Acórdão nº 441/16.1T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA OLINDA GARCIA
Data da Resolução12 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça Processo n.441/16.1T8CSC.L1 I- RELATÓRIO 1. AA, Ld.ª propôs ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum (ação de reivindicação), contra BB e marido, CC, pedindo a condenação dos Réus nos termos infra transcritos: “a) a reconhecerem o direito de propriedade da Autora sobre a fração autónoma identificada no art. 1º da petição inicial e a consequente restituição da mesma à Autora, completamente livre e devoluta de pessoas e bens; b) a pagar à Autora a quantia de € 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros), devida pela ocupação e fruição abusiva e ilegal da fração autónoma em causa pelos RR., desde Setembro de 1993 até Fevereiro de 2016, equivalente a uma renda mensal de € 500,00 (quinhentos euros), bem como em idêntica quantia mensal até à entrega efetiva da fração à Autora, acrescida dos juros de mora legais, desde a data da citação dos RR e até efetivo e integral pagamento; c) a pagar à Autora a quantia de € 3.228,53 (três mil duzentos e vinte e oito euros e cinquenta e três cêntimos), respeitante ao reembolso dos IMIs e tarifas de conservação de esgotos pagos pela Autora, referentes aos anos de 2009 a 2014 e relativos à fração, assim como nos que vierem a ser pagos até à entrega da fração autónoma em causa; d) no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega da fração autónoma à Autora, a partir do trânsito em julgado da sentença, em valor diário não inferior a € 50,00 (cinquenta euros), com todas as consequências legais”.

  1. Os RR contestaram, mas a contestação foi desentranhada (por despacho de fls. 69, dado ter sido apresentada fora do prazo).

  2. O tribunal de primeira instância proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenam-se os RR. a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre a fração autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao 6º andar esquerdo do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., nº …. (anterior Lote nº …), em ..., concelho de ..., descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº ..., da União das freguesias de ... e ...; absolvendo os RR. do demais peticionado”.

  3. Não se conformando com a decisão, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, Os recorridos não apresentaram contra-alegações.

  4. A segunda instância, por maioria, julgou o recurso improcedente e confirmou a sentença recorrida.

    Tendo este Acórdão um voto de vencido (do 1º adjunto), tornou-se possível o recurso de Revista.

  5. Contra tal Acórdão a Autora/Recorrente interpôs recurso de Revista, no qual formulou as conclusões que se transcrevem: “A) Perante os factos dados como provados sob os nºs. 10 a 18, dúvidas não podem subsistir que a Recorrida (promitente compradora) incumpriu definitivamente e após interpelação expressa da Recorrente para o efeito, em 18/03/2013, a transação celebrada pelas partes, pela qual a ora aquela confessou-se devedora a esta da quantia de €51.000,00, que seria paga numa prestação única no momento da celebração da escritura pública de compra e venda da fração objeto da lide, a qual deveria ser celebrada até ao dia 31 de Outubro de 2008, posteriormente alterada para 31 de Dezembro de 2008.

    1. Ou que, no limite, como bem se considera na “Declaração de Voto Vencido”, subscrita pelo ilustre Juiz-Desembargador Eurico Reis, no acórdão recorrido, a petição inicial da presente ação pode ser entendida como constituindo a (nova – parêntesis nosso) interpelação admonitória exigida pela opinião maioritária.

    2. Nos termos do artigo 808º, nº 1 do Código Civil, a lei permite ao credor que, independentemente da perda do seu interesse, este, no caso de mora do devedor, fixe ao devedor um prazo razoável para cumprir – trata-se da chamada “interpelação admonitória ou cominatória” –, com fixação de prazo perentório para o cumprimento, sob pena de se verificar uma situação de incumprimento definitivo, que provoca a extinção do dever de prestar principal.

    3. O não cumprimento definitivo e culposo da prestação pelo devedor surge como um efeito da fixação de um prazo suplementar previsto no art.º 808º, nº 1 do Código Civil, remetendo este implicitamente, em termos de consequências, para o princípio geral de responsabilidade do devedor disposto no art.º 798º do Código Civil (o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao credor) e para o disposto no art.º 801º, nº 1 do Código Civil, em sede de impossibilidade culposa do cumprimento, “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação”.

    4. O incumprimento culposo definitivo da prestação [máxime prestação de facere – outorga de escritura pública de compra e venda] acarreta a extinção, ainda que superveniente, automática do dever de prestar principal, pelo que tal efeito afasta, logico-juridicamente, o recurso ou necessidade de resolução do contrato, como figura jurídica ou meio de extinção da mesma obrigação e simultaneamente da contra obrigação, em obediência ao princípio do sinalagma contratual.

    5. Sob o ponto de vista de lógica jurídica não se pode fazer cessar, através da resolução do contrato, uma prestação que já não existe, porque se extinguiu no momento em que se deu, ou melhor, se fixou o incumprimento definitivo da mesma (facto extintivo da obrigação e, necessária e simultaneamente, da contra obrigação de acordo com o sinalagma contratual) – a resolução do contrato torna-se desnecessária.

    6. O incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda, devido a culpa do promitente-comprador, nos termos do citado art.º 808º, nº 1 do Código Civil, afasta a necessidade de peticionar a resolução do referido contrato promessa ou a declaração do seu incumprimento, uma vez que aquele incumprimento já provocara a extinção da relação obrigacional, tornando assim ilegítima a posse ou detenção, a título sempre precário, do promitente-comprador sobre a fração autónoma objeto daquele contrato promessa, que havia sido igualmente objeto de tradição.

    7. Atendendo ao caso dos autos, desnecessárias se tornavam emitir, pelo promitente-vendedor, ou obter do Tribunal a declaração de incumprimento do contrato promessa de compra e venda por culpa do promitente-comprador, assim como peticionar judicialmente a resolução do contrato promessa de compra e venda, para efeitos de acionamento do pedido de reivindicação da propriedade.

    8. No caso dos autos, o reconhecimento do direito de propriedade da Autora sobre a fração autónoma melhor descrita nos mesmos, implicaria também a condenação dos Recorridos (possuidores ou detentores precários da coisa sem a titularidade daquele direito) na restituição daquela fração à Recorrente, sob pena de se frustra o fim da ação de reivindicação, sob pena de violação do disposto nos artigos 808º, nº1 e 1311º do Código Civil.

    9. Com a consequente condenação dos Recorridos no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega da fração autónoma à Recorrente, a partir do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art.º 829º-A do Código Civil.

    10. Em...

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