Acórdão nº 519/10.5JDLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução20 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1.

O Tribunal Colectivo da 1ª Secção Criminal da Instância Central de Lisboa procedeu a julgamento, para realização do cúmulo jurídico de várias penas aplicadas à arguida AA, condenando-a, por acórdão proferido em 2 de Julho de 2015, na pena única de 10 anos de prisão, por cúmulo jurídico das penas de prisão que lhe foram aplicadas nos presentes autos, supra referenciados, e nos processos comuns colectivos n.

os 540/09.6JAPRT da antiga 2.ª Vara Criminal do Porto e 847/12.5PBCBR da extinta Vara de Competência Mista de Coimbra.

  1. Deste acórdão recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de Lisboa, rematando a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem: «CONCLUSÕES 1- O Tribunal a quo, não respeitou o princípio da proporcional idade, e necessidade, e do contraditório.

    2- Deve ser respeitado o princípio do contraditório, com a audição dos sujeitos processuais interessados, e a produção de prova que se mostre necessária.

    3- O que não aconteceu com a arguida/recorrente que logo à partida foi dispensada, sem ter a possibilidade de se pronunciar.

    4- Ora, na determinação do "quantum" da pena única, está o tribunal à quo, obrigado a observar precisamente, as mesmas regras, que dirigiram a fixação das penas parcelares.

    5- Aliás, o cúmulo jurídico é um instrumento através do qual se visa precisamente atingir, no caso de concurso de crimes, uma punição mais justa, do que a que decorreria da simples soma aritmética das penas parcelares.

    6- Deve-se conseguir encontrar, neste como nos demais casos, uma pena única ainda que porventura não suspensa na sua execução, que cabalmente respeite todos os parâmetros legais.

    7- Na elaboração do cúmulo jurídico ao abrigo do disposto no art° 79 do C.P., após a condenação por factos que constituem acumulação de infracções, com as anteriores, há que considerar cada uma das penas impostas aos diversos crimes, devendo, na fixação da pena unitária, ponderar-se, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tendo como limite superior a soma das penas parcelares.

    8- Na estatuição do cúmulo jurídico das penas há dois limites: um relativo, e outro absoluto.

    O absoluto impede que a pena unitária ultrapasse os limites previstos nos art° 40 e 46 do C.P.

    O relativo impede que a pena unitária seja superior à soma das penas parcelares aplicadas aos vários crimes.

    9- A arguida/recorrente, sente-se prejudicada, porque não lhe foi permitido exercer o princípio do contraditório, que é um direito que lhe assiste.

    10- Não foi pedido o seu Relatório Social, para aferir das suas condições pessoais, socio-económicas, actualmente.

    11- Foi realizado o cúmulo jurídico, com uma pena de 3 anos, suspensa na sua execução no âmbito do Proc. N°540/09.6 JAPRT, da antiga 2ª Vara Criminal do Porto, por factos ocorridos 05-05-2008.

    12- Entende-se que não é possível cumular penas de prisão efectiva com penas de prisão cuja execução esteja suspensa, com o argumento que esta é uma pena de substituição e, portanto tem diferente natureza da pena de prisão efectiva.

    13- Acresce que, em nosso ver, a realização do cúmulo jurídico integrando uma pena suspensa na sua execução, põe em causa o princípio da protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.

    14- No sentido da inadmissibilidade deste tipo de cúmulo jurídico, veja-se Ac. STJ, Proc. 287/12.6TCLSB.L1.S1, 3ª secção, 14-03-2013 15-A aplicação de uma pena única no caso de concurso de crimes, supõe que estejam em causa penas da mesma natureza, nesta perspectiva, poder-se-á discutir se a pena suspensa, prevista no art° 50 do C.P, enquanto pena de substituição, constitui para efeitos de determinação da pena única do concurso, uma pena da mesma natureza do que a pena de prisão.

    16- Com efeito a pena suspensa não é comparável, conceptual, politico-criminalmente, ou em termos de execução, à pena de prisão. É uma pena de substituição cuja matriz de origem e base está condicionada, e que pode vir a ser declarada extinta através do procedimento adequado, enquanto não puder decorrer o procedimento de execução da pena suspensa, com a decisão de extinção da pena ou revogação da suspensão, não é susceptível de execução como pena de prisão.

