Acórdão nº 31/11.5TBVLN.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelTÁVORA VICTOR
Data da Resolução21 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

AA, na qualidade curador do ausente BB vem intentar a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC e DD e EE pedindo que se declarem impugnados os factos justificados na escritura de justificação referidas nos artigos 29º a 35º da p.i.; se declare nulo e ineficaz o conteúdo de tal escritura notarial e se ordene o cancelamento dos registos prediais efectuados com base nesse instrumento notarial; se declare a nulidade do negócio de compra e venda titulado pela escritura referida no artigo 47º da p.i., ou subsidiariamente ser tal negócio declarado ineficaz quanto ao curatelado do A., ordenando-se o cancelamento de qualquer registo predial efectuado com base nessa escritura de compra e venda.

Alegou para tanto, e em síntese, que o seu curatelado é dono e legítimo possuidor dos prédios descritos no artigo 9º da p.i., que adquiriu por sucessão, na sequência do óbito dos seus pais, encontrando-se na posse dos mesmos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, e na convicção de seu verdadeiro proprietário desde a data do falecimento dos pais.

Sucedendo que em 20/6/2002 a Ré CC outorgou escritura de justificação na qual se arvorou e declarou ser, com exclusão de outrem, dona e legítima possuidora dos imóveis descritos no artigo 9º da p.i., sendo que todas as declarações constantes da referida escritura de justificação são falsas por não corresponderem à verdade.

Ocorrendo ainda que, por escritura pública, a 1ª Ré declarou vender aos segundos Réus, os quais declararam comprar os prédios descritos no artigo 9º da p.i., não obstante saberem que tais bens não pertenciam à 1ª Ré.

  1. A co-ré DD contestou invocando a excepção da ilegitimidade passiva, por falta de intervenção na acção do Banco a favor de quem foi constituída hipoteca sobre o prédio descrito na al. a) do artigo 9º da p.i. No mais impugnou os factos invocados pelo A. atinentes aos pressupostos/fundamentos da usucapião, sendo certo que adquiriram os prédios à 1ª Ré a título oneroso, tendo pago o respectivo preço.

    A contestante e o seu marido investiram mais de 150 mil euros na reconstrução da casa, tendo estado sempre de boa-fé na mais absoluta convicção de que adquiriram os prédios à sua legítima proprietária, até porque residiam e eram naturais da freguesia da situação dos bens, reconhecendo a vendedora, desde sempre como sua legítima proprietária, sendo esta quem há mais de 25 anos fruía dos prédios e retirou dos mesmos a sua utilidades, limitando-se a adquirir os prédio, sendo que publicitou essa mesma aquisição junto da CRP logo no ano de 2002. Desta forma, a contestante e o marido, por si e antepossuidores, têm estado na posse dos prédios em causa, desde há mais de 10, 20 e 25 anos, roçando mato, cortando árvores, fazendo benfeitorias, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma contínua, na convicção de exercerem um legítimo direito de propriedade sobre os mesmos, invocando desta forma a usucapião, para além da presunção decorrente do registo predial.

  2. Em reconvenção, pediram que se reconheça a aquisição a seu favor e do marido, por acessão industrial imobiliária, do prédio urbano indicado no artigo 9º, al. a) da p.i..

    Subsidiariamente, pediram que o A. seja condenado a pagar-lhes a quantia de € 181.000.00, correspondente ao valor das benfeitorias realizadas no prédio, valor este a actualizar desde a incorporação das mesmas. Por último, a título subsidiário, peticionou que se condene o A. no pagamento desta quantia por manifesto enriquecimento sem causa.

    Replicou o A. a fls. 131 e ss dos autos, respondendo à excepção, impugnando os factos invocados pela Ré contestante e excepcionando a ilegitimidade da reconvinte por preterição do litisconsórcio necessário entre os cônjuges.

  3. A fls. 160 foi chamado a intervir ao lado da reconvinte o co-réu, seu marido, o qual a fls. 162 aderiu ao articulado já apresentado pela Ré contestante.

  4. A fls. 182 foi admitida intervenção principal provocada passiva do "Banco FF, SA", o qual deduziu a contestação de fls. 185 e ss, alegando em síntese que celebrou com os Réus DD e marido dois contratos de mútuo e hipoteca, sendo que à data da celebração das respectivas escrituras públicas os prédios dados em hipoteca ao Banco encontravam-se definitivamente inscritos a favor dos referidos Réus. Mais alegou que o Banco interveniente beneficia da presunção conferida pelo artigo 17º, nº 2 CRP, sendo que a eventual declaração de nulidade das aquisições deve ser considerada totalmente ineficaz em relação a si, pois que adquiriu as hipotecas sobre os imóveis em causa de boa-fé, a título oneroso e motivado pela certeza e segurança jurídica subjacente ao princípio da fé pública registal, tanto mais que não se encontra registada a propositura da presente acção. Por último, o Banco interveniente deve ser considerado um terceiro de boa-fé nos termos e para efeitos do disposto no artigo 291º Cód. Civil.

  5. O A. respondeu a fls. 249 e ss alegando que a constituição da hipoteca é inoponível por incidir sobre coisa alheia para a qual não ocorreu autorização ou transmissão de dívida; não beneficiando o Banco interveniente da protecção decorrente do disposto no artigo 291º CC que a apenas se aplica a direitos de igual conteúdo e respeita a aquisição de um direito real e não à constituição de uma garantia de cumprimento de uma obrigação. Mais alegou que o Banco interveniente não beneficia da protecção registal, considerando que a conduta do Banco é enquadrável no instituto do abuso de direito.

    No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância.

    Prosseguiram os autos os respectivos termos, acabando por ser proferida sentença que julgou a acção procedente por provada decidindo:

    1. Declarar impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura de justificação de 20/6/2002 no Cartório Notarial de …, por a co-ré CC não ter adquirido os prédios nela identificados, descritos em 1.2. a 1.6. dos factos provados por usucapião.

    2. Declarar ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação por forma a que os Réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre os prédios nela identificados.

    3. Determinar o cancelamento de quaisquer registos operados com base na dita escritura.

    4. Declarar a nulidade do negócio de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada a 13/1/2003 no Cartório Notarial de …, celebrado entre a 1ª Ré CC e os Réus DD e marido, tendo por objecto os prédios descritos em 1.2. a 1.6. dos factos provados, bem como nulas as hipotecas constituídas sobre tais prédios a favor do "Banco FF, SA", actualmente "Banco GG, SA".

    5. Determinar o cancelamento de quaisquer registos operados com base na escritura referida em d), incluindo o registo das hipotecas referidas em 1.35. e 1.36. dos factos provados.

    Mais se decidiu julgar parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, declarar-se que os reconvintes DD e marido EE adquiriram, por acessão imobiliária industrial, o direito de propriedade sobre o prédio urbano descrito em 1.2. dos factos provados e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 222º, sito no lugar de …, freguesia de …, concelho de V…, omisso na CRP de …, mediante o pagamento ao A. do montante de € 7.595,25 (sete mil, quinhentos e noventa e cinco euros e vinte e cinco cêntimos), no prazo de trinta dias contado da data do trânsito em julgado da decisão, sob pena de caducidade do dito direito de aquisição, condenando-se o A. a reconhecer o direito de propriedade dos reconvintes sobre tal prédio.

    O Banco GG e AA interpuseram recurso de apelação, mas sem êxito, já que a Relação confirmou o decidido em 1ª instância.

    Inconformado o Banco GG recorre, agora de revista excepcional, insistindo na sua...

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