Acórdão nº 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelLIMA GONÇALVES
Data da Resolução05 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

Município de AA intentou a presente ação em processo comum contra os herdeiros da Herança aberta por óbito de BB e CC, pedindo, nomeadamente: a) (…) b) que se reconheça como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, desanexando-o de facto e de direito do prédio de que proveio, desanexação essa livre de qualquer ónus ou encargos que sobre o mesmo incidam; c) condenar-se os RR a isso mesmo verem declarado e reconhecido; d) condenar-se os RR ao cumprimento do contrato promessa de compra e venda, comparecendo na data e hora para realização da escritura pública de compra e venda que venha a ser agendada pelo A. e mediante notificação por carta registada com aviso de receção para o domicílio profissional do(s) ilustre(s) mandatário(s) dos RR; e) condenar-se os RR ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês vencido após a data agendada para a realização da escritura de compra e venda à qual não tenham comparecido no valor de 250€/mês.

Alega, em síntese, – na parte que ao caso agora interessa – que: - com data de 03/01/1991, mas assinado a 18/03/1991, celebrou, na qualidade de promitente comprador, com BB e marido CC, na qualidade de promitentes vendedores, um contrato promessa de compra e venda de uma parcela de terreno com a área aproximada de 270 m2, a destacar do prédio sito na Rua ..., AA, o qual tem a área de 1018 m2, inscrito na matriz sob o art° 1322, e que nessa data logo foi paga a totalidade do preço; - foi acordado entre as partes que o Autor tomasse posse da parcela de terreno, para a realização das obras de infraestruturas urbanísticas, tendo executado o muro de vedação, na parte sobrante do prédio dos promitentes vendedores, encontrando-se o mesmo fisicamente separado da parcela prometida vender, reconhecendo os promitentes vendedores como prédio autónomo, distinto e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, encontrando-se o mesmo, desde essa, desanexado de facto do prédio de que proveio; - os RR. notificados para esse efeito, nem forneceram os elementos necessários à realização a escritura, nem compareceram aos atos que foram aprazados 2. Citado, o R. veio contestar, opondo a tais pedidos, além de outras exceções e razões, a exceção de caso julgado, alegando a prévia existência de uma ação de execução específica, entre as mesmas partes, destinada a obter o cumprimento do mesmo contrato promessa, que foi julgada improcedente.

  1. Em fase de saneador, esta exceção foi julgada procedente em relação a tais pedidos, pelo que os RR. foram absolvidos da instância na parte respetiva.

  2. Não se conformando com esta decisão, os RR. interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto decidido: “julgar procedente a presente apelação, em consequência do que revogam a decisão recorrida, que deu por verificada a excepção de caso julgado e absolveu da instância os RR., relativamente às pretensões constantes das als. d) e e) do pedido, a qual substituem por outra que, julgando não verificada tal excepção dilatória, determina que a acção prossiga para a respectiva apreciação.” 5.

    Inconformados, os Réus interpuseram recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões (com exceção daquelas que se reportavam à matéria da admissibilidade do recurso): 3ª.

    Sendo pacífico no processo a verificação dos requisitos da identidade de sujeitos e da identidade de causa de pedir, subjacentes à verificação da excepção de caso julgado -, verifica-se igualmente o requisito da identidade de pedidos porquanto, quer com a acção sumária nº. 2540/08.4TBVFR, quer com a presente acção com a formulação dos pedidos constantes das alíneas b) a e) do douto petitório, o que o Autor pretende é o efeito jurídico adveniente do cumprimento do contrato-promessa, a celebração do contrato definitivo, a aquisição derivada da parcela do direito de propriedade da parcela em discussão nos autos (sob o ponto de vista prático também coincidem as pretensões); 4ª.

