Acórdão nº 355/14.0TTCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Abril de 2016
Magistrado Responsável | RIBEIRO CARDOSO |
Data da Resolução | 07 de Abril de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) AA instaurou, contra BB, LDA, a presente ação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que se condene a Ré a reconhecer que a Autora resolveu o contrato de trabalho com justa causa, com data de 30/11/2013; a indemnizar a Autora pela rescisão com justa causa, no montante de € 13.084,93; a pagar-lhe os créditos salariais vencidos até à data da rescisão do contrato de trabalho no montante de €17.435,15 e a pagar-lhe os juros de mora que se vencerem até integral pagamento daqueles valores.
Como fundamento alegou que, quando a Ré lhe comunicou que iria proceder à transferência temporária do seu local de trabalho para a sua sede em Lisboa, respondeu invocando as razões pessoais, profissionais e familiares da impossibilidade de aceitar tal transferência, além de que, à data, encontravam-‑se em dívida retribuições vencidas há mais de 8 meses e verificava-se violação do direito à ocupação efetiva, por não ter sido reintegrada na sequência de decisão judicial transitada em julgado. Na falta de resposta da Ré, a Autora resolveu o contrato com invocação de justa causa.
Contestou a Ré, alegando que a Autora, ao recusar-se a comparecer na sua sede, não pode invocar que não lhe distribuiu trabalho concreto. A não apresentação ao serviço deu origem a faltas injustificadas, por isso, ao reclamar em execução de sentença retribuições relativas a esse período, fê-lo de modo abusivo, antes da resolução do contrato de trabalho, sendo que, eventualmente, as únicas remunerações em dívida seriam as de Outubro e Novembro de 2013, não existindo fundamento legal para a resolução naquela data, o que confere à Ré o direito a exigir uma indemnização nos termos dos arts. 399º, 400º e 401º, todos do Código do Trabalho (diploma a que se reportação todos os preceitos doravante invocados sem menção de outra fonte), o que pede em reconvenção.
A Autora respondeu, concluindo pela improcedência do pedido reconvencional ou, caso assim não se entenda, pela redução da indemnização ao correspondente prazo do aviso prévio.
Instruída e julgada a causa, foi proferida sentença julgando parcialmente procedente a ação e procedente o pedido reconvencional e decidindo: “
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Considerar ilícita a resolução do contrato de trabalho, por iniciativa da Autora e, considerar improcedente o pedido de indemnização por este formulado nos autos; b) Condenar a Ré a pagar à Autora as férias e subsídio de férias (vencidos em 01/01/2013) e os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal correspondentes ao tempo de serviço prestado nesse ano da cessação do contrato, num total de € 17.082,75 (dezassete mil e oitenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos).
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Aos valores acima descritos acrescem os correspondentes juros de mora, à taxa legal em vigor, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento.
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Condenar a Autora a pagar à Ré a indemnização por falta do aviso previsto a que alude o art. 401º do CT, no valor de € 7.200,00.
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Absolver a Ré do demais peticionado.
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Absolver a Autora do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pela Ré.
Custas por A. e Ré, na proporção do respectivo decaimento – art 537.º, nº2, do NCPCivil”.
Inconformada, a autora apelou da decisão, tendo sido proferida a seguinte decisão: “Julgar procedente a apelação e em, na alteração da sentença: 1 - revogar o decidido nas als. a) e d) do dispositivo da sentença; 2 - declarar que assistiu justa causa à Autora na resolução do seu contrato de trabalho com a Ré; 3 - condenar a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização por tal justa causa, o montante de € 13.084,93, acrescidos de juros, à taxa legal, vencidos e vincendos desde 30/11/2013 até integral pagamento.
Custas do recurso pela apelada e na 1ª instância na proporção de vencidos.” Inconformada dela recorre a Ré de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão e a repristinação da sentença da primeira instância, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: “A. Salvo o devido respeito, o Acórdão Recorrido faz uma incorrecta e contraditória interpretação dos factos, da sua contextualização, do processo e, consequentemente, do direito aplicável.
B. A ora Recorrente não pode deixar de manifestar o seu desagrado quanto ao sentido da decisão e à argumentação que lhe subjaz.
C. O Acórdão Recorrido omite quatro factos dados como provados, absolutamente essenciais para a boa decisão da causa, a saber: 21 - As retribuições (intercalares) vencidas até Setembro de 2013 (quando ocorreu o trânsito em julgado da já referida sentença) foram reclamadas na execução de sentença, à data em curso contra a Ré; 26 - Desde a data da prolação da sentença (em 08-02-2013) até ao seu trânsito em julgado (27-09-2013) as retribuições vencidas perfizeram um total de € 28.800,00 que foi cumulado à execução que se encontrava em curso no processo n.º 446/12.1TTCBR-A; 27 - no auto de penhora lavrado em 27-02-2014, na sobredita execução, consta uma quantia exequenda de € 77.707,66 acrescida de despesas prováveis no valor de € 3.292,34, num total de € 81.000,00; 28 - A penhora do saldo da conta de Depósitos à ordem identificada nesses autos, ascendia nessa data a € 85.478,43.
