Acórdão nº 959/09.2TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução07 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

AA e BB intentaram, em 2009, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra: 1.ª R. - CC, S.A., 2.º R. - DD, 3.º R. - EE, 4.º R.R. - FF e GG, 5.º R. - BANCO HH, S.A.

, 6.ª R. - II, Ld.ª, alegando, no essencial, o seguinte: .

O vício de simulação de um contrato intitulado de compra e venda, constante da escritura pública, de 23/12/2005, reproduzida a fls. 104-107, nos termos do qual os aqui A.A., ali representados pelo seu procurador JJ, declararam vender à 1.ª R. “CC, S.A.”, representada pelo 3.º R. EE, o prédio urbano sito no Lugar ..., Quinta ..., Lote .., freguesia de …, descrito na 1a Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 27691 a folhas 75 do Livro-B 105, inscrito na matriz predial sob o n.º 6495, mediante o preço de € 250.000,00; .

Todavia, o referido contrato, conforme o previamente negociado entre JJ e o 2.º R. DD teve apenas por finalidade proporcionar aos A.A. um financiamento, no montante do preço acordado, com vista a que os mesmos AA. comprassem a KK outro prédio urbano sito na Quinta ..., Rua ..., n.º 000, freguesia de …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 10.662 e descrito na l.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 00991; .

Com efeito, KK e os A.A. havia celebrado, em 27/06/2002, um contrato-promessa de compra e venda - aquele na qualidade de promitente-vendedor e estes como promitentes-compradores - do referido prédio urbano sito na Quinta ..., Rua ..., n.º 000, freguesia de …, pelo valor de € 548.678,00, tendo os A.A. entregue, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 99.760,00, devendo a restante quantia ser paga no ato de celebração da escritura a ocorrer até ao final do mês de maio de 2013; .

Mediante dois aditamentos deste contrato-promessa, um em 02/06/2003 e outro em 05/07/2005, foi acordado que as partes se comprometiam a outorgar a escritura de compra e venda com recurso a uma operação financeira no âmbito da qual o promitente-vendedor solicitaria uma hipoteca sobre o imóvel prometido no valor de € 300.000,00, ficando os A.A. de suportar todos os encargos e despesas com tal contrato de mútuo, assumindo os mesmos as obrigações emergentes desse contrato junto da “BANCO LL, S.A.”; .

Porém, ante as dificuldades na obtenção do respetivo financiamento, passando pela hipótese de constituir hipoteca sobre um outro imóvel pertencente aos A.A., estes e KK acabaram por revogar o sobredito contrato-promessa, estipulando que o promitente-vendedor devolveria a quantia de € 249.399,79, entregue a título de sinal, fixando-se além disso, a quantia de € 49.879,79 a título de compensação, a cargo dos A.A., pela não celebração do contrato definitivo; .

Não obstante isso, os A.A., residentes na …, continuaram a desenvolver esforços com vista a obter um empréstimo bancário de € 250.000,00, tendente a formalizar uma nova proposta de compra junto de KK, se possível, até ao final do ano de 2005, procurando recuperar também a perda da quantia de € 49.879,79, ou alternativamente, negociar um valor mais baixo; .

Foi nesse contexto que o procurador dos AA., JJ, no decurso de contatos havidos, no Verão de 2005, com o 2.º R. DD, que se lhe apresentara como especialista no ramo imobiliário, mandatário de várias firmas com uma carteira de clientes de potenciais investidores na atividade imobiliária, relatou a necessidade de os AA. obterem um empréstimo intercalar de € 249.399,42 para a pretendida compra do prédio a KK, dadas as dificuldades que os mesmos tinham em obter tal empréstimo por residirem na … e o imóvel se situar em Portugal; .

Perante isso, no início de dezembro de 2005, o R. DD avançou com a possibilidade de um investidor conceder tal empréstimo, a seis meses, caso os A.A. prestassem uma garantia patrimonial; .

Nessa base, JJ, na qualidade de procurador dos A.A., anuiu com o R. DD em celebrar um contrato de mútuo de € 250.000,00 com constituição de uma hipoteca sobre o prédio urbano pertencente aos mesmos A.A. sito no Lugar ..., Quinta ..., Lote 00, freguesia de …, com o valor patrimonial de 6.000.000$00 e o valor de mercado de € 550.000,00; .

Para tanto, o R. DD solicitou a JJ toda a documentação necessária e procedeu à marcação da respetiva escritura, escolhendo o cartório e o local de realização do instrumento notarial; .

Em 23/12/2005, o R. DD, no decurso de um almoço prévio à celebração da escritura gizada, explicou a JJ que o investidor já não tinha interesse em declarar a celebração do contrato de mútuo e em constituir a respetiva hipoteca, para evitar problemas com a fiscalização aos seus negócios, por não ter declarado rendimentos suficientes que justificasse a detenção de tal quantia, salientando ainda o facto de os A.A. terem de suportar o imposto de selo; .

A par disso, o R. DD, 30 minutos antes da realização da escritura, informou JJ de que o R. EE era administrador da 1.ª R. “CC, S.A.”, e que esta beneficiaria, na aquisição de imóveis, por um período de 3 anos, de isenção do pagamento do IMT e que tinha fundos próprios para dispor da quantia de € 250.000,00, evitando problemas com a justificação da verba; .