    Atento, não só, o conteúdo da sentença transitada em julgado na acção nº. 2540/08.4TBVFR, a qual julgou improcedente a pretensão do Autor de ver celebrado o contrato definitivio, mas também o fundamento que lhe subjaz, não olvidando ainda a factualidade alegada em sede desta acção para materializar os pedidos formulados sob as alíneas b) e c) do douto petitório, verifica-se que nenhuma factualidade superveniente ao trânsito em julgado da decisão da referida acção é alegada que demonstre a existência ou autonomia jurídicas da parcela de terreno em discussão nos autos, mormente, a realização de um destaque ou de um loteamento que possibilite o cumprimento do contrato prometido, 5ª. Pelo que aquela decisão, como um todo (dispositivo e resolução de questões que constituam o seu antecedente lógico) não pode ver-se na contingência de ser confirmada ou contrariada, sob pena de violação da autoridade de caso julgado; 6ª. O douto acórdão recorrido violou/interpretou incorrectamente, designadamente, o disposto nos artigos 580.°, 581.° e 621.° do C.P.Civil, 817.° e 830.° do C.Civil.

    Conclui pela procedência do recurso.

  3. O Recorrido Município de AA não contra-alegou.

  4. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II. Delimitação do objeto do recurso Como é jurisprudência sedimentada, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos RR. se respiga como questões: - a identidade dos pedidos (caso julgado); - a verificação da autoridade do caso julgado.

    III. Fundamentação 1. Do factualismo processual relevante Com relevo para a apreciação do objeto do presente recurso, destaca-se o que consta do relatório que antecede e o seguinte: 1.1.

    No processo nº2540/08.4TBVFR, o aqui Autor formulou o seguinte pedido: seja proferida sentença que, condenando os Réus, emita decisão que produzindo os efeitos da declaração faltosa dos Réus, ou seja os efeitos da declaração de venda dos Réus ao Autor, da parcela de terreno, com a área de 270 m2, a destacar do prédio sito na Rua ..., freguesia e concelho de AA, com a delimitação constante da planta topográfica que faz parte integrante do contrato promessa junto sob o doc.1, sendo que tal prédio está inscrito na matriz sob o artº1322 e descrito na Conservatória do Registo Predial de AA sob o nº2161, adjudicando ao Autor e transmitindo-lhe a respectiva propriedade da referida parcela de terreno.

    1.2.

    Na presente ação, o Autor formulou os seguintes pedidos: a) (…) b) que se reconheça como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, desanexando-o de facto e de direito do prédio de que proveio, desanexação essa livre de qualquer ónus ou encargos que sobre o mesmo incidam; c) condenar-se os RR a isso mesmo verem declarado e reconhecido; d) condenar-se os RR ao cumprimento do contrato promessa de compra e venda, comparecendo na data e hora para realização da escritura pública de compra e venda que venha a ser agendada pelo A. e mediante notificação por carta registada com aviso de receção para o domicílio profissional do(s) ilustre(s) mandatário(s) dos RR; e) condenar-se os RR ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês vencido após a data agendada para a realização da escritura de compra e venda à qual não tenham comparecido no valor de 250€/mês.

  5. Da verificação de caso julgado e da ofensa à "autoridade do caso julgado" 2.1. Do quadro normativo aplicável 2.1.1. Dos efeitos processuais produzidos pelo caso julgado material: positivo/vinculativo e negativo/impeditivo Transitada em julgado, a sentença que decida sobre o mérito da causa alcança o fim normal da ação, qual seja, o pronunciamento definitivo do órgão jurisdicional sobre a relação material controvertida, pondo assim termo ao litígio. É o que se designa por caso julgado material, definido no artigo 619º, nº 1, do Código de Processo Civil.

    A nossa lei adjetiva define, assim, o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insuscetibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respectivo trânsito em julgado (cfr., ainda, artigo 628º do Código de Processo Civil).

    E ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva ("autoridade do caso julgado") e uma função negativa ("exceção do caso julgado").

    Nas palavras de CASTRO MENDES, os efeitos de autoridade do caso julgado e a exceção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda (in "Limites...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
17 temas prácticos
14 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT