Acórdão nº 2201/15.8T8CTB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução19 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB.

Pediu que: a) seja declarado legítimo e exclusivo proprietário dos imóveis identificados em 3.º e dos bens móveis relacionados em 15.º; b) seja a R. condenada a restituir os citados imóveis e móveis e a reconhecer e respeitar o direito de propriedade do A., abstendo-se da prática de qualquer acto que colida ou afecte esse direito.

Como fundamento, alegou que A. e R. contraíram casamento civil no dia 00/00/2010; por sentença transitada em julgado no dia 00/00/2011 veio a ser declarada a separação de pessoas e bens do casal e, posteriormente, por sentença transitada em 00/00/2013, a separação veio a ser convertida em divórcio; na constância do matrimónio, o A. doou à R. a fracção autónoma e a garagem identificadas na acção; apesar de já se encontrarem divorciados e de já não fazerem a sua vida em comum, A. e R. acordaram em viver na mesma casa, fazendo vidas independentes, o que sucedeu durante um ano; no mês de Agosto de 2014, a R. mudou a fechadura de casa, impedindo o acesso do A.; o A. decidiu então revogar a doação anteriormente feita, o que concretizou mediante outorga de escritura pública em 25.09.2015, tendo sido concretizado o registo de aquisição a seu favor (novamente), pelo que a R. mantém a posse indevida da fracção onde habita e da respectiva garagem sem título que a legitime.

Contestou a R, alegando que, como resulta da documentação junta, a doação foi efectuada na vigência, entre os cônjuges, da separação de pessoas e bens; e se é verdade que a separação não dissolve o vínculo conjugal, também é verdade que a separação coloca termo às circunstâncias especiais que justificam a suspeição lançada sobre a liberdade do acto do doador e que justificam o regime especial de livre revogabilidade; mais, no que respeita aos bens, o art.º 1795-A do CC estabelece, na sua parte final, que a separação produz os efeitos que produziria a dissolução do casamento; nesta conformidade, tendo a doação sido efectuada em momento em que os cônjuges já se encontravam separados de pessoas e bens, encontrando-se os efeitos patrimoniais do casamento cessados, não pode o Autor lançar mão da livre revogabilidade; pelo que a doação efectuada terá de recair sob a alçada do regime geral das doações e, consequentemente, é a mesma irrevogável.

Concluiu pela improcedência da acção.

Em reconvenção, pediu que: a) seja reconhecido o direito de propriedade da ré; b) seja declarada a nulidade da revogação da doação; c) seja ordenado o cancelamento registral e matricial da inscrição das fracções em nome do autor.

O autor replicou, alegando que a doação entre casados é livremente revogável a qualquer momento e com efeito retroactivo; todavia, a não se entender assim, deverá considerar-se que a doação caducou com a decretação do divórcio em 00.0.2013, nos termos do art. 1766, al. c), do CC.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença, em que se decidiu: a) julgar totalmente improcedente a presente acção, e, em consequência, absolver a Ré dos pedidos; b) julgar totalmente procedente a reconvenção e, por consequência, declarando a nulidade do contrato de revogação da doação celebrado em 25.09.2015, declaro, consequentemente, a A, BB, a legítima proprietária dos imóveis descritos na CRP de ... sob o n.º 657.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o autor, que a Relação julgou procedente, decidindo: a) revogar a sentença; b) julgar a acção procedente, declarar o autor legítimo e exclusivo proprietário dos imóveis identificados e condenar a ré a restituí-los, tal como a reconhecer e respeitar o direito de propriedade do autor, abstendo-se da prática de qualquer acto que colida ou afecte esse direito; c) julgar a reconvenção improcedente e absolver o autor/reconvindo do pedido reconvencional.

Inconformada, a ré veio pedir revista, tendo apresentado as seguintes conclusões: I. No douto acórdão de que ora se recorre os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação, na sequência da impugnação da douta decisão do Tribunal de Primeira Instância, foram chamados a tomar posição sobre duas questões distintas: a) Validade da revogação da doação feita pelo Autor à Ré, ora Recorrente, na pendência do matrimónio, mas na vigência da separação judicial de pessoas e bens; b) Possibilidade de a doação ter caducado por força do divórcio que, entretanto, veio a ser decretado entre o Autor e a ora Recorrente, nos termos do art. 1766 nº 1 al. c) do Cód. Civil, sendo quanto à decisão proferida sobre esta questão que a Recorrente se insurge, sendo apenas desta parte da decisão que se recorre.

  1. Chamado a pronunciar-se sobre as duas referidas questões o Tribunal da Relação de … veio proferir decisão nos seguintes termos: "como assim justifica-se a interpretação restritiva do art. 1765 nº 1 do CC no sentido de que aí estão previstas apenas as doações entre casados não separados judicialmente de pessoas e bens.

    Donde, a revogação da doação teria de ser declarada nula, nos termos conjugados dos arts. 280 e 294 do CC, por não se verificar qualquer causa de revogação prevista nos arts. 970 e 974 do mesmo diploma." (confirmando assim na integra a decisão da primeira instância).

  2. Contudo, a concordância entre instâncias terminou aqui, pois no que respeita à segunda questão referida, considerou o Tribunal da Relação que as causas de caducidade referidas - separação judicial de pessoas e bens e divórcio (art. 1766 nº 1 al c) - "são alternativas: se uma...

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