    17- Como resulta do art° 56 do C.P, a revogação não é automática; mesmo verificados os pressupostos de que depende é sempre necessária uma decisão que aprecie e avalie se a quebra dos deveres de que depende a suspensão assume gravidade que determine a revogação, e mesmo em caso de prática de crime, é necessário que uma decisão verifique que, concretamente, não puderam ser alcançadas as finalidades que estiveram na base da suspensão.

    18- Só a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, art° 56 n° 2 do C.P. A pena suspensa é declarada extinta se, como dispõe o art° 57 nº 1 do C.P. Durante o período da suspensão não houver motivos que possam conduzir à revogação.

    19- A pena de substituição é, pois uma pena de natureza diferente da pena de prisão, pela natureza e função que lhe está politico-criminalmente adstrita.

    20- É nosso entendimento de acordo com o ponto de vista doutrinário do "Nuno Brandão", entende este Autor que as penas de execução suspensa, aplicadas por decisões transitadas em julgado, não devem poder ser revogadas para efeitos de formação de uma pena conjunta, privativa da liberdade, a menos que o condenado nisso consinta. Ou seja, o critério seria o designado cúmulo jurídico facultativo, em que o condenado, com base numa dada interpretação do art.º 77 nº 3 do C.P., poderia optar entre o cúmulo jurídico ou a acumulação material das penas, conforma ele próprio achasse mais favorável para si, hipótese em que se justificaria uma eventual quebra do caso julgado com perda de autonomia e da especificidade da pena de substituição, pela sua integração no cúmulo jurídico.

    21- Para além disso, também se deve concluir que é excessivo o "quantum" da pena única que a recorrente foi condenada nos presentes autos.

    22- O objectivo da reintegração da arguida/recorrente na sociedade, que a aplicação de prisão visa, não se alcança certamente com a sujeição do mesmo a uma pena privativa da liberdade tão pesada e tão longa como aquela a que foi condenada no Acórdão Cumulatório.

    23- Deveria o Tribunal à quo, ter-se decidido pela aplicação de uma pena de 7 anos de prisão.

    24- Mais se entende que a pena conjunta de 10 anos de prisão, aplicada à recorrente deve ser revogada e substituída pela pena de 7 anos de prisão, não incluindo a pena suspensa na sua execução, por não ser uma pena efectiva e não se ter conhecimento, que a mesma tenha sido revogada.

    25- Entende-se também, que foram violadas as normas legais, art° 77 nº 1, 3, 78 nº 1, 2, 79, 97 nº 1 a), e 374 todos do C.P 26- Porquanto a medida concreta da pena do concurso, dentro da moldura abstracta aplicável, a qual se constrói a partir das penas aplicadas aos diversos crimes, é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico, constante do art° 77 nº 1 do C.P, a consideração em conjunto dos factos e da personalidade jurídica.

    27- Na avaliação desta personalidade unitária do agente, revela sobretudo " a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunto. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

    28- Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses factores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita.

    29- Pelo que, tem de ter uma fundamentação específica na qual se espelham as razões porque, em atenção aos referidos factores (em particular a propensão ou não do agente para a prédica de crimes ou de determinado tipo de crimes), se aplicou uma determinada pena conjunto.

    30- Pelo que se entende, que no caso da realização do cúmulo jurídico das penas a fundamentação da pena única deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. O tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e á análise da concreta necessidade da pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos 31- É nulo o Acórdão, por insuficiência de fundamentação de facto e de direito, quando se limita a indicar crimes que foram objecto de condenação, sem especificar, embora de forma concisa, os factos que os consubstanciam, quando é absolutamente omisso quanto à personalidade do arguido (nada contêm sobre as suas condições pessoais, familiares e sociais à data em que cometeu os crimes) e quando nada esclarece sobre a avaliação da personalidade do arguido e da globalidade dos factos por ele praticados.

    32- Assim sendo, deverá ser revogado este Acórdão Cumulatório, e repetido no sentido de ser reduzida a pena unitária aplicada à recorrente, para 7 anos, Nestes termos, Deve o presente recurso, merecer provimento, por provado, ser revogado o Acórdão Cumulatório, e repetido no sentido de ser reduzida a pena unitária de 10 anos de prisão, para uma pena não superior a 7 anos de prisão.» 3. O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, nos seguintes termos: «I (…) Por douto acórdão proferido no processo supra-identificado foi a arguida AA condenada, em cúmulo jurídico, na pena de 10 anos de prisão.

    Inconformada com tal aresto, dele interpôs recurso – em página a meia de motivação e mais de quatro de conclusões!!! – no qual alega, em síntese, ter o tribunal a quo...

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