Acórdão nº 2242/14.2TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução07 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA instaurou a presente ação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a BB, peticionando a condenação desta a reconhecer a existência de um vínculo laboral entre as partes, a ilicitude do despedimento de que foi alvo e a pagar-lhe os créditos em dívida, acrescidos de juros e de uma indemnização por danos morais.

A Ré contestou impugnando a factualidade vertida na petição inicial e salientando que entre as partes nunca foi celebrado um contrato de trabalho, mas antes um contrato de prestação de serviço docente, que a Autora, aliás, assinou e cujas condições compreendeu e arguindo ainda a prescrição dos créditos laborais peticionados.

Respondeu a Autora à exceção deduzida pela Ré, concluindo pela sua improcedência e pela procedência da ação.

A ação prosseguiu os seus termos e veio a ser decidida por sentença de 22 de abril de 20106, que a julgou totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Inconformada com esta decisão, dela apelou a Autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso por acórdão de 8 de fevereiro de 2017, que integrou o seguinte dispositivo: «Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente e, em conformidade, alterando a sentença recorrida, decidem:

  1. Alterar a matéria de facto que constava do ponto 21º dos factos tidos por provados na sentença recorrida, nos termos supra referidos e que aqui se dão por reproduzidos; b) Aditar aos factos tidos por provados na sentença recorrida, a matéria que consta dos pontos 55º e 56º anteriormente mencionados e que aqui se dá por reproduzida; c) Reconhecer que, entre a Autora AA e a Ré BB existiu um contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 1 de outubro de 2010; d) Declarar a incompetência do tribunal do trabalho em razão da matéria para a apreciação do peticionado pela Autora/apelante na alínea d) dos pedidos formulados na sua petição inicial; e) Absolver a Ré BB do mais que vem peticionado pela Autora AA.

    Custas em ambas as instâncias a cargo da Autora e da Ré, na proporção do respetivo decaimento, fixando-se essa proporção em 4/5 a cargo daquela e em 1/5 a cargo desta, isto sem prejuízo de apoio judiciário de que a Autora beneficie nos presentes autos.» Inconformadas com este acórdão, dele recorreram, de revista para este Supremo Tribunal, a Ré e a Autora, esta na parte em que ali se decidiu que a mesma não fora objeto de qualquer despedimento e pela improcedência dos pedidos que derivavam daquela forma de cessação da relação em causa.

    As alegações apresentadas integram as seguintes conclusões: Recurso de revista da Ré «

    1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão proferido pela Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela A., concretamente no segmento em que em que reconhece que entre a A. e a R. existiu um contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 1 de outubro de 2010 - alínea c) da parte decisória.

    2. Segundo o entendimento do Tribunal a quo, resultou da matéria de facto que a A. beneficia da presunção legal de existência de um contrato de trabalho, ao abrigo do art. 12.º do Código do Trabalho.

    3. A Ré, ora Recorrente, não poderá conformar-se com tal decisão, uma vez que o acórdão do douto Tribunal da Relação de Lisboa não tomou em consideração a força probatória da confissão da Autora relativamente a factos determinantes que não permitem ao Tribunal a quo concluir e decidir no sentido em que o fez, devendo, por isso, manter-se a decisão tomada em l.ª instância quanto a essa matéria.

    4. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao decidir como decidiu, uma vez que a relação contratual existente entre as partes jamais poderia ser considerada como sendo um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviços.

    5. Importa, antes de mais, traçar os principais elementos distintivos entre uma e outra figura jurídica, sendo que, tem sido considerado que os dois elementos essenciais que distinguem o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços são o seu objeto (prestação de uma atividade ou obtenção do resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação e autonomia).

    6. A este respeito, seguindo as palavras utilizadas na sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, «o contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. Diversamente, no contrato de prestação de serviços, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efetiva por si, com autonomia, sem subordinação à direção da outra parte».