Em tais circunstâncias, o R. DD informou JJ de que o empréstimo apenas se poderia realizar com recurso a uma operação “simulada” de compra e venda, alegando que a operação de compra e venda não acarretaria quaisquer problemas para os AA., porquanto se tratava dum empréstimo a curto prazo, não se fazendo sequer o registo da compra e venda, outorgando-se, imediatamente após o retorno da quantia, uma nova escritura de compra e venda que repusesse o bem na esfera jurídica dos AA., sendo que o único custo seriam as despesas da escritura e registais e o IMT da segunda escritura; .

Apesar da recusa inicial de JJ, o R. DD convenceu-o a outorgar a acima referida escritura de compra e venda de 23/12/2005, atendendo a que, naquele momento, não tinha possibilidade de contatar com os AA. e de se estar quase no final do ano para reverter a situação deste de modo a evitar a perda de sinal; .

JJ nunca teve contatos com o R. EE, tendo-o conhecido no ato da escritura; .

O R. DD assistiu à celebração daquela escritura e segredou a JJ para não levantar nenhumas questões nem à notária nem ao R. EE; .

Após a outorga da escritura, JJ foi confrontado com o facto de a CC apenas poder proceder ao pagamento da quantia de € 100.000,00, alegando que a operação de financiamento seria processada em duas tranches, sendo que a segunda só seria concretizada em 28/12/ 2005, pelo que apenas nessa data seriam pagos os € 150.000,00; .

JJ ficou surpreendido com tal situação, mas, conversando com o R. DD e com o R. EE, acabou por aceitar a entrega dos referidos € 100.000,00; .

JJ não informou os A.A. desta situação surgida no cartório notarial e, em 28/12/2005, tentou contatar com o R. DD para que lhe fossem entregues os restantes € 150.000,00, o que não conseguiu; .

Em 29/12/2005, o R. DD informou JJ de que havia sido recusada a 2.ª operação de financiamento à R. “CC, S.A”, estando esta a diligenciar por novo financiamento junto de outra instituição bancária; .

JJ informou que pretendia desfazer todo o negócio e marcar nova escritura para recolocar o imóvel na esfera jurídica dos A.A., mas o R. DD aconselhou aquele a manter-se calmo porque a situação seria resolvida em janeiro de 2006; .

Durante o mês de janeiro de 2006, após sucessivas reuniões com DD, JJ foi informado de que os investimentos de EE iriam permitir liquidez para proceder à entrega dos € 150.000,00, tendo apenas que esperar; .

Por sua vez, JJ informou que pretendia proceder à devolução da quantia recebida com outorga de nova escritura, dado que os AA. já lhe haviam transmitido a pretensão de não adquirir o outro imóvel a KK e de se conformar com as consequências do acordo de revogação do contrato-promessa; .

Em outubro de 2006, o R. DD informou JJ de que o R. EE estaria disponível para desfazer o negócio, dando-lhe instruções para tratar da papelada, solicitando a JJ a devolução de uma parte da quantia recebida para que a R. CC, S.A., pudesse ver nesse facto uma prova de boa-fé, face ao que JJ procedeu à devolução da quantia de € 25.000,00 à R. “CC, S.A.”; .

Em dezembro de 2006, o R. DD informou JJ de que o R. EE iria deslocar-se ao estrangeiro, pelo que a escritura de devolução da propriedade aos A.A. só seria concretizada logo que o R. EE regressasse; .

Durante o ano de 2007, o R. DD foi informando JJ de que a escritura apenas poderia realizar-se no final de 2007; .

Em 19/10/2007, pela 1.ª vez, o R. EE contatou pessoalmente com JJ, interpelando-o, em tom ameaçador, sobre o motivo pelo qual este pretendia desfazer o negócio; .

JJ solicitou então a outorga da nova escritura para a devolução do bem imóvel aos AA., que nada sabiam do sucedido, face ao que o R. EE lhe pediu a devolução da restante quantia de € 75.000,00 para fazer a escritura; .

Porém, JJ não concordou, alegando que tal quantia seria entregue no ato de escritura, mas EE referiu que precisava urgentemente da quantia de € 50.000,00, alegando dificuldades da R. “CC, S.A.”, e que, se não houvesse a entrega de tal quantia, venderia o bem imóvel; .

JJ, receando tal desfecho, entregou a quantia de € 50.000,00 por intermédio de cheque sacado sobre o BANCO MM à R. “CC, S.A.”; .

Durante os meses de janeiro a março de 2008, JJ obteve a informação de que a escritura de compra e venda do imóvel que havia sido pertença dos A.A. tinha sido registada em 28/03/2006 e, no dia 02/ 04/2008, deslocou-se àquele prédio, tendo verificado que o seu interior estava remexido; .

JJ, sentindo-se enganado, solicitou ao R. DD uma reunião com o R. EE para que fosse realizada a escritura a desfazer o negócio; .

Numa reunião realizada em 15.04.2008, a pedido de JJ, o R. EE informou que: a R. CC, S.A., havia subscrito, em 2005, uma letra de € 250.000,00, tendo entregue, no dia 23.12.2005, apenas a quantia de € 100.000,00 a JJ porque havia emprestado a quantia remanescente ao R. DD; o...

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