D. Relativamente ao fundamento - falta culposa de pagamento das retribuições devidas desde então até aquela data - invocado pela Autora aquando da resolução do contrato de trabalho, a alegada, cumpre recordar que, fosse porque motivo fosse, a Autora não trabalhou para a Ré, até à data do termo da relação laboral por resolução por sua iniciativa, mas não deixou de receber, pois logo que transitou em julgado a sentença, a Autora ora Recorrida, por cumulação sucessiva de execuções, imediatamente cuidou de penhorar o saldo da conta bancária da Ré ora Recorrente num montante que em 2014 ascendia a € 81.000,00 (cfr. fls. 277), quando aquilo que tinha a receber, a título de retribuições, era € 65.640,00 (€ 36.840,00 vencidos à data da sentença + € 28.800,00 vencidos até ao transito em julgado da mesma).
E. Daí que, e contrariamente ao sustentado pelo Acórdão Recorrido, a Autora ora Recorrida não pode beneficiar da presunção ínsita no n.º 5 do artigo 394º do CT pois executou as retribuições em dívida até Setembro de 2013 inclusive, o que resulta manifesto dos FA 21, 26, 27 e 28.
F. Saliente-se, para além do mais e conforme salientando pela Sentença do Tribunal do Trabalho de Coimbra, que o período relativamente ao qual a falta de pagamento efetivamente se processou não foi grave ao ponto de justificar a rescisão que levou a cabo pois só estava em dívida a retribuição de outubro que deveria ser paga a 30, motivo pelo qual no dia 30 de novembro de 2013, ainda não tinham decorrido os 60 dias, sendo certo que a quantia penhorada ultrapassa esse valor e a Autora não trabalhou ao longo de todo aquele período.
G. Contrariamente ao sustentado pelo Acórdão Recorrido, para se poder afirmar a existência de justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador não é suficiente a mera verificação objectiva de um dos comportamentos previstos no n.º 1 do artigo 394° do CT, tendo também que haver culpa por parte do empregador, devendo ainda a violação das obrigações contratuais por parte deste último, em resultado da sua gravidade, implicar a insubsistência da relação laboral.
H. Contrariamente ao defendido pelo Acórdão Recorrido, no art. 394º do CT configuram-se duas situações de desvinculação, por iniciativa do trabalhador, ocorrendo justa causa, respeitando ambas a situações anormais e particularmente graves em que deixa de ser exigível que aquele permaneça ligado à empresa por mais tempo: a primeira reporta-se a fundamentos subjectivos, por terem na sua base um comportamento culposo do empregador, dando lugar a indemnização (arts. 394º n.º 2 e 396º); a segunda reporta-‑se a fundamentos objectivos, por não terem na sua base um comportamento culposo do empregador (art. 394° n.º 3), contando-se, entre os primeiros, a falta culposa de pagamento pontual da retribuição (al. a) do n.º 2), e entre os segundos, a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição (al. c) do n.º 3).
I. Tal significa, no que respeita à situação da al. a) do nº 2 do art. 394.º, que há que distinguir consoante o atraso no pagamento da retribuição não atinja os 60 dias, caso em que a culpa do empregador se presume nos termos gerais do art. 799.º do Código Civil, admitindo prova em contrário, ou atinja 60 ou mais dias, caso em que a conduta se considera culposa, ou seja, não admitindo prova em contrário.
J. E na situação dos autos, e que resulta dos factos assentes, ao invocar a falta de pagamento relativa ao supra citado período, a Autora ora Recorrida além de não desconhecer o valor da quantia já penhorada, sendo que, no contexto de todas as vicissitudes ocorridas, jamais trabalhou para a Ré, o que constituiria abuso do direito a sua pretensão.
K. Concluindo-se, em face do exposto, pela ilicitude da resolução com justa causa com o fundamento de falta culposa de pagamento das retribuições devidas desde então até à data da resolução.
L. Em consequência e diferente do decidido pelo Acórdão Recorrido, resulta do artigo 399.º do CT que não se provando a justa causa de resolução do contrato, o empregador, in casu, a ora Recorrente tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401º.
M. Sendo, deste modo, manifesto que a improcedência do pedido formulado pela Autora ora Recorrida, designadamente ao não lograr demonstrar que tinha justa causa para resolver o contrato, tem de ter consequências na análise do prazo de aviso prévio, ficando esta constituída na obrigação de pagar à Ré uma indemnização de valor nunca inferior à retribuição correspondente ao tempo de aviso prévio em falta que na situação ora em apreço era de 60 dias, tendo em...
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