      6) Contudo, nem sempre será possível distinguir estas duas figuras através do critério atrás enunciado, pelo que, tratando-se de um negócio consensual, «é fundamental, para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar qual a vontade revelada pelas partes, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a atividade - ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa - e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da atividade no âmbito daquela relação jurídica».

    7. E, nesse sentido, é forçoso concluir que a Autora tinha perfeita consciência da natureza do vínculo contratual que a ligava à Ré e a que título iria lecionar ao seu serviço, o que, aliás resulta evidente das declarações por ela prestadas em julgamento.

    8. Perante tais declarações outra conclusão não seria possível senão aquela a que chegou o tribunal de 1.ª instância, ou seja, de que estávamos perante um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, pois "em sede de declarações de parte da A. foi possível confirmar que a A. (...) conhecia bem as condições em que estava a ser contratada e que as aceitou, mormente, a forma de tributação e de pagamento".

    9. Note-se que pese embora o Tribunal da Relação faça uma incursão pela prova produzida em audiência de discussão e julgamento, ignorou completamente a existência de confissão por parte da Autora ao aceitar as condições de prestação de serviços junto da Ré.

    10. É certo que não resta qualquer dúvida de que as declarações proferidas pela Autora em sede de julgamento equivalem a confissão no que à sua vontade contratual diz respeito, e nessa medida, dispõe o n.ºs 3 do art. 466.º do CPC, que "o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão", devendo essa confissão considerar-se irretratável e com força probatória plena.

    11. Ora, dispõe o n.º 3 do art. 674.º do CPC que "o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova".

    12. Com efeito, é nosso entendimento, ter existido ofensa de uma disposição expressa de lei que fixa a força de determinado meio de prova, concretamente, da que consta do art. 466.º/3 do CPC, não podendo o douto Tribunal da Relação de Lisboa, por essa razão, ter desconsiderado a referida confissão do facto que revela a real vontade da Autora na celebração do contrato de prestação de serviços com a Ré, pois que, no caso em apreço, a real vontade das partes na celebração do contrato é que deverá determinar a sua qualificação jurídica, uma vez que estamos na presença de uma situação de difícil análise.

    13. Aliás, a própria jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça decide uma questão em tudo semelhante àquela que aqui se discute, em acórdão datado de 13-07-2004, no âmbito do Proc. n.º 437/03, entendendo que «não é de qualificar como contrato de trabalho, mas sim como contrato de prestação de serviços, a relação jurídica estabelecida entre um professor e uma Escola Profissional de Música, se aquele estava coletado nas finanças como profissional liberal, se estava inscrito na segurança social como trabalhador independente, se dava quitação das importâncias recebidas através do chamado "recibo verde", se não tinha que justificar as faltas, se não gozava férias nem recebia subsídio de férias nem de Natal, se a retribuição lhe era paga em função do número de aulas letivas efetivamente dadas, se simultaneamente prestava idêntico serviço a outra entidade, se havia contratos escritos que as partes haviam denominado de "contratos de prestação de serviços", se o número de aulas semanais era reduzido (entre 6 e 10) e podia ser alterado pela Escola em função do número de alunos inscritos e se, contrariamente ao alegado por ele, não ficou provado que estivesse sujeito a um horário de trabalho unilateralmente fixado pela Escola».

    14. Bem como no acórdão proferido em 28/06/2006, no âmbito do Proc. 065900, acrescentando-se, aqui, serem irrelevantes determinados indícios de laboralidade para a determinação da existência de subordinação jurídica, uma vez que está em causa o exercício de atividade docente: «1. Não configura um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviço, aquele que tem por objeto a docência de aulas de educação física, durante dez meses no ano (de setembro a junho), mediante a celebração de contratos denominados de prestação de serviços, se não estiver direta ou indiciariamente provado que a atividade do autor era exercida de modo subordinado.

      1. A prestação da atividade em local indicado pelo réu, a vinculação a horário de trabalho e o pagamento de uma retribuição em função do tempo constituem indícios no sentido da subordinação jurídica.

      2. Todavia, estando em causa a atividade docente, o valor desses...

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