Acórdão nº 733/14.4TJPRT-C.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução05 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. 733/14.4TJPRT-C.P1.S1 R-617 [1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No presente incidente de qualificação da insolvência, o BANCO AA, S.A.

veio apresentar alegações, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 188.º, nº1, do CIRE, pugnando pela qualificação da insolvência de BB e de CC como culposa.

O Administrador de Insolvência (AI) apresentou o parecer a que alude o art. 188.º, nº2, do CIRE, propondo a qualificação da insolvência como fortuita.

O Ministério Público aderiu ao requerimento do credor BANCO AA, pugnando pela qualificação da insolvência como culposa.

Cumprido o disposto no nº5 do art. 188.º do CIRE, foi apresentada oposição, nos termos que constam do requerimento de fls. 60 e ss.

Foi proferido despacho saneador, procedendo-se ainda à selecção dos temas de prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

*** Foi proferida sentença cuja decisão tem o seguinte teor: “Em conformidade com o exposto, e de acordo com os preceitos legais indicados, decide-se: 1.

Qualificar a insolvência de BB e CC como culposa.

  1. Declarar a inibição de BB e CC para administrar patrimónios de terceiros, por um período de 2 (dois) anos; 3.

    Declarar a inibição de BB e CC para o exercício do comércio durante um período de 2 (dois) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; Custas pela massa insolvente.

    Registe e notifique.

    Extraia certidão da presente sentença e remeta à Conservatória do Registo Civil (art. 189.º, nº 3, do CIRE).” *** Inconformados, os insolventes recorreram para o Tribunal da Relação do … que, por Acórdão de 6.4.2017, fls. 158 a 165 - julgou procedente a Apelação e revogou a sentença recorrida, qualificando a insolvência de BB e CC como fortuita.

    *** Inconformado, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, o credor BANCO AA que alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. O acórdão recorrido revogou a decisão proferida pelo Tribunal de l.ª Instância, qualificando a insolvência de BB e de CC como fortuita, sem ter alterado a matéria de facto, na qual foi dado como provado que os insolventes, dentro dos três anos que antecederam o início do processo de insolvência, simularam doar ao seu filho dois imóveis, apenas com o intuito de enganar e prejudicar os seus credores.

    1.1. Não sendo alterada a matéria de facto, coloca-se a dúvida sobre as razões de Direito que levaram o Tribunal da Relação do … a revogar a decisão de primeira instância, considerando que o Tribunal de l.ª Instância tinha feito uma errada interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto.

    1.2. Porém, essas razões de Direito não foram explicitadas no acórdão recorrido, que se limita a transcrever as considerações jurídicas constantes da sentença elaborada em primeira Instância, para depois concluir que não houve uma “efectiva disposição do imóvel”, sem explicar em que medida é que não foi preenchida a presunção inilidível de insolvência culposa prevista no art. 186º, nº2, al. d) do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.

    1.3. A não especificação dos fundamentos de Direito que estão na base da decisão impede o recorrente de compreender o percurso lógico seguido pelo pensamento do julgador, desconhecendo-se as premissas em que se baseia a conclusão de que não houve uma “efectiva disposição do imóvel”: será que é por a doação ter sido simulada? será que é por a doação, passados alguns meses, ter sido revogada também de forma simulada? e, supondo não ser aplicável a presunção inilidível da al. d) do art. 186.° nº2 do CIRE, porque é que não será aplicável outra das presunções inilidíveis previstas no mesmo artigo? e porque é que não estarão preenchidos os pressupostos gerais de qualificação da insolvência como culposa, previstos no art. 186.° n.º1 do CIRE? 1.4. O desrespeito do dever de fundamentação da decisão judicial deixa estas questões sem resposta, cerceando o direito de defesa do recorrente e o direito de reagir a uma decisão judicial que considera injusta e constitui também uma clara violação do direito fundamental a um processo justo e equitativo (art. 20.° n.º4 da Constituição da República Portuguesa).

    1.5. A não especificação dos fundamentos de Direito que justificam a decisão é cominada com nulidade (art. 615.°, n.º1, al. b) do Código de Processo Civil), que expressamente se invoca.

    1.6. Ainda assim, o recorrente, por uma questão de precaução, não pode deixar de tentar reconstituir o pensamento (não explicitado) do julgador, tendo presente que o art. 186.º n.º1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas consagrou um dever geral de abstenção da prática de actos que criem ou agravem uma situação de insolvência, cuja violação será merecedora de uma resposta sancionatória e preventiva, desde que preenchidos os pressupostos gerais enumerados no mesmo artigo: facto (activo ou omissivo) praticado pelo devedor ou os seus administradores de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; culpa (dolo ou culpa grave); criação ou agravamento da situação de insolvência; nexo de causalidade entre o facto praticado e a criação ou agravamento da situação da insolvência.

    1.7. Reconhecendo as dificuldades com que o julgador se poderia deparar na apreciação destes pressupostos gerais, o legislador enumerou no art. 186.° nº 2 do CIRE uma série de condutas que, de acordo com as regras da experiência comum, criam ou agravam, culposamente, uma situação de insolvência, presumindo, iniludivelmente, a verificação dos pressupostos gerais da insolvência culposa (art. 186.° n.°1).

    1.8. Entre essas presunções inilidíveis encontra-se a disposição de um bem que não seja acompanhada do recebimento do seu respectivo valor, beneficiando um terceiro e diminuindo o património do devedor, em prejuízo dos seus credores (art. 186.º n.º2, al. d)), como é o caso da doação ou da venda de um bem abaixo do seu valor real.

    1.9. A 26 de Abril de 2012 (dentro dos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, que ocorreu a 5 de Maio de 2014), os insolventes doaram ao seu filho dois imóveis, presumindo-se, iniludivelmente, a criação ou agravamento culposo da sua situação de insolvência, independentemente da prova de um prejuízo concreto de um credor (art. 186.º n.º2, al. d)) – presunção que visa acautelar um perigo de criação ou agravamento da situação de insolvência.

    1.10. A simulação do negócio de doação não impede a aplicação da presunção do art. 186.º n.º2, al. d) do CIRE, sob pena de perder toda a sua utilidade, já que, de acordo com as máximas da experiência comum, o meio típico de dissipação de património, em...

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