível em sede de recurso de Revista e não pode, por isso, ser admitido, uma vez que este Supremo apenas pode conhecer da matéria de facto quando ocorra ofensa expressa de lei que exija prova vinculada ou estabeleça o valor de determinado meio probatório (Cód. Proc. Civil, art.s 674º no 3 e 682º no 2).

  4. O que é dizer, face aos citados preceitos, aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido (Relação) o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julga adequado, sendo que a decisão da matéria de facto só pode ser excepcionalmente alterada por este Supremo havendo ofensa de disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova – excepções nas quais não se integra, manifestamente, o propósito da recorrente.

  5. Trata-se, aliás, de jurisprudência uniforme deste Supremo; cotejem- se os seguintes Acórdãos: - de 2006.11.07 (Proc. nº 06A3460): «A fixação dos factos materiais da causa está fora do âmbito do recurso de revista já que o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de Direito».

    - de 2008.03.13 (Proc. nº 542/08): «A decisão da matéria de facto tendo por base a livre apreciação dos meios de prova, excede a competência do Supremo Tribunal de Justiça».

    - de 2016.07.07 (Proc. nº 487/1): «I - Ao Supremo Tribunal de Justiça, em regra, apenas está cometida a reapreciação de questões de direito (art. 682º, no 1, do NCPC), assim se distinguindo das instâncias encarregadas também da delimitação da matéria de facto e da modificabilidade da decisão sobre tal matéria.

    II – A sua intervenção na decisão da matéria de facto está limitada aos casos previstos nos arts. 674º, no 3 e 682º, no 3, do CPC, o que exclui a possibilidade de interferir no juízo da Relação sustentado na reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como são os depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena ou o...

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