Acórdão nº 61/15.8PFLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução13 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1. AA foi julgado em processo comum, supra referenciado, pelo Tribunal Colectivo na Comarca de ... – Instância Central ... – ...Unidade – e condenado, por acórdão proferido em 3 de Novembro de 2015: - Pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.

os 1 e 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão.

- No pagamento à demandante BB, representada pela sua mãe, CC, da quantia global de € 41.450,00 (quarenta e um mil quatrocentos e cinquenta euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros desde a data da decisão, à taxa legal de 4% ou à taxa legal que vier a vigorar até integral pagamento, e da quantia de € 38.550,00 (trinta e oito mil quinhentos e cinquenta euros) a título de ressarcimento pelos danos patrimoniais, acrescida de juros a contar da data da notificação do arguido para contestar o pedido de indemnização civil, à taxa de 4% ou à taxa legal que vier a vigorar até integral pagamento.

  1. Deste acórdão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de ..., encontrando-se as razões da sua discordância expressas nas conclusões da respectiva motivação do recurso que se transcrevem: «D – CONCLUSÕES 1.- O Arguido foi condenado, pelo Tribunal a quo, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. nos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 al.

    e), ambos do Código Penal (CP), na pena de 17 (dezassete) anos de prisão.

  2. - O presente recurso é limitado à questão jurídica e à medida da pena.

  3. - Entende o Arguido, s.m.o., que a correta qualificação jurídica dos factos obrigaria à condenação daquele por homicídio “simples” (crime p. e p. no art. 131.º do CP), ou ainda que assim não seja (o que não se concede, a apenas por mero dever de patrocínio se admite), a manter-se a condenação pelo crime de homicídio qualificado [crime p. e p. nos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 al.

    e), ambos do CP], o quantum da pena seria em qualquer caso substancialmente menor atendendo a todos os elementos constantes do processo.

  4. - Como é jurisprudência constante e doutrina maioritária, o crime de homicídio qualificado “constitui uma forma agravada do crime de homicídio simples, previsto no art. 131.º do CP, que constitui o tipo de ilícito, agravamento esse que se produz não através da previsão de circunstâncias típicas fundadas em maior ilicitude do facto, cuja verificação determinaria a realização do tipo, como acontece por exemplo no furto qualificado, mas antes em função de uma culpa agravada, de uma “especial censurabilidade ou perversidade” da conduta (cláusula geral enunciada no n.º 1), revelada pelas circunstâncias indicadas no n.º 2.” 5.- Donde, o efeito indiciário do exemplo padrão fornecido pela al. e) do n.º 2 do art. 132.º do CP, não dispensa a verificação de uma culpa substancialmente agravada que permita em conjugação com o n.º 1 daquele preceito determinar o preenchimento do tipo penal.

  5. - Da conjugação de todos os elementos relativos à culpa do Arguido, nomeadamente os elementos constantes nos pontos 28 a 39 inclusive dos factos provados (cfr., p. 12 a 14, inclusive, do Acórdão, de fls_), poderá verificar-se que existem atenuantes da culpa que levam à anulação do efeito indiciário, pelo que a imagem global da culpa não é substancialmente agravada.

  6. - Em conformidade, o Arguido não deveria ter sido condenado, como autor material, pelo crime de homicídio qualificado, na forma consumada, mas pelo crime de homicídio “simples” (crime p. e p. no art. 131.º do CP), e consequentemente com uma pena substancialmente inferior à que foi aplicada.

  7. - Porém, e subsidiariamente, e ainda que assim não se entenda (o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se admite), ou seja, ainda que se mantenha a condenação pelo crime de homicídio qualificado, o quantum da pena seria em qualquer caso substancialmente menor atendendo a todos os elementos constantes do processo.

  8. - Nomeadamente, os supra referidos elementos constantes nos pontos 28 a 39 inclusive dos factos provados (cfr., p. 12 a 14, inclusive, do Acórdão, de fls_), e atendendo aos fins das penas, julga-se que a pena de 17 (dezassete) anos de prisão é manifestamente exagerada porquanto excessiva e desproporcional.

    Assim, por tudo quanto exposto, deve o presente recurso proceder por provado e substituir-se o douto acórdão em crise nos seguintes termos:

    a) Condenar-se o arguido, como autor material, pelo crime de homicídio qualificado, na forma consumada, mas pelo crime de homicídio “simples” (crime p. e p. no art. 131.º do CP), e consequentemente com uma pena substancialmente inferior à que foi aplicada.

    b) Caso assim não se entenda, sem conceder, substituir o quantum da pena em que o arguido foi condenado, atendendo a todos os elementos constantes do processo.

    Fazendo assim, V. Exas. a acostumada Justiça».

  9. O Ministério Público na 1.ª instância respondeu ao recurso nos seguintes termos: «I.

    Efectuado o julgamento foi proferido acórdão que condenou o arguido AA como autor material de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 131° e 132°, n.ºs 1 e 2, alínea e) todos do Código Penal, na pena de 17 anos de prisão.

    II.

    Não se conformando com a presente condenação veio o arguido interpor recurso da sentença, pugnando pela revogação desta, levantando as seguintes questões: • Não preenchimento do tipo legal de crime de homicídio qualificado, mas sim de homicídio simples; • Medida da Pena de prisão excessiva; III.

    Como é jurisprudência pacífica nos nossos 'Tribunais superiores e resulta do princípio da cindibilidade do recurso em processo penal consagrado no artigo 402.° e subjacente ao artigo 412.°, ambos do C.P.P., o âmbito do recurso é dado pelas conclusões formulada pela recorrente.

    Assim sendo, passar-se-á a analisar as ditas Conclusões: a)Do preenchimento do tipo legal de crime de homicídio qualificado: Nesta parte, o recorrente questiona a qualificação jurídica dos factos dados como provados no acórdão, entendendo que a mesma não seria susceptível de integrar o crime de homicídio qualificado, tal como entendeu o tribunal a quo.

    Alega, assim, que a factualidade dada como provada no acórdão deve subsumir-se ao crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131 ° do C.P.

    Dispõe o artigo 131° do C.P. que “ Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos." Nos termos do disposto no artigo 132°, nº1, do Código Penal, "1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos. " Por sua vez, prescreve o n.º2, alínea e) do artigo 132º do C.P, que “2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (...) e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil;” Importa precisar o que é a especial censurabilidade ou perversidade.

    Permitimo-nos aqui citar Teresa Serra (in "Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena", págs. 63 a 65).

    Como se sabe, a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.°, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores ... Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto pois! um recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode reconduzir-se «à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor! de que fala BINDER. Assim poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor. Especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente ... Importa salientar que a qualificação de especial se refez tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exactamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete».

    Ora, voltando ao caso sub judicie, de acordo com o que ficou provado no que concerne à actuação do recorrente e ao motivo subjacente entendemos que tais factos revelam especial censurabilidade da sua parte, integrando o crime de homicídio qualificado.

    Com efeito, o facto de o arguido ter decidido tirar a vida ao ofendido DD pelo simples facto deste se ter recusado a dar-lhe um cigarro (cf. facto I, a fls.428), afigura-se-nos que tal actuação se integra na alínea e) do artigo acima referido.

    O motivo que levou o recorrente a actuar da forma descrita no acórdão a fls.428 e ss é manifestamente fútil, despropositado, tal como aliás vem descrito no Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 03.08.2011, processo n.º 830/09.8PBCTB.Cl, in www.dgsi.pt, «Motivo fútil é o móbil do crime da actuação despropositada do agente, sem sentido perante o senso comum, por ser totalmente irrelevante na adequação do facto, radicando